Valor econômico, v. 17, n. 4124, 03/11/2016. Brasil, p. A3

União pode usar repatriação para quitar R$ 20 bi de restos a pagar

Por: Fabio Graner

 

Com a forte arrecadação do programa de repatriação, o pagamento dos chamados restos a pagar (despesas contratadas pelo governo e realizadas) poderá chegar à marca dos R$ 20 bilhões, segundo informaram fontes do governo ao Valor. Isso reduziria em cerca de um terço o estoque de restos a pagar, da ordem de R$ 63 bilhões.

Mesmo com alto volume dessa despesa, as fontes avaliam que o cenário básico é de cumprimento da meta fiscal do setor público, de R$ 163,9 bilhões. Não está descartada a possibilidade de déficit até um pouco menor do que o previsto, a depender do comportamento de Estados e municípios e do desempenho das receitas e despesas do governo até o fim do ano, embora a estratégia de reduzir os restos a pagar limite o espaço.

A equipe econômica mapeia o volume de despesas inscritas como restos a pagar para definir quanto e quais delas serão pagas até o fim do ano. A ideia é que este trabalho sirva de subsídio para a elaboração do último relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas do ano, previsto para dia 22. Inicialmente, falava-se em quitar entre R$ 8 bilhões e R$ 10 bilhões em restos a pagar, mas o desempenho da arrecadação acima do esperado empurrou a estimativa para cima e agora fala-se em pagamento de R$ 15 bilhões a R$ 20 bilhões.

O objetivo de quitar os restos a pagar se insere na percepção de que é saudável para a gestão fiscal e para o país ter um volume menor de despesas atrasadas. "Restos a pagar processados são despesas devidas e não pagas. Fazer primário não é a melhor prática de um gestor fiscal consciente", disse uma fonte. Outro interlocutor salientou ainda que reduzir os restos a pagar e ter uma despesa mais alinhada com o previsto no Orçamento pode reduzir custos para o setor público, já que os fornecedores tendem a embutir nos preços cobrados do governo a possibilidade de atraso. "Se essa possibilidade cai, a tendência é diminuir o preço", afirmou a fonte.

O governo considera que os Estados deverão usar todo o recurso que receberem da repatriação para regularizar despesas em atraso, dada a situação financeira complicada em que se encontram. Mesmo assim, o cenário, no momento, é que o conjunto deles tenha resultado fiscal positivo da ordem de R$ 2 bilhões no ano. "Os Estados vão gastar tudo, pois estão com muitas despesas em atraso", disse uma fonte.

No caso dos municípios, há uma incerteza maior, pelo fato de os prefeitos atuais estarem em fim de mandato e terem que deixar dinheiro em caixa para que os sucessores honrem as despesas. Nesse caso, de acordo com um técnico do governo, é possível um resultado fiscal até melhor, já que há menor espaço para gastos dos gestores municipais e eles terão a receita extra da repatriação.

Pelas regras do programa, 49% do valor arrecadado com o Imposto de Renda vão para os governos regionais, por meio dos fundos de participação e também pelos fundos constitucionais. Isso representa um montante da ordem de R$ 12,4 bilhões. No total, o programa arrecadou R$ 50,9 bilhões.

Uma preocupação que ronda a área econômica é sobre como o Supremo Tribunal Federal (STF) vai decidir sobre a partilha de recursos da multa, contestada por Estados do Nordeste, Norte e Centro-Oeste. Se o STF decidir a favor dos Estados, o espaço para redução dos restos a pagar ficará mais estreito, bem como para compensar eventuais frustrações adicionais dos resultados dos governos regionais e também nas receitas do governo federal.

Ao quitar um grande volume de restos a pagar, o governo não só reduz uma dívida, mas também eleva a base de despesas para o cumprimento da PEC dos gastos em 2017. O problema, entretanto, é que o aumento da base não garante um espaço maior de despesa, já que há uma meta fiscal para ser cumprida, e isso depende das receitas.

Nesse sentido, a possibilidade de reabrir a repatriação no ano que vem, levantada por parlamentares na quarta-feira, pode ser o caminho para fechar a conta, ampliando a base de gastos e, ao mesmo tempo, cumprindo a meta de déficit primário de R$ 139 bilhões para o governo central.