Joias em nome de "faz-tudo"

CHICO OTAVIO, DANIEL BIASETTO

29/11/2016

Investigação do Ministério Público Federal (MPF) aponta que o casal Pedro Ramos de Miranda, assessor pessoal de Sérgio Cabral, e Aline Jeucken da Silva funcionava como testa de ferro do ex-governador e da ex-primeira-dama Adriana Ancelmo na compra de joias na Antonio Bernardo e na H. Stern. No total, as compras, destinadas a Cabral e Adriana, somaram mais de R$ 7 milhões. Ramos, subtenente do Corpo de Bombeiros, foi nomeado assessor do então governador no início de seu primeiro mandato, quando era sargento. Tornou-se “faz-tudo” de luxo do peemedebista. Hoje, segundo o Corpo de Bombeiros, é subtenente da reserva.

Ramos é o motorista que a Polícia Federal identificou ter comprado cerca de R$ 4 milhões em joias desde 2007, na operação realizada semana passada. Há registros de compras em nome do bombeiro. Segundo a PF, no entanto, as joias foram escolhidas e pagas pelo próprio Cabral.

Ramos, como era tratado pelos investigados em suas trocas de mensagens, trabalhou para Cabral como servidor cedido à Secretaria da Casa Civil do Estado do Rio de Janeiro até 1º de abril de 2014, data próxima à renúncia do governador. Ele voltou ao Corpo de Bombeiros, onde aparece na reserva, mas, segundo as investigações, continua servindo a Cabral.

No conteúdo das mensagens obtidas pela força-tarefa da investigação, há pedidos de agendamento de reuniões, compra de presentes, impressão de documentos e pedidos de saque em dinheiro por meio de cheque ao portador emitido por Cabral. Um bilhete anexado a um e-mail traz uma lista de valores e despesas pessoais de Cabral, como um máquina fragmentadora, destinada à destruição de papéis.

SAQUES DA CONTA DE CABRAL SOMAM R$ 371 MIL

Dados obtidos em quebra do sigilo bancário da conta pessoal de Cabral revelam que Ramos e a secretária Luciana Rodrigues da Silva fizeram saques de R$ 371 mil na conta do ex-governador.

O casal Ramos pagava as joias e também costumava levá-las até Cabral, assim como os operadores Luiz Carlos Bezerra e Carlos Emanuel de Carvalho Miranda. Os investigadores descobriram que Ramos recebeu, entre 2011 e 2016, 1.138 ligações de Bezerra.

A quebra de sigilo dos dados telefônicos de Cabral e Carlinhos demonstrou que Ramos e Luciana eram frequentemente contactados por eles — mais indícios de que os investigados usavam os serviços dos assessores para circularem valores, marcarem reuniões e outros fins.

A investigação também indica que Carlos Emanuel fazia as declarações do Imposto de Renda do bombeiro, de sua mulher e da secretária Luciana — mesmo serviço que prestava à família de Cabral. Ramos foi conduzido à PF para depor coercitivamente quando Cabral foi preso, dia 17.

Procurado pelo GLOBO, ele não quis comentar o envolvimento de seu nome nas investigações da força-tarefa. Disse apenas que falaria por meio de seu advogado “doutor Rafael”, mas, sem dar detalhes, desligou o telefone.

JOALHERIA DIZ QUE COLABORA COM AUTORIDADES

Em 2008, Ramos recebeu do então subsecretário militar, Fernando Messias Paraíso, a medalha da Subsecretaria Militar da Casa Civil, destinada a autoridades e personalidades civis. Com ele, receberam a honraria Cabral, a ex-primeiradama Adriana Ancelmo e o ex-secretário Wilson Carlos (Secretaria de Governo), todos alvos da Operação Calicute.

Em nota, a Antonio Bernardo informou que “desde o início da Operação Calicute está colaborando e atendendo a todas as solicitações das autoridades competentes”.

O GLOBO mostrou ontem que, no sistema de contabilidade paralelo da Antonio Bernardo, Cabral era tratado pelo codinome “João Cabra”, e a exprimeira-dama, por “Lourdinha”. A revelação foi feita por Vera Lúcia Guerra, gerente da loja no Shopping da Gávea, em depoimento ao Ministério Público Federal. Segundo Vera, Cabral comprou R$ 5,1 milhões em joias pelo sistema paralelo, pagando em espécie sem nota fiscal ou comunicação ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras do Ministério da Fazenda (Coaf ).

O juiz Marcelo Brêtas, da 7ª Vara Criminal Federal do Rio, bloqueou ontem os bens imóveis em nome de Adriana Ancelmo e de seu escritório, Ancelmo Advogados. O magistrado atendeu ao pedido do Ministério Público, segundo quem Adriana atuou na lavagem de dinheiro obtido com propinas pagas ao ex-governador.

 

O globo, n. 30430, 29/11/2016. País, p. 3