Valor econômico, v. 17, n. 4126, 07/11/2016. Brasil, p. A4

STF atua como 'aliado' do Planalto e acelera ajuste

Decisões do Judiciário se antecipam a ações do governo

Por: Carolina Oms e Fabio Graner

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) tem se antecipado ao Congresso Nacional e ajudado o governo a realizar o ajuste fiscal e reformas que considera necessárias para a economia. Nas últimas semanas, o STF pautou e julgou, com resultados favoráveis ao governo, temas controversos e com impactos bilionários.

Em outubro, o Supremo desincentivou a greve do funcionalismo público ao julgar que o Estado deve cortar imediatamente o salário dos servidores parados. A Constituição prevê o direito de greve dos servidores, mas indica que ela deve seguir lei específica, nunca editada pelo Congresso. Ao analisar o tema, o STF acabou regulamentando o direito, indicando que, até que o Legislativo defina a regra, será aplicada a lei que trata de greve nas relações trabalhistas privadas.

Com a decisão, o governo tem um alívio em um momento de paralisações de diversas categorias e expectativa de que muitas outras viriam. A medida - embora não seja possível mensurar o impacto fiscal - foi muito bem recebida pelo governo. No ambiente da PEC do gasto, o setor público terá que lidar com maior restrição fiscal e necessidade de escolhas. Com maior capacidade de negociação com servidores, corre menos riscos de dar reajustes altos, que ocupem espaço de outras despesas.

Também no mês passado, mais uma vez antecipando-se ao Congresso, o STF barrou a chamada "desaposentação", que custaria R$ 7,7 bilhões, conforme cálculos da Advocacia-Geral da União (AGU), embora outras estimativas de técnicos apontassem perdas na casa das dezenas de bilhões. Se o Supremo fosse a favor do recálculo de aposentadoria a partir de novas contribuições, afetaria a discussão da reforma da Previdência Social.

"As últimas decisões do STF são muito importantes e contribuem para o esforço de ajuste da economia", disse ao Valor o ministro do Planejamento, Dyogo de Oliveira. Uma fonte do Ministério da Fazenda concorda e destaca que a decisão do Supremo sobre a greve alinha o Brasil ao praticado em países desenvolvidos, como o Canadá, e que a proibição da desaposentação gera grande economia ao país.

O ministro Gilmar Mendes afirmou ao Valor que o Supremo sempre foi cuidadoso com o impacto de suas decisões sobre Estados e União. "Essa é uma realidade, temos que respeitar a reserva do financeiramente possível. O Supremo, em geral, é muito responsável no que diz respeito às finanças públicas. Às vezes erra até por falta de conhecimento, como aconteceu nos precatórios", disse.

Apesar de comemorar os resultados recentes, o governo segue atento a riscos fiscais que estão pendentes de análise no tribunal, como as perdas de poupadores com os planos econômicos - que podem gerar despesas de dezenas de bilhões - e a discussão sobre o fornecimento de medicamentos de alto custo. Temas afeitos aos Estados também estão no radar, como a possibilidade redução da jornada de trabalho dos servidores.

Fontes lembram também que o Supremo neste ano tomou uma decisão preocupante ao conceder a liminar que permitia pagamento de juros simples e não compostos sobre as dívidas dos Estados. O STF, porém, ajustou a decisão e, liminarmente, garantiu um acordo com esses entes e a União e a volta da cobrança dos juros compostos.

Em 2015, o Supremo garantiu que a correção monetária dos precatórios deveria ser feita pelo IPCA e não pela Taxa Referencial. A discussão, segundo a AGU, tem impacto bilionário: R$ 4,7 bilhões no Orçamento deste ano e ainda será retomada para tratar de pontos não esclarecidos. Mendes pediu vista e não há previsão para retomada do julgamento.

O Supremo também começou a discutir a obrigação de Estados e União de fornecerem medicamentos de alto custo que não estão na lista do SUS. Um pedido de vista do ministro Teori Zavascki, no entanto, adiou a conclusão do tema, que pode custar R$ 1,6 bilhão para a União e R$ 7 bilhões para os Estados, segundo cálculos do Ministério da Saúde.

A presidente do STF, Cármen Lúcia, havia pautado essa discussão em setembro. As inúmeras liminares (decisões provisórias) concedidas pela Justiça em todo país haviam sido a principal reclamação de todos os governadores, reunidos com a ministra semanas antes do julgamento.

Preocupada com a crise, Cármen Lúcia tem procurado equilíbrio ao pautar temas de interesse do cidadão e o cuidado com as contas públicas. Interlocutores da ministra relatam que ela tem dialogado com Michel Temer e sua representante, a advogada-geral da União, Grace Mendonça.

O Supremo, no entanto, não tem sido tão responsável com os gastos quando se trata da própria corporação. Desde 2014, por decisão do ministro Luiz Fux, o tribunal determinou o pagamento de auxílio-moradia a todos os juízes federais no valor de R$ 4,4 mil, um custo extra de R$ 350 milhões aos cofres. Também é importante mencionar que o STF pressionou pelo recém-sancionado reajuste de até 41% para o Judiciário.