Valor econômico, v. 17, n. 4128, 09/11/2016. Internacional, p. A13

Massa de descontentes será desafio para o eleito nos EUA

Boa parte do eleitorado rejeita o sistema político e quer mudanças

Por: Juliano Basile

 

O presidente eleito dos Estados Unidos deverá herdar da campanha eleitoral uma massa de descontentes e enfrentará a desconfiança do eleitorado que acredita que o sistema político não está funcionando para a maioria da população. Herdará ainda um ambiente político extremamente polarizado em Washington. Com isso, será árduo o desafio de unir um país que se mostrou nessas eleições desunido como em poucos momentos de sua história.

A raiva anti-establishment foi canalizada pelo candidato do Partido Republicano, Donald Trump, que obteve amplo apoio na campanha dos eleitores brancos com menos escolaridade nas periferias dos centros urbanos. De acordo com especialistas, esse eleitorado é composto por pessoas que acreditam que deveriam ter melhores oportunidades e que empresas estrangeiras e imigrantes estão retirando chances que elas poderiam ter de bons empregos e salários mais altos.

"Há eleitores que acham que o governo está dando muito apoio para os negros e os latinos, e eles se sentem injustiçados, pois não estariam recebendo a mesma atenção. Trump fala para esses eleitores", resumiu Steven Romalewski, diretor do Centro de Pesquisas Urbanas da City University de Nova York.

Esse movimento de raiva na classe trabalhadora do país ocorre justamente quando a economia americana passa por uma recuperação. O Produto Interno Bruto (PIB) americano no terceiro trimestre registrou crescimento de 2,9%, superior à expectativa do mercado, que era de 2,5%, e bem maior que o aumento de apenas 1,1% do primeiro semestre. O último relatório de empregos, em outubro, trouxe mais 161 mil vagas e um consolidado de 15,5 milhões de novos postos de trabalho desde o começo de 2010.

Por outro lado, o aumento na polarização da distribuição de renda no país fez o Fundo Monetário Internacional (FMI) alertar para a necessidade de os EUA adotarem medidas que reduzam as perdas financeiras na classe média, estimadas como as maiores nos últimos 30 anos, e o aumento da pobreza no país.

Algumas delas estavam na plataforma de Hillary Clinton, que, até o fechamento desta edição, era a favorita para vencer as eleições, de acordo com a maioria das pesquisas. Hillary quer aumentar investimentos em infraestrutura, aprovar um novo salário mínimo e fortalecer a legislação sobre as empresas financeiras de Wall Street.

Outras medidas sugeridas pelo FMI e pelo Banco Mundial foram recusadas tanto por Hillary quanto por Trump, como a aprovação da Parceria Transpacífico (TPP, na sigla em inglês), que traria melhores condições de acesso a produtos americanos no exterior, mas é mal vista pela maioria dos eleitores por permitir facilidades a bens e serviços estrangeiros no país.

"As pessoas que não foram beneficiadas pela expansão da economia nos últimos anos e que não tiveram crescimento em seus salários proporcional ao aumento do PIB sentem que os seus empregos e as suas funções estão ameaçadas", afirmou Sharyn O'Halloran, professora de política econômica da Escola de Relações Internacionais da Universidade Columbia. "Elas se sentem realmente descontentes e não participantes [nos resultados da economia] e é por isso que estão raivosas", completou.

O'Halloran procurou verificar por meio das doações quais grupos apoiaram os presidenciáveis, e a conclusão é que Hillary contou com forte apoio do establishment. Até o fim de outubro, a campanha da democrata havia arrecadado mais de US$ 616 milhões, sendo que 72% desse montante veio de comitês que repassam as doações ao partido e são conhecidos como super PACs (grupos de apoio independente dos candidatos).

Como os super PACs são, em sua maioria, formados por grandes companhias, as doações revelam que Hillary teve "apoio muito forte e consolidado do establishment". Os 28% restantes vieram de outros grupos. Os mais significativos, segundo a professora, são formados por pessoas que se aposentaram do serviço público e ex-funcionários de governo. Essa é outra indicação de que Hillary teve um forte apoio institucional.

Mesmo as pessoas físicas que apoiaram a democrata estão ligadas ao setor governamental. "Quando observamos os eleitores de Hillary, vemos que ela representa o mundo das finanças, das grandes seguradoras e imobiliárias, que estão entre as maiores doadoras para a sua campanha", avalia O'Halloran.

Já Trump financiou boa parte de sua própria campanha e, portanto, arrecadou bem menos. Ele não teve o apoio financeiro do Partido Republicano, onde enfrentou resistências. Os maiores doadores na base da pirâmide de Trump foram aposentados. Já os maiores, no topo, foram empresas do ramo financeiro, seguradoras e companhias de diversos setores da economia - grupos muito parecidos aos que doaram para Hillary, mas em número e volume menores.

O discurso anti-establishment de Trump de que são necessárias soluções além daquelas tradicionalmente buscadas pelos políticos em Washington deverá afetar o Partido Republicano. A maioria dos pré-candidatos que perderam as primárias para ele, como os senadores Marco Rubio (Flórida), Ted Cruz (Texas), o governador de Ohio, John Kasich, e o ex-governador da Flórida Jeb Bush, são políticos de carreira. Neste ponto, Trump superou o establishment da própria legenda, batendo o recorde de participação popular nas prévias republicanas, com 14 milhões de votos.

Por fim, o discurso de que a política tradicional não atende a classe trabalhadora também foi bastante forte no Partido Democrata, onde o senador Bernie Sanders (Vermont) obteve mais de 80% dos votos entre os eleitores jovens da legenda (entre 18 a 29 anos), que não veem muita perspectiva de futuro e acreditam que o país vive injustiças na distribuição de renda e na disponibilidade de oportunidades. Ao todo, Sanders teve 13,2 milhões de votos, enquanto Hillary ficou com 16,9 milhões nas prévias partidárias democratas.

O presidente eleito terá que olhar para essa massa de descontentes que cresceu em ambos os partidos e buscar atendê-los social e economicamente.

_______________________________________________________________________________________________________

Empresas americanas temem perdas com a onda eleitoral populista

Não importa quem tenha vencido as eleições presidenciais dos EUA, os interesses das grandes empresas sairão perdendo.

Por: Nick Timiraos

 

Os dois partidos principais e seus candidatos não concordaram em quase nada durante um ano de intensa briga partidária. Mas Donald Trump e Hillary Clinton se uniram no ataque à influência e às motivações das grandes corporações e na crítica aos méritos do livre comércio.

Esses ataques fomentaram atitudes populistas tanto na direita quanto na esquerda e expuseram um sentimento profundo de insatisfação de uma grande fatia do eleitorado americano.

Daqui para frente, os dois partidos enfrentarão um cenário que tem deixado os interesses corporativos tradicionais para trás. Há quatro anos, os líderes empresariais torceram para que as eleições acabassem com o impasse que paralisou a formulação de políticas em Washington. Agora, muitos desses mesmos executivos veem um governo dividido, que mantenha o impasse, como o cenário mais positivo para seus negócios.

Um teste inicial acontecerá no Congresso imediatamente após a eleição, quando o presidente Barack Obama deve tentar aprovar a Parceria Transpacífico (TPP). Depois disso, os legisladores e grupos políticos externos podem se mostrar mais rigorosos na análise do currículo dos indicados para a equipe de governo, dadas as exigências de que o novo presidente garanta assessores suficientemente independentes dos setores que seus órgãos vão fiscalizar.

Numa ruptura com a posição normal do partido, foi um candidato republicano quem desferiu os ataques mais agressivos às grandes empresas e indústrias. Nos últimos dias de sua campanha, Trump intensificou suas críticas às corporações "globalistas", que ele acusa de promover políticas comerciais que levaram fábricas para o exterior e corroeram os salários dos trabalhadores americanos.

Em propaganda veiculada nacionalmente pela TV no fim de semana, o empresário Trump denunciou uma "estrutura global de poder" que tem "roubado nossa classe trabalhadora e acabado com a riqueza de nosso país, colocando o dinheiro nos bolsos de um punhado de grandes empresas".

Do lado democrata, Hillary prometeu elevar os impostos dos americanos mais ricos e das empresas e defendeu uma série de novas obrigações para as empresas. "Vou onde o dinheiro está, e o dinheiro está com os ricos e com as empresas porque eles se saíram muito bem nos últimos 15 anos", disse Hillary no domingo, em Cleveland. "E eles devem pagar uma contribuição justa para sustentar nosso país."

Hillary prometeu várias vezes bloquear o acordo comercial do Pacífico, patrocinado pelo democrata Obama e por congressistas republicanos. Ela tem sido pressionada pela esquerda a expandir direitos, elevar o salário mínimo para US$ 15 por hora e regular Wall Street mais agressivamente - dando um passo à esquerda de Obama e se afastando da trajetória centrista seguida por seu marido, o ex-presidente Bill Clinton.

Se Hillary Clinton ganhar, "a questão é se ela será o terceiro mandato de Bill Clinton ou o terceiro mandato de Barack Obama", diz John Catsimatidis, empresário bilionário que disputou a prefeitura de Nova York pelo Partido Republicano, em 2013, sem sucesso. Ele diz esperar que Hillary procure espaços para negociar com os republicanos no Congresso.

Qualquer que seja o resultado das eleições, os executivos dizem que estão esperando o fim do processo eleitoral para que as empresas possam ter mais clareza com relação às políticas de governo.

Após uma campanha "turbulenta", "as empresas estão basicamente paradas e esperando para ver o que vai acontecer, antes de tomarem uma decisão sobre grandes compromissos de capital", disse Craig Arnold, diretor-presidente do conglomerado industrial Eaton Corp., em uma conferência de resultados na semana passada.

Analistas dizem que uma melhora da economia, depois da eleição, pode ajudar a reduzir o sentimento contra as empresas. Embora a economia não tenha tido a expansão fabulosa que muitos economistas esperavam, ela ainda teve um desempenho melhor que a de outros grandes países ricos depois da crise financeira de 2008.

O desemprego ficou abaixo de 5% na maior parte dos últimos 12 meses. Os preços baixos do petróleo trouxeram alívio aos consumidores americanos e impulsionaram as vendas de carros. Embora o mercado imobiliário esteja em melhor forma desde o estouro da bolha imobiliária, a alta dos aluguéis e dos preços dos imóveis colocou mais pressão nos inquilinos.

Um crescimento econômico mais forte deve levar o Federal Reserve, o banco central americano, a aumentar os juros em sua próxima reunião de política monetária, em dezembro. "O fato de a economia parecer estar se fortalecendo é significativo. Se a economia continuar a melhorar, a agitação populista pode diminuir", diz Greg Valliere, diretor global de estratégia da gestora Horizon Investments.

A maioria das pesquisas indica que os republicanos manterão o controle da Câmara dos Deputados, o que pode dar à indústria uma proteção contra impostos maiores ou outras leis voltadas para as empresas, como um aumento federal do salário mínimo.

"A Câmara ainda é uma casa muito favorável às empresas", diz Valliere, para quem a onda populista dos últimos 12 meses pode ter sido "muita fumaça e pouco fogo".

Outros executivos dizem que se preocupam com o efeito cumulativo de novas regulamentações, das horas extras ao meio ambiente. Considerando o poder executivo de nomear reguladores e criar leis, "ter um Congresso ajuda, mas não muito", diz Andy Puzder, diretor-presidente da CKE Restaurants e consultor de Trump.

A eleição pode ainda levar a uma briga maior sobre o futuro do Partido Republicano e o papel da grande indústria. A ascensão de Trump reflete a visão de muitos eleitores republicanos de que seus líderes colocam os interesses de seus doadores em primeiro lugar.

"Não há muita diferença entre uma pequena empresa e os trabalhadores. Eles não sentem que têm voz no funcionamento do país", diz Jim Farrell, dono de empresa de equipamentos de construção no Alabama, que apoia Trump.

_______________________________________________________________________________________________________

Fim da disputa eleitoral traz alívio

De Washington
 
 

A maioria dos americanos está aliviada com o fim das eleições, afirmou Allan Rivlin, presidente do Centro de Pesquisas Políticas Zen, uma consultoria de estratégia e pesquisas na cidade de Washington.

Segundo ele, o baixo nível da campanha eleitoral e as acusações mútuas entre os candidatos chegou a envergonhar muitos eleitores americanos.

"Os americanos estão odiando essa eleição. Eles estão tão felizes por estar terminando", avalia.

Um dos pontos que contribuiu para esse sentimento negativo dentre o eleitorado americano foi a atenção dada ao candidato republicano Donald Trump.

"Ele gosta de criticar a velha mídia, mas fez a sua campanha cometendo dois erros graves por semana, de maneira que a velha mídia teve que fazer a cobertura sobre ele", afirmou Rivlin. "E as pessoas, no fim, gostam de saber que alguém falou uma coisa errada ou polêmica sobre outra pessoa."

Rivlin acrescenta que, se eleito, dificilmente Trump conseguiria cometer "loucuras e autoritarismos", como barrar a entrada de pessoas no país por força da nacionalidade delas.

Primeiro, observa o especialista, porque ele seria barrado pelo Congresso. Depois, porque existem no país tribunais para impedirem medidas consideradas inconstitucionais. O especialista acredita ainda que ele enfrentaria muita oposição dentro do próprio Partido Republicano.

"Os tribunais são muito fortes no país e foram desenhados para bloquear eventuais movimentos autoritários", conclui Rivlin.