Valor econômico, v. 17, n. 4127, 08/11/2016. Política, p. A9

Consultor do Senado avalia PEC é inconstitucional

Por: Fabio Murakawa e Vandson Lima

 

Em boletim legislativo divulgado ontem, um consultor técnico do Senado afirmou que a proposta de emenda constitucional (PEC) que impõe um teto aos gastos públicos é inconstitucional e sugeriu que sua tramitação seja interrompida no Congresso Nacional.

Intitulado "Inconstitucionalidades do 'novo regime fiscal' instituído pela PEC nº 55, de 2016", o documento, assinado pelo consultor Ronaldo Jorge Araujo Vieira Junior, ganhou elogios da oposição. Já senadores da base governista atacaram tanto o boletim quanto seu autor, por suposta ligação com o PT.

A PEC 55, que limita a alta dos gastos públicos à inflação do ano anterior pelos próximos 20 anos, já foi aprovada em dois turnos na Câmara e começará a ser discutida hoje na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.

A tramitação no Senado, também com votação em dois turnos em plenário, tem conclusão prevista para 13 de dezembro. Caso os senadores não façam modificações, como quer o governo, a emenda será promulgada. Caso contrário, volta à Câmara.

Para Ronaldo Jorge, no entanto, mesmo que aprovada intacta no Senado, a discussão não se encerra no Congresso Nacional. Deve haver, diz ele, uma judicialização em torno do tema, abrindo caminho para questionamentos ao Supremo Tribunal Federal. "Há um rol de legitimados na Constituição para entrar com ações diretas de inconstitucionalidade: partidos políticos, entidades sindicais, a Ordem dos Advogados do Brasil, governadores de Estado. É muito provável que haja uma provocação ao STF", disse o técnico ao Valor.

No boletim, ele fundamenta sua argumentação dizendo que a PEC fere princípios constitucionais, como o de separação de Poderes, e viola direitos fundamentais. A PEC, afirma, também fere o subprincípio da razoabilidade, ao atacar a crise fiscal pelo aspecto do gasto, quando, em sua opinião, suas causas estão muito mais ligadas à arrecadação. E, ao congelar gastos sociais, joga uma "carga desproporcional para quem usa esses serviços [saúde e educação]", sem exigir "alguma participação para outros seguimentos da sociedade", diz.

No plenário, o documento causou embate entre senadores. O petista Paulo Paim (RS) usou o texto para afirmar que "a consultoria técnica e jurídica do Senado concluiu, através de um longo estudo, que essa PEC é totalmente inconstitucional", apontou.

José Medeiros (PSD-MT) contestou. Mostrou na tribuna uma foto que trazia o consultor exaltado, em um episódio onde ele teria, segundo Medeiros, protestado contra o impeachment de Dilma Rousseff. "O senhor Jorge gritava ali, no Salão Verde, dizendo 'Fascistas não passarão!'. Só pela foto e pela postura do consultor, nota-se que esse artigo tem um viés político", justificou. "Existem aqui consultores que são notadamente ligados a facções políticas ou a partidos."

Ronaldo Jorge atuou no governo Lula na Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil e como consultor na Advocacia-Geral da União (AGU). Ao Valor, ele negou ter vinculação partidária. Disse que elaborou o boletim a pedido de um senador, que não quis nomear. E afirmou que o documento reflete a sua visão, não a da Consultoria Legislativa do Senado. "Não existe assepsia técnica em nenhuma atividade", disse ele. "Evidentemente que todas as análises que eu faço são influenciadas por toda a minha formação. Não há uma norma sequer no ordenamento jurídico que dispense a interpretação."