Hora de cuidar de hospitais

Evandro Éboli, Gabriela Valente e Danilo Fariello

02/11/2016

 

 

O prefeito eleito do Rio, Marcelo Crivella (PRB), quer municipalizar os nove hospitais federais da capital e o Porto da cidade. Ontem, em jantar com o presidente Michel Temer, oferecido ao primeiro-ministro de Portugal, António Costa, pediu que fosse repassado à prefeitura o controle de todos esses equipamentos.

— Já conversei com o ministro dos Transportes, conversei com Temer agora e ele disse que vai estudar. Já há precedentes, e eu mostrei o interesse do Rio — afirmou, após o jantar.

Antes mesmo do encontro com Temer, Crivella já se mostrava otimista e avaliava que não haveria “problema” na negociação, lembrando que o governo federal já fez delegações de portos para outras prefeituras. No caso da saúde, o prefeito ressaltou que seria importante o aumento dos repasses da União:

— Não tenho medo de ser um gestor pleno do SUS (Sistema Único de Saúde) se nós pudermos contar com os repasses e reajustes dos repasses para que não estrangule o Tesouro municipal. Seria bom para ambas as partes.

Os hospitais federais no Rio são o Cardoso Fontes, em Jacarepaguá; o dos Servidores do Estado, no Santo Cristo; O Instituto Nacional de Cardiologia, em Laranjeiras; o Instituto Nacional do Câncer, no Centro; o Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia, em São Cristóvão; e os hospitais do Andaraí, Bonsucesso, Ipanema e Lagoa.

Já sobre a municipalização do Porto, que está sob administração da Companhia Docas do Rio de Janeiro, ligada ao Ministério dos Transportes, a avaliação do prefeito eleito é que a unidade irá injetar R$ 100 milhões por ano no caixa da prefeitura.

— É importante para nós. As receitas vão para o Rio. No mínimo, será (a receita) de R$ 100 milhões por ano. Se você contar quatro anos de governo, a perspectiva sempre é de uma receita que aumenta. E isso são só receitas de aluguéis. Mas existe receita de ISS (Imposto Sobre Serviços) que também não é pequena. É expressiva — disse Crivella.

A delegação de portos federais para municípios e estados é possível e tem precedentes, mas Crivella deve enfrentar resistências no governo federal.

Do ponto de vista financeiro, a transferência faz pouco sentido, disse uma fonte do governo federal, porque o porto do Rio é deficitário e conta com um dos maiores passivos trabalhistas do país. O que Crivella certamente ganharia com a mudança é o poder de indicar funcionários para o porto, que hoje são ligados principalmente ao PMDB.

O governo se surpreendeu ontem com as declarações de Crivella antes de encontrar o presidente Temer, apontando que não havia nenhuma discussão sobre o tema em curso.

Técnicos do governo discutem meios para transferir os portos à iniciativa privada e consideram que seria um sinal dissonante ao mercado transferir a gestão do Porto do Rio para a cidade.

— Seria trocar seis por meiadúzia — disse uma fonte.

No caso do Rio, há outro agravante para a delegação do Porto. Segundo técnicos do governo, a cidade deveria receber também a gestão dos portos de Niterói e Itaguaí, que ficam em outros municípios.

— Daria uma confusão tremenda, mas pode acontecer — ressaltou a fonte.

Mesmo se a prefeitura do Rio assumir esses portos, as futuras concessões de áreas — como a do terminal de trigo, que deve ocorrer em breve — e os contratos de arrendamento já em curso continuariam a responder para a União, em termos de metas e compromissos.

Crivella lamentou a possível perda de R$ 3 bilhões do orçamento do município, que está sendo votado na Câmara, mas disse que na crise as pessoas se fortalecem.

— No Rio, está sendo votado agora orçamento R$ 3 bilhões menor que o do ano passado. Sei que o Rio se engrandece nas crises, quando as pessoas acabam se fortalecendo. Tenho certeza que vamos fazer voltar a qualidade do serviço público, que foi a tese vitoriosa.

Crivella viaja hoje para Israel e disse que se encontrará com o primeiro-ministro e com o prefeito de Jerusalém para conversar sobre segurança. Segundo ele, a viagem também é espiritual, em agradecimento pela eleição:

— Acho que a gente pode fazer muita coisa junto. Israel tem uma grande expertise em segurança, provada no mundo inteiro. E o Rio de Janeiro precisa melhorar a sua segurança, pelo menos as ações preventivas e de inteligência. Então, pretendo juntar o útil ao agradável.

 

 

O globo, n. 30403, 02/11/2016. País, p. 03.