O Estado de São Paulo, n. 44958, 19/11/2016. Política, p. A10

Em presídio, Cabral chora e divide cela

Ex-governador está preso em espaço de 16 m2 sem água quente com outros cinco investigados

Por: Clarissa Thomé - Mariana Sallowicz

 

Dono de uma cozinha equipada ao custo de R$ 43 mil, conforme registros da Operação Calicute, e acostumado a frequentar restaurantes requintados, o ex-governador Sérgio Cabral (PMDB) teve à sua disposição, ontem, café com leite e pão com manteiga no café da manhã, além de um prato de arroz com feijão e picadinho no almoço.

As refeições são o padrão da Cadeia Pública Pedrolino Werling de Oliveira, que integra o Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu, zona oeste do Rio, para onde Cabral foi levado na noite de anteontem.

Ao ser preso pela PF, na manhã do mesmo dia, Cabral chorou. Chegou abatido ao presídio, mas resignado. Inicialmente, foi conduzido para outra unidade dentro do complexo penitenciário, a Cadeia Pública José Frederico Marques, inaugurada por ele mesmo em março de 2011. Lá, teve os cabelos cortados, recebeu camiseta verde, calça azul e chinelos, uniforme dos detentos em Bangu.

Mas é na Pedrolino Werling, conhecida como Bangu 8, que Cabral passou a noite. A unidade, inaugurada em 2006 na gestão de Rosinha Garotinho, é chamada de Cadeia VIP por causa dos seus últimos inquilinos.

Passaram por ali banqueiros como Salvatore Cacciola e André Esteves, Carlinhos Cachoeira, os milicianos Jerônimo Guimarães, o Jerominho (ex-vereador) e Natalino Guimarães (ex-deputado), e Nelson Nahin, irmão do ex-governador Anthony Garotinho – condenado em esquema de exploração sexual de menores e liberado em outubro, por habeas corpus. Os presos costumam receber alimentação de fora do presídio. Já houve denúncias de que estariam recebendo de lagosta a bacalhau.

A unidade tem 154 vagas, e 130 estão ocupadas. As celas estão divididas das galerias de A a G. Nas galerias A e B ficam os presos por não pagarem a pensão alimentícia. De C a G ficam os detentos com nível superior. Cabral está numa cela de 16 metros quadrados, com três beliches de alvenaria, com colchonetes, na Galeria F. A cela tem ainda o “boi”, sanitário no chão, e chuveiro sem água quente.

Segundo informações de agentes penitenciários, a Galeria F, usada anteriormente para triagem dos detentos que chegam à noite, foi separada para os presos da Calicute e recebeu uma rápida arrumação, na tarde de quinta-feira. A Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (SEAP) negou.

Companhias. O ex-governador tem a companhia de seu ex-secretário de Obras, Hudson Braga, apontado como operador financeiro do esquema de propinas, de Paulo Fernando Magalhães Pinto, amigo próximo e suspeito de atuar como “laranja”, de Carlos Emanuel Miranda, ex-assessor e sócio de Cabral na empresa SCF Comunicação. Casado com uma prima de Cabral, é apontado como “ coletor do dinheiro”, de acordo com investigadores.

Estão na mesma cela ainda José Orlando Rabelo, ex-assessor de Hudson Braga, e Luiz Paulo Reis, apontado como operador financeiro do esquema.

Os presos têm direito a tomar banho de sol, têm acesso a um pátio de visitantes com cobertura para proteger da chuva, setor de psicologia, ambulatório médico e odontológico, além de salas para defensoria pública.

Ontem, os presos não receberam visitas, informou a SEAP. As famílias vão ter de se cadastrar para receber a carteirinha que dá acesso à unidade. Esse documento leva de 30 a 40 dias para ficar pronto.

Com a internação de Anthony Garotinho (PR) no fim da noite de anteontem em um hospital penal no Complexo de Gericinó, o Rio de Janeiro teve, por algumas horas, dois ex-governadores presos no sistema penitenciário de Bangu. Ontem à noite, uma decisão do TSE determinou que ele fique em um hospital público ou privado fora do sistema penitenciário (mais informações nesta página).

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Defesa vai pedir habeas corpus

Por: MARIANA SALLOWICZ

 

De acordo com o advogado Raphael Mattos, um dos defensores do ex-governador Sérgio Cabral, a defesa do peemedebista entrará com pedido de habeas corpus na próxima semana, “provavelmente no início dela”. Ele representa Cabral ao lado de Ary Bergher e Aristides Junqueira. “São dois pedidos de prisão, não é um caso simples”, afirmou Mattos. O ex-governador foi alvo de dois mandados de prisão simultâneos, expedidos pelos juízes Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio, e Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba. / MARIANA SALLOWICZ

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'É horrível', afirma Cacciola sobre tempo preso em Bangu

Ex-banqueiro fala sobre período que pasosu em complexo penitenciário

Por: Mariana Durão

 

Pioneiro entre presos de colarinho branco em Bangu 8, o ex-banqueiro Salvatore Cacciola diz preferir esquecer o tempo em que esteve no novo endereço dos ex-governadores do Rio, Sérgio Cabral (PMDB) e Anthony Garotinho (PR).

Há pouco mais de cinco anos, o empresário atravessou os portões do Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu, zona oeste do Rio, vestindo calça jeans e camiseta branca, após cumprir em regime fechado três anos e onze meses de sua pena.

“É horrível. Não desejo isso para ninguém. Não quero falar de Bangu. Deletei da minha vida, por isso estou aqui”, disse ao Broadcast Político, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado. O trauma é tamanho que ele preferiu não descrever as condições em que viveu no presídio, uma realidade ainda mais chocante para quem frequentava as altas rodas sociais.

Na época da prisão, sua filha Rafaella Cacciola relatou ao Estado que o pai estava em um galpão com beliches, dividindo a cela com outros 32 presos. Todos dividiam o mesmo banheiro e uma única TV. A rotina dele era tomar banho de sol pela manhã e ler à tarde. Segundo a reportagem, Bangu 8 não tinha banho quente.

No tempo de Cacciola, Bangu 8 era a prisão mais VIP do Rio. O dono do extinto Banco Marka tinha como companheiros deputados, milicianos, bicheiros e o ex-chefe da Polícia Civil. Conta- se que o ex-banqueiro pedia jantares em restaurantes caros, com iguarias como lagosta e frutos do mar. Um cardápio bem diferente do arroz com feijão do presídio. Uma sindicância chegou a ser aberta sobre o caso.

‘Bando de corruptos’. Cacciola foi para a cadeia antes da prisão de políticos e executivos virar notícia corriqueira no Brasil. Questionado sobre o momento do País e prisões como a de Cabral, se revelou indignado. “São um bando de corruptos que merecem ser presos. Tenho o mesmo ódio do povo brasileiro em relação a esses políticos”, afirmou.

Mesmo após ter a pena extinta ele se sente injustiçado. “Minha prisão não tem nada a ver com a desses caras, que são um bando de ladrões. Fui o único banqueiro preso no País. Os outros réus (do caso Marka) estão livres”. Em setembro a Justiça declarou prescritos os crimes de outros condenados pelo escândalo, enquanto Cacciola foi condenado a 13 anos, por desvio de dinheiro público e gestão fraudulenta. O caso estourou em 1999 quando a superdesvalorização do real faliu o Marka e o Fonte- Cindam. Coube ao Banco Central cobrir o rombo, o que causou prejuízo bilionário aos cofres públicos.

Após deixar Bangu, Cacciola morou em Porto Alegre (RS), chegou a trabalhar na ponte aérea Rio-São Paulo e agora está no Rio “tentando salvar o pouco que restou” de seu patrimônio, contou sem dar detalhes.

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Justiça eleitoral autoriza volta de Garotinho para hospital

Decisão de TSE ocorre 1 dia após ex-governador ser transferido do Souza Aguiar para penitenciária de Bangu, onde dormiu

Por: Clarissa Thomé / Constança Rezende / Fábio Grellet

 

O ex-governador do Rio Anthony Garotinho (PR) foi autorizado ontem pela ministra Luciana Lóssio, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a ser transferido do Hospital Penal Hamilton Agostinho de Castro Vieira, no complexo penitenciário de Gericinó, em Bangu, na zona oeste do Rio, para um hospital comum. A internação poderá ser em instituição particular, desde que o ex-governador pague o custo da internação – o que não havia sido feito até a conclusão desta edição.

Preso na quarta-feira, na Operação Chequinho da Polícia Federal, que investiga compra de votos em Campos dos Goytacazes, Garotinho alegou mal-estar.

Fora internado no Hospital Souza Aguiar sob suspeita de problemas cardíacos. Anteontem, a Justiça determinou que Garotinho fosse para um hospital penitenciário, alegando que tinha regalias no hospital. Inconformado com a ordem judicial, ele resistiu duramente ao seu cumprimento, no fim da noite de anteontem. Aos gritos e tentando se desvencilhar dos agentes da PF, Garotinho afirmava que temia pela própria vida, enquanto era filmado.

Áudio. Um áudio distribuído por aplicativo de celular registrou o diálogo entre Garotinho e os agentes federais antes de ser colocado na ambulância.

“Eu não vou. Isaías do Borel (traficante Isaías Rodrigues), tem um monte de preso lá que foi tudo eu que botei na cadeia.

Estão doidos para me levar para lá para me matar. Sabe que quarta- feira eu tenho reunião com dr. (procurador-geral Rodrigo) Janot para entregar o resto da quadrilha. Isso tudo foi armado. Eu não vou, cara”, disse.

Um agente federal responde: “O senhor vai. Porque o senhor está preso com decisão judicial. Nós vamos cumprir a ordem judicial”. Garotinho rebate: “Me matar é uma decisão sua”.

Regalias. Ontem, a mulher do ex-governador, Rosinha Garotinho, visitou o marido no hospital penitenciário, depois de obter autorização especial da Secretaria de Administração Penitenciária.

A Secretaria Municipal de Saúde do Rio negou que tenha havido privilégios para familiares do preso.

“Garotinho deveria estar em uma unidade coronariana. Se acontecer alguma coisa com ele, o juiz será responsabilizado porque, primeiro, ele está com problema de saúde e precisa do exame. Segundo, ele foi governador e secretário de Segurança, e os principais bandidos que estão aqui foi ele quem prendeu.

Ele não é bandido para estar aqui”, defendeu a mulher. “Não confundam a prisão de Sérgio Cabral e de Eduardo Cunha com a dele”, acrescentou.