Odebrecht perto de fechar negociação para delação

Fabio Serapião, Beatriz Bulla e Fausto Macedo

24/11/2016

 

 

Lava Jato. Conclusão das tratativas para início da colaboração premiada e acordo de leniência dependiam apenas de acerto entre as autoridades sobre multa cobrada pelos EUA. 

A negociação da delação premiada e do acordo de leniência da Odebrecht com a Procuradoria- Geral da República no âmbito da Lava Jato está a um passo de ser concluída. Advogados e procuradores envolvidos nas tratativas tentam assinar toda a documentação relativa aos acordos até amanhã, antes de o procurador- geral, Rodrigo Janot, embarcar em viagem internacional.

Ele vai para a China, onde fica até o próximo dia 4.

Até a conclusão desta edição, o último entrave na mesa de negociação era o valor que será pago pela empresa aos Estados Unidos, como multa da leniência negociada entre as autoridades americanas, o Brasil e a Suíça, como anteciparam o Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado e o estadao.com.br. Os americanos pressionam por um valor maior, o que gerou um impasse na reta final das negociações.

A previsão é de que a assinatura da leniência ocorra hoje, feriado nos EUA.

Na tarde de ontem, Janot entrou pessoalmente nas negociações para resolver a questão. O valor da multa a ser paga pela empresa já estava acertado com a Odebrecht, no patamar de aproximadamente R$ 6 bilhões.

Como o dinheiro será repartido entre os três países, a exigência de montante maior pelos americanos gerou um entrave na negociação.

A entrada de Suíça e dos EUA nas negociações ocorreu após a revelação de negócios suspeitos da empreiteira no exterior e o uso das estruturas bancárias dos dois países para movimentar recursos.

A expectativa de advogados e procuradores era de que o empecilho sobre o valor da multa fosse resolvido entre o fim de noite de ontem e hoje. Há dois caminhos possíveis: o aumento da multa a ser paga pela empresa ou um acordo no qual Brasil e Suíça liberam uma parte do valor para equacionar o impasse.

No caso das delações, as tratativas foram encerradas e restam apenas as formalidades de assinatura do acordo. A expectativa é que comecem a ser assinados hoje, com atraso de um dia na previsão inicial. Segundo apurou o Estado, são mais de 70 executivos delatores ao todo. Com a delação, cada um dos funcionários da empresa obteve acordo por uma pena mais amena.

A delação considerada chave no acordo, e uma das que passou por dura negociação, é de Marcelo Odebrecht, herdeiro e ex-presidente do grupo. Investigadores consideram que foi ele quem institucionalizou um setor dentro da empresa para realizar pagamentos de propina. Por causa disso, Marcelo deverá ficar até o fim de 2017 na prisão e cumprir o restante de uma pena de dez anos em regime domiciliar.

Apesar de a fase de negociação estar praticamente concluída, o material ainda não será enviado ao ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal. Antes de encaminhar as delações para homologação, os procuradores precisam concluir a validação de depoimentos, o que pode se estender até as vésperas do recesso do Judiciário, que terá início em 20 de dezembro.

Ontem, a Odebrecht, por meio de nota, informou que “não se manifesta sobre eventual negociação com a Justiça”.

O processo de homologação pode levar tempo, já que Teori costuma designar um juiz auxiliar para ouvir cada um dos delatores sobre a espontaneidade do acordo assinado. Em um calendário otimista, procuradores estimam que os primeiros desdobramentos concretos da delação – como operações e abertura de inquéritos – ocorram ao longo do primeiro semestre de 2017. A expectativa é de que após a assinatura das delações e da leniência a Odebrecht divulgue um comunicado à sociedade sobre a situação do grupo.

Políticos. Investigadores com acesso à negociação afirmam que as delações dos executivos, bem como o acordo de leniência, não devem atingir de maneira uniforme as principais lideranças políticas brasileiras. Embora os principais partidos sejam alvo das delações – PMDB, PT e PSDB –, alguns políticos serão atingidos de “forma fatal” e outros terão suas imagens apenas “arranhadas” pelas revelações.

A diferença se dará pelo fato dos valores recebidos da empresa estarem ou não atrelados a desvios praticados em obras e licitações públicas.

A análise feita por alguns investigadores é que o acordo vai criar o “padrão Odebrecht” tanto para as penas e multas quanto para o conteúdo a ser entregue em negociações futuras. A partir de agora, diz um procurador, a empresa ou executivo interessado em delatar terá que oferecer algo além do que a Odebrecht já entregou.

Nesse cenário, prevê o investigador, a tendência é que a delação influencie acordos negociados por Queiroz Galvão, OAS, Mendes Júnior e Galvão Engenharia.

PERGUNTAS & RESPOSTAS

Tensão deve continuar

1. O que significa a assinatura do acordo de delação premiada?

Com a assinatura, o Ministério Público Federal e a empresa chegaram a um acordo sobre o que será delatado, as penas a serem aplicadas para os executivos e o valor da multa a ser paga pela empresa e delatores. O próximo passo é o Supremo Tribunal Federal (STF), no caso o ministro Teori Zavascki, relator do caso, também concordar com o acordo e homologar a delação.

2. O que se sabe até agora sobre o conteúdo que deve ser delatado?

Até o momento, sabe-se que a delação e o acordo de leniência devem atingir os principais partidos políticos do Brasil e abarcar desvios praticados nas esferas municipais, estaduais e federal. Além da Petrobrás, as informações devem incluir setores como o elétrico, de aeroportos, rodovias e obras da Copa do Mundo de 2014.

3. Qual deve ser o impacto deste acordo no mundo político?

Investigadores acreditam que a delação da Odebrecht será o começo de uma nova etapa da Operação Lava Jato com potencial para duplicar o que foi feito até o momento. Além disso, o acordo resultará em um “padrão Odebrecht” para as novas negociações, ou seja, multas, penas e nomes a serem citados deverão ir além do que já foi entregue pela empreiteira baiana. Nesse cenário, a tensão no mundo político deverá se manter ao longo de 2017.

A DELAÇÃO

Encerrada a fase de tratativas, os advogados de executivos da Odebrecht devem começar a formalizar o acordo de delação premiada com a Procuradoria-Geral da República. A expectativa é de que toda documentação seja assinada até amanhã.

Os números

R$ 6 bi é o valor da multa que estava sendo negociada para a Odebrecht pagar no acordo de leniência da empresa com a PGR

R$ 35,5 bi é o valor total dos contratos firmados pela Odebrecht com a Petrobrás que estão sob investigação da força-tarefa da Operação Lava Jato

O que é o acordo

A contrato de delação premiada é um acordo firmado pelos investigadores com os investigados, que se comprometem a colaborar com as operações com informações relevantes e, em troca, têm parte de suas penas reduzidas nos casos em que são condenados.

Os próximos passos

Depoimentos

Ministério Público faz a validação dos depoimentos dos delatores, confirmando com cada executivo tudo o que foi entregue até agora durante as negociações. A expectativa da PGR é finalizar essa etapa antes do recesso do judiciário, que começa dia 20 de dezembro.

Homologação

Com os depoimentos, a PGR envia ao Supremo Tribunal Federal (STF) todos os acordos, que precisam ser homologados pelo ministro Teori Zavascki. Antes de homologar a delação, um juiz auxiliar designado por Teori ouve cada um dos delatores para confirmar se o acordo foi fechado de forma espontânea. O ministro pode pedir à PGR retificação de alguma das cláusulas.

Operações e investigações

Após a homologação dos acordos, a PGR pode pedir investigações ou deflagrar operações com base no que foi dito pelos delatores. 

Herdeiro. Delação de Marcelo Odebrecht é considerada chave no acordo.

 

O Estado de São Paulo, n. 44963, 24/11/2016. Política, p.A4