O Estado de São Paulo, n. 44951, 12/11/2016. Política, p. A4

Lava Jato leva Suíça a abrir ação penal contra bancos

Ministério Público suíço revelou decisão ontem para forçar instituições a denunciar movimentações suspeitas; desvios na Petrobrás colocam órgão em alerta

Por: Jamil Chade

 

As investigações da Operação Lava Jato levaram a Suíça a colocar seus bancos no alvo de processos criminais por corrupção e lavagem de dinheiro. A descoberta de mais de mil contas com movimentações suspeitas de dinheiro de origem brasileira quebrou um tabu entre as autoridades do país europeu: a abertura de ações penais contra instituições financeiras.

O Ministério Público da Suíça, em uma medida que provoca debate entre advogados, banqueiros e operadores de fortunas no país, revelou a decisão ontem. A medida foi adotada diante das denúncias sobre envolvimento de operadores, políticos e executivos brasileiros com instituições financeiras.

Com o anúncio, a expectativa entre procuradores é de que bancos suíços optem por denunciar clientes que tenham movimentações financeiras suspeitas ou pelo menos se recusem a abrir contas sem comprovação da origem lícita dos recursos depositados.

As autoridades suíças ficaram surpresas com o fato de, nos dias seguintes à prisão de Marcelo Odebrecht, em junho do ano passado, cerca de 80 denúncias terem sido apresentadas pelos bancos locais sobre suspeitas de movimentações da empreiteira brasileira.

No momento, a Odebrecht negocia uma delação com a Lava Jato para revelar como participou do esquema de formação de cartel e corrupção na Petrobrás e trata de um acordo de leniência, com pagamento de multa que pode chegar a R$ 6 bilhões a ser dividida entre Brasil, Estados Unidos e Suíça.

A agência reguladora do sistema financeiro da Suíça agora que saber por que essas denúncias só foram feitas após a prisão do empresário.

“Os dirigentes (de bancos) devem dizer a si mesmos: seria melhor denunciar do que colocar os problemas para baixo do tapete”, disse Michael Lauber, procurador-geral da Suíça, em entrevista ao jornal Le Temps.

No total, cerca de US$ 800 milhões em 42 bancos suíços foram congelados por Berna, o que reabriu um velho debate sobre o papel do país em administrar dinheiro sujo do mundo. O caso brasileiro ainda coincide com uma investigação sobre corrupção envolvendo o fundo soberano da Malásia, que, a exemplo do caso de executivos da Petrobrás e da Odebrecht, usou bancos suíços para esconder fortunas.

Berna oficialmente não faz uma ligação direta entre o caso brasileiro e sua nova estratégia, mas admite que, nos últimos meses, os incidentes envolvendo bancos suíços sofreram um aumento importante. Desde o início das investigações sobre corrupção na Petrobrás, em 2014, a agência reguladora do sistema financeiro suíço iniciou exames sobre 25 bancos citados no caso da estatal.

No banco Julius Bär, por exemplo, foram encontrados recursos do deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), preso em Curitiba. Entre as instituições que colaboram estão também Pictet, Cramer, HSBC, UBS, Credit Suisse, PKB, entre outras. Pelo Lombard Odier foi movimentado dinheiro de exdiretores da Petrobrás.

Ação. A estratégia do MP suíço é recorrer à eficácia de um artigo do Código Penal promulgado em 2003, mas que até hoje só foi usado pela Justiça do país quatro vezes.

A lei suíça estabelecia que apenas funcionários de bancos poderiam responder criminalmente por corrupção e lavagem de dinheiro – jamais a instituição. Um dos casos de condenação de bancos com base no artigo envolveu a francesa Alstom em razão de pagamento de propina em diversos países do mundo por meio de contas na Suíça.

Com base nesse artigo, o MP anunciou uma ofensiva sobre os bancos, que poderão ser processados e eventualmente condenados. Segundo Lauber, o MP suíço quer impedir que gerentes e diretores de instituições financeiras lancem a responsabilidade de atividades ilegais sobre funcionários.

Proteção. De acordo com a lei, o banco envolvido em um esquema de lavagem de dinheiro pagaria uma multa de US$ 5 milhões, um valor considerado “irrisório” para advogados envolvidos na defesa de brasileiros em Genebra. Ainda assim, o MP suíço insiste que a meta é proteger a praça financeira suíça, duramente afetada pelo escândalo de corrupção na Petrobrás.

 

PARA ENTENDER

Uso de lei é tabu na Justiça local

O artigo 102 do Código Penal suíço estabelecia, até 2003, que apenas pessoas físicas poderiam ser alvo de processos criminais por lavagem de dinheiro ou corrupção. Uma reforma do Código, porém, modificou a lei para permitir que pessoas jurídicas – empresas e sociedades – também fossem responsabilizadas criminalmente por esses atos ilícitos. Apesar da alteração, a lei ficou praticamente sem uso durante anos, uma vez que incriminar bancos no país é um tabu. Agora, no entanto, o Ministério Público anuncia que vai reativá-la. Pela lei, uma empresa condenada paga US$ 5 milhões em multa.

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Janot diz não haver ‘privilégios partidários’ em investigações

Por: Beatriz Bulla


 

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, refutou ontem haver conotação política nos trabalhos da força-tarefa da Operação Lava Jato ao ser questionado sobre a atuação do Ministério Público Federal (MPF). “Os números não revelam isso. Não revelam que estejamos privilegiando nenhum grupo partidário. Todos aqueles são igualmente investigados, de A a Z, e o enfrentamento desse modo de fazer política não criminaliza a política. Estamos enfrentando um modo de atuar criminalmente”, afirmou.

Questionado sobre a acusação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que a Polícia, Justiça e MP atuam num “pacto diabólico”, Janot defendeu a liberdade de manifestação e respondeu “o que posso dizer é que não sou religioso”.

Ele rebateu críticas de que a investigação possa ser prejudicial à economia e afirmou que o modelo descoberto pela Lava Jato não é o modelo que se quer “resguardar”, porque é baseado em práticas de cartel e suborno.

Janot destacou, no entanto, que a operação não vai acabar com a corrupção no País. “Ninguém tem a ilusão de que essa investigação vá acabar com a corrupção no País. O que a gente tem é de controlar a corrupção endêmica. Não tem herói, santo, que num passe de mágica vai dizer que o Brasil virou um paraíso. A corrupção episódica existe no mundo inteiro e vai continuar existindo. A vara está envergada e eu espero que seja sim a Lava Jato que vá quebrar essa vara no sentido de quebrar a corrupção endêmica e sistemática”, disse o procurador.

Para ele, a Lava Jato não teria “chegado onde chegou” sem a cooperação internacional. O trabalho investigativo em conjunto com outros países possibilitou, por exemplo, a denúncia das contas na Suíça do deputado cassado Eduardo Cunha.

Carteirada. Vista como parte do pacote de projetos articulados por políticos com capacidade para confrontar as investigações, a lei do abuso de autoridade, por exemplo, foi classificada por Janot como “muito ruim”. Ele afirmou que a proposta não pode deixar os “tipos de abuso” em aberto. “Hoje o ato mais visível do abuso de autoridade é a famosa carteirada. E essa lei não se refere a isso”, provocou. Ele também defendeu a redução da quantidade de autoridades com foro privilegiado no País, que chegam ao total de 22 mil atualmente.