Valor econômico, v. 17, n. 4126, 07/11/2016. Brasil, p. A5

Acordo de leniência com empreiteiras pode ser revisto

Fatos novos surgiram em investigação interna e delação premiada

Por: Letícia Casado

 

O Ministério Público Federal iniciou conversas com Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez sobre o acordo de leniência das companhias, que, já fechado, sofrerá uma espécie de "recall", apurou o Valor. Esse "recall" pode impactar não apenas o valor da multa das empresas como também atingir novas obras e, consequentemente, novos agentes públicos eventualmente envolvidos em irregularidades.

O "recall" está sendo estudado por conta da mudança no escopo definido inicialmente nos acordos de leniência - espécie de "colaboração premiada" de pessoas jurídicas. Pelos acordos, o MPF comprometeu-se a não abrir ações de improbidade administrativa contra as empresas e tampouco oferecer acusação criminal a parte dos funcionários envolvidos em crimes.

A Andrade Gutierrez - em acordo homologado em maio pelo juiz Sergio Moro, responsável pela Lava-Jato na primeira instância - comprometeu-se a pagar R$ 1 bilhão, em parcelas. O prazo para adesão de funcionários ao acordo de leniência terminaria em dezembro. Mas uma investigação interna conduzida pela equipe de compliance encontrou fatos novos e não abordados no acordo de leniência.

Em outubro, a Andrade Gutierrez procurou o MPF, pediu ampliação de prazo e conseguiu mais 90 dias para os funcionários aderirem à leniência. A área de compliance da empresa existe desde 2013 e foi ampliada depois da Lava-Jato, uma vez que o acordo exige fatos novos para a investigação. Hoje mais de 30 pessoas trabalham na equipe. A Andrade Gutierrez confirma a ampliação de prazo mas não comenta o "recall" da leniência.

O caso da Camargo Corrêa é diferente. Em agosto de 2015 a empresa se comprometeu a pagar R$ 700 milhões em parcelas corrigidas pela Selic a título de ressarcimento por prejuízos causados à sociedade e reconheceu crimes como cartel, fraude à licitação, corrupção e lavagem de dinheiro.

Mas em maio de 2016 o ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, prestou depoimentos em acordo de delação premiada nos quais citou novos fatos envolvendo irregularidades que teriam sido cometidos executivos e conselheiros da Camargo Corrêa: Antonio Miguel, ex-presidente do conselho de administração; Vitor Hallack, então presidente do conselho de administração; e Luiz Nascimento, presidente da Camargo em 1998.

Machado e seu filho Expedito, que também fez delação, disseram que Camargo Corrêa e Queiroz Galvão acertaram propina de R$ 27,5 milhões para que o Estaleiro Atlântico Sul vencesse licitações de contratos com a Transpetro. Nem tudo foi pago, segundo o delator. Sérgio Machado disse que precisava de dinheiro para viabilizar sua candidatura ao governo do Ceará em 2010 e que foi orientado a abrir uma conta na Suíça. Pediu ajuda ao filho, abriram a conta e cabia a Expedito acompanhar a movimentação.

Sérgio Machado citou uma série de fatos envolvendo políticos de PT, PMDB e PSDB, entre outros, com pagamentos feitos pela empreiteira. Disse ter conversado com o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), com o senador Romero Jucá (RR) e com o ex-presidente da República José Sarney, todos do PMDB, sobre os riscos oferecido pela leniência de empreiteiras, em especial de Queiroz Galvão e Camargo Corrêa. Todos negam as acusações feitas por Machado.

A delação de Expedito Machado é, na maior parte, dedicada a fatos envolvendo a Camargo Corrêa. Expedito envolveu outro funcionário da companhia, Pietro Bianchi, que, segundo o delator, seria o encarregado de operacionalizar a transferência das propinas para a conta no exterior.

Expedito disse que, depois de a empresa vencer a licitação do Estaleiro Atlântico Sul, Bianchi operacionalizou pagamentos no valor de R$ 9 milhões entre novembro de 2007 e dezembro de 2008 que teriam como origem contas situadas em Andorra, a maioria pela empresa Desarrollo Lanzarote S.A.

Os investigadores voltaram à Camargo Corrêa para esclarecer os fatos. O prazo de adesão de funcionários ao acordo de leniência já havia terminado e foi então reaberto.

Além de afetar a multa imposta pela leniência, o "recall" na Camargo pode ressuscitar a Operação Castelo de Areia por causa de provas encontradas ao longo das investigações. Em agosto, o Valor informou que novas evidências descobertas pela Lava-Jato poderão ressuscitar Castelo de Areia, anulada pelos tribunais superiores em razão de provas consideradas ilegais.

Procurada, a Camargo Corrêa informou que "firmou acordo de leniência homologado pela Justiça e reitera que permanece à disposição das autoridades".