Aperto de cinto - Crivella anuncia o fim do ciclo das grandes obras
Ruben Berta
01/11/2016
RIO — Seguindo o lema característico de sua campanha (“a hora de cuidar das pessoas”), o prefeito eleito do Rio, Marcelo Crivella, anunciou nesta segunda-feira, um dia após a vitória nas urnas, o fim do “ciclo das grandes obras” na cidade, e adotou um discurso voltado para a austeridade. Disse que irá focar principalmente na área da Saúde e na Zona Oeste, e prometeu um corte do número de secretarias para menos da metade. Terá o desafio de fazer as contas para acomodar a ampla gama de aliados políticos que conquistou no segundo turno.
— Eles (os aliados políticos) vão participar das políticas públicas que vamos implementar. Se isso vai acontecer com cargos ou não, eu diria que nem é tão relevante. O importante é que vamos decidir juntos todas as políticas públicas que vamos implementar nas áreas de Transporte, Saúde, Segurança... — disse o prefeito eleito, sem querer adiantar nenhum nome de secretaria que será extinta: — Terei reuniões a partir desta semana com os partidos aliados para que possamos definir. Não quero parecer arrogante.
Para cumprir a meta de austeridade e agregar os aliados, Crivella terá um cálculo complicado para fazer. Atualmente, há 24 secretarias. Com o corte, restariam 12. Dentro dessas, se mantiver as promessas feitas ontem, por volta de seis seriam voltadas para técnicos, de preferência servidores do município. Ou seja, sobrariam só seis para distribuir entre sua base de apoio.
CORTE NO URBANISMO?
Na semana que vem, começa a transição com o atual prefeito, Eduardo Paes. Ontem, Crivella afirmou que os prometidos R$ 250 milhões por ano a mais para a Saúde sairão “em grande parte” da pasta de Urbanismo. A negociação para que isso aconteça já estaria sendo feita na Câmara de Vereadores.
Porém, talvez a conta não feche. Um levantamento feito pelo gabinete da vereadora Teresa Bergher, a pedido do GLOBO, mostra que o orçamento previsto para o Urbanismo é de apenas R$ 190,3 milhões. Destes, R$ 75,7 milhões são ligados ao gabinete do secretário, principalmente para custeio. Os R$ 114,6 milhões restantes são do Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano (FMDU).
Além do questionamento sobre a possibilidade de uso desses recursos, eles estão voltados para a construção de escolas e creches. Ou seja, para contemplar a Saúde dessa forma, será preciso desfalcar a Educação.
DA PAVUNA A CAMPO GRANDE
Ontem, o dia foi cheio para Crivella. Começou na Pavuna, pela manhã. Depois, foi ao calçadão de Santa Cruz, na hora do almoço. No fim da tarde, voltou novamente à Zona Oeste, desta vez ao calçadão de Campo Grande. Além de projetar cortes no governo, o prefeito eleito repetiu partes do discurso da vitória, no domingo, em que afirmou que as urnas deram recado sobre temas como drogas e aborto:
— Acho que o recado das urnas foi bem claro. O Rio de Janeiro é contra a descriminalização das drogas, a legalização do aborto e a discussão da ideologia de gêneros nas escolas. É muito precoce para as crianças. O povo também deu um recado claro: passou esse ciclo das grandes obras. Museus, Cidade das Artes, ciclovia e tantas remoções, Olimpíadas e Panamericanos. Isso já passou. O povo quer recursos destinados à qualidade dos serviços públicos, da Saúde e da Educação. É isso que o povo está cobrando do prefeito, e é isso que a gente vai fazer.
Crivella comentou sobre a conversa que teve com Eduardo Paes sobre a transição de governo:
— Foi uma conversa muito amistosa. Ele (Paes) disse que estava com ciúme de mim, porque queria continuar a ser prefeito, porque adora ser prefeito do Rio. E eu concordo com ele. Ele disse também que vai para os Estados Unidos.
O prefeito eleito, no entanto, fez críticas à atual gestão, que na sua avaliação “tirou dinheiro da Saúde e Educação”, ao responder sobre como será a atuação da Guarda Municipal no seu governo, que poderá contar com armas não letais:
— A prefeitura do Eduardo (Paes) fez um bom governo, mas falhou nesse ponto. Precisava de dinheiro para investir em obras, então tirou dinheiro da Saúde e da Educação. E colocou a Guarda Municipal na rua para arrecadar multas. Agora, a Guarda vai voltar às ruas para patrulhar, talvez com armas não letais, como de choque ou spray (de pimenta).
Crivella também revelou uma curiosidade da campanha: disse que em momentos difíceis do 2º turno recebeu, muitas vezes de madrugada, mensagens de apoio do arcebispo do Rio, Dom Orani Tempesta.
— Dom Orani, puxa vida... De madrugada... Nos momentos mais impactantes... Quando havia aqueles abalos císmicos, quem mandava mensagem? Dom Orani, os padres...
O globo, n. 30402, 01/11/2016. País, p. 04.