Saída de Calero abre nova crise no governo Temer

 

Tânia Monteiro
Igor Gadelha
Lu Aiko Otta

 

A saída do ministro da Cultura Marcelo Calero abriu nova crise no governo de Michel Temer. Um dos auxiliares mais próximos do presidente, o ministro-chefe da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, se tornou o pivô de questionamentos éticos que colocam o Palácio do Planalto “nas cordas”, segundo interlocutores de Temer.

Calero pediu demissão do cargo anteontem. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, ele acusou Geddel de pressionar pela liberação da construção de um edifício residencial no centro histórico de Salvador, contrariando decisão do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Ontem o ministro admitiu ao Estado que, de fato, é dono de uma unidade no 23º andar – avaliada em ao menos R$ 3,3 milhões segundo apurou a reportagem com corretores responsáveis pelo empreendimento.

O ministro negou ter usado sua influência para tentar viabilizar a construção.

Essa foi a linha da conversa telefônica que Geddel teve na manhã de ontem com o presidente, que estava em São Paulo.

A tendência é que Temer não adote nenhuma outra medida durante o fim de semana.

Embora nos bastidores do Planalto fala-se em “guerra de versões”, a avaliação é que a denúncia de Calero é “grave”. Ele reiterou as acusações ontem, em evento no Rio, e disse tratar- se “claramente de um caso de corrupção” (mais informações na pág. A6).

As afirmações do ex-ministro causaram desconforto por colocar um ministro importante no centro de uma discussão ética. Foi um fecho ruim para uma semana em que o governo lutou para evitar respingos da prisão do ex-governador do Rio Sérgio Cabral, um dos principais integrantes do partido do presidente, o PMDB.

 

Comissão de Ética. Dada a gravidade dos fatos, a Comissão de Ética Pública do Palácio do Planalto vai entrar no caso. “Li com atenção o que foi publicado e, como presidente da Comissão, decidi que vou submeter o assunto ao colegiado, na segunda-feira, que vai decidir se abrirá procedimento de investigação (contra o ministro) ou não e quais providências a serem tomadas”, declarou o presidente da comissão, Mauro Menezes.

“Não vou fazer qualificativo e nem dar declaração porque estaria me antecipando.” A oposição quer fazer uma acareação. “Vamos chamar os dois na Câmara. Calero, para deixar mais explícito os motivos que levaram a seu pedido de demissão. E Geddel, para que explique a acusação. Eles vão ter de dar explicações ao Poder Legislativo”, afirmou a líder da minoria na Casa, deputada Jandira Feghali (PcdoB-RJ). Segundo ela, a convocação deve ser pedida nas comissões de Cultura ou de Fiscalização, ambas presididas por deputados do PT. A oposição pretende pedir o afastamento de Geddel.

 

‘Técnico’. Escolhido para suceder Calero na Cultura, o deputado federal Roberto Freire (PPS-SP) afirmou que vai respeitar a decisão técnica do Iphan. “Vou tomar conhecimento do fato ainda. Mas antes de tomar conhecimento, o princípio que me norteia é o técnico. Se existe um órgão técnico, é para ser respeitado na suas decisões.” O ex-ministro da Cultura foi o quinto a deixar o governo desde que Temer assumiu o Planato, em maio. Antes dele saíram Romero Jucá, do Planejamento; Fabiano Silveira, da Transparência; Henrique Alves, do Turismo e Fábio Osório, da Advocacia- Geral da União. Todos por fatos relacionados à Operação Lava Jato.

Calero, que é diplomata de carreira, já informou ao Ministério das Relações Exteriores que vai reapresentar-se

 

__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

‘Incompatível com valores culturais’

 
20/11/2016
Ricardo Galhardo
Valmar Hupsel Filho

 

Dois dias antes de o agora ex-ministro da Cultura Marcelo Calero pedir demissão, a presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Kátia Bogéa, determinou o embargo das obras do condomínio La Vue, na Ladeira da Barra, em Salvador.

O despacho de Kátia Bógea leva em conta parecer técnico da Câmara de Análise de Recursos do Iphan, que, segundo ela, é “contundente” ao afirmar que é “grande e prejudicial o possível impacto da construção do empreendimento sobre bens tombados em seu entorno”.

Ainda conforme o despacho da presidente do Iphan, o parecer técnico afirma “de modo incontestável”, que a construção do La Vue é “incompatível com os valores culturais atribuídos a estes bens”.

Entre os imóveis tombados no entorno do edifício estão a igreja de Santo Antonio da Barra, o outeiro de Santo Antonio e o forte Santa Maria.

O terreno onde se localiza a obra do Le Vue fica a poucos metros da praia e do farol da Barra, um dos mais conhecidos cartões postais de Salvador. Segundo o site do empreendimento, se trata de uma torre com 24 apartamentos de 259 metros quadrados cada, um por andar, com cobertura “top house” 450 metros quadrados, “piscina com raia e deck molhado, espaço gourmet, fitness, sauna massagem, sala de jogos, brinquedoteca, quadra, parque infantil”.

O Iphan quer impor um limite de 13 andares para a obra.

O despacho de Kátia Bogéa revoga decisão anterior do Iphan da Bahia que liberava a obra em sua totalidade.

O presidente da associação de moradores e amigos do bairro da Barra, Watson Raylan, imagina a realização do que prevê a maquete do empreendimento. “Quem quer ver prédio vai a Nova York. Quem vem a esta região quer ver é o Porto da Barra”, afirmou.

O assunto La Vue foi assunto de reunião da associação, que se posiciona contra a construção do prédio com gabarito acima do limite imposto pelo Iphan. “Além de alterar a paisagem tombada, o prédio significa outros impactos, como no trânsito local”, disse Raylan.

 

O Estado de São Paulo, n. 44959, 20/11/2016. Política, p. A4