O globo, n.30459 , 28/12/2016. País, p.3

Em busca de impressões

Jailton de Carvalho

 

A força-tarefa criada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fez ontem buscas em endereços de 20 pessoas e empresas, incluindo três gráficas, contratadas para prestação de serviços à chapa de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (PMDB) na campanha eleitoral de 2014. Num dos endereços visitados, os investigadores encontraram indícios de que o suposto dono de uma das gráficas pode ser um laranja — seu nome teria sido usado indevidamente para encobrir transações, segundo disse ao GLOBO uma fonte que acompanha o caso.

O suposto empresário, responsável em tese pela movimentação de altas somas, não soube responder a perguntas dos investigadores. As buscas foram determinadas pelo ministro Herman Benjamin nas gráficas Focal Confecção e Comunicação, Rede Seg e VTPB Serviços Gráficos e em endereços de empresas subcontratadas por elas durante a campanha. O ministro é relator do processo que pode levar à cassação da chapa Dilma-Temer.

O endereço registrado como sede da Rede Seg Gráfica e Editora é uma sala comercial num bairro da periferia de São Paulo. O local tem pouco movimento e, na maioria do tempo, fica fechado, segundo funcionários de outras salas alugadas no prédio de dois andares. Não há qualquer identificação no local da Rede Seg. No térreo, um depósito seria usado pela Rede Seg para estocar material da gráfica, que tem como proprietário oficial um motorista da empresa, Vivaldo Dias da Silva.

Esse foi um dos lugares inspecionados ontem pela Polícia Federal em São Paulo. Há a suspeita de que tenha havido um esquema de desvio de dinheiro no financiamento da campanha da chapa em 2014.

Outra empresa investigada é a Focal Confecção, que fica num galpão em São Bernardo do Campo, no ABC paulista. Diferentemente da Rede Seg, ela tem letreiro na fachada, e, segundo moradores da região, o movimento durante a eleição foi grande. Assim como a Rede Seg, a Focal teve em seu quadro societário um dos motoristas da empresa, Elias Silva de Matos. O GLOBO procurou as duas empresas para comentar a ação da Polícia Federal, mas nenhum responsável foi encontrado.

As diligências foram realizadas em São Paulo, Minas Gerais e Santa Catarina. A força-tarefa é formada por policiais federais, técnicos da Justiça Eleitoral, fiscais da Receita Federal e funcionários do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ). Herman Benjamin também determinou a quebra do sigilo fiscal de 15 empresas e pessoas investigadas. Na decisão, o ministro diz que as diligências têm como objetivo analisar a capacidade operacional das empresas contratadas.

Relatório preliminar da força-tarefa, entregue à Corregedoria do TSE há duas semanas, aponta indícios de desvios na campanha de Dilma e Temer. As conclusões foram endossadas pelo vice-procurador-geral eleitoral Nicolao Dino. Após analisar o resultado das investigações da Polícia Federal no caso, o procurador concluiu pela “existência de fortes traços de fraude e desvio de recursos repassados às empresas contratadas pela chapa presidencial eleita em 2014”.

Só a Focal teria recebido da campanha R$ 24 milhões. A empresa está em segundo lugar no ranking dos maiores prestadores de serviços a Dilma e Temer. Só perde para o marqueteiro João Santana, que recebeu R$ 70 milhões. Para os investigadores, a gráfica e outras empresas não teriam condições de atender as demandas de uma campanha presidencial.

Segundo a força-tarefa, documentos encontrados na busca de ontem reforçariam as suspeitas. A análise final do material caberá ao ministro Herman Benjamin. As investigações começaram a partir de um pedido do PSDB, após as eleições de 2014.

Em nota, a defesa de Dilma criticou a decisão de Herman Benjamin. Para os advogados de Dilma, não havia necessidade das diligências neste período de recesso do Judiciário. “Causa perplexidade que, decorridos quase dois anos de intensa investigação pelo TSE, seja proferida decisão judicial, a ser cumprida no período de recesso do Poder Judiciário e sem qualquer fundamento de urgência”, diz o texto.

Já Temer evitou criticar a operação da Polícia Federal.

— Faz parte da investigação. Isso é natural, não há nenhuma irregularidade nisso. A investigação segue adiante com depoimentos, perícias, enfim, fatos como este que visam exatamente a instruir o processo que está no Tribunal Superior. Nenhuma preocupação — afirmou Temer.

Também em nota, a gráfica VTPB negou ser uma empresa fantasma e ter praticado lavagem de dinheiro. A empresa assegurou que toda a documentação que comprova a prestação de seus serviços para a campanha de Dilma e Temer foi apresentada às autoridades fiscais e eleitorais — além de comprovação do pagamento de fornecedores, guias de transporte e nota de entrega do material, segundo a empresa. A VTPB diz ainda que a Procuradoria Eleitoral já se manifestou pelo arquivamento de seu envolvimento e que estaria sendo julgado novamente pelo mesmo fato. “A VTPB não é fantasma, nem tampouco cometeu lavagem de capitais (...) trabalha há anos fornecendo material para campanhas políticas, tinha o melhor preço e qualidade de material”, diz a nota.

-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

 

Risco maior é que excesso de diligências inviabilize punições

Apesar de o TSE ter mostrado disposição em aprofundar investigações, aliados de Temer comemoraram sinal de que conclusão do processo pode demorar

 

PAULO CELSO PEREIRA

A ação da Polícia Federal ontem sobre gráficas contratadas pela campanha da chapa de Dilma Rousseff e Michel Temer emite um sinal duplo. O mais evidente é o de que o ministro Herman Benjamin, relator do processo, está decidido a aprofundar as apurações sobre os possíveis crimes eleitorais cometidos pela campanha vitoriosa em 2014. Mas há uma face preocupante dessa mesma diligência. As acusações contra atos supostamente ilícitos naquela campanha começaram antes mesmo de seu triunfo, em outubro de 2014. Nos meses seguintes, quatro ações foram abertas no TSE, que acabou unificando-as em março passado para facilitar a apuração. Até agora, no entanto, não se chegou a qualquer conclusão.

Não à toa, ontem, em vez de lamentarem, alguns integrantes do governo Temer festejavam o risco de a contínua realização de diligências impedir que o processo seja concluído em 2017. Quando Herman Benjamin encerrar a instrução do processo, acusação e defesa ainda serão chamadas a se pronunciar. Só então o ministro fará seu voto e pedirá que o presidente da corte, Gilmar Mendes, o inclua na pauta. Existe a possibilidade de ocorrerem os tradicionais pedidos de vista e, para completar, Temer já avisou que vai impetrar recursos caso a decisão da Corte lhe seja desfavorável. Mas antes mesmo dessa etapa final, existe a expectativa de que haja pedidos para que se inclua na investigação depoimentos da delação premiada da Odebrecht, que sequer foi homologada pelo STF.

Embora pareça apenas atropelo, essa demora não é acidental. O próprio ministro Benjamin deixou claro, meses atrás, seu incômodo com um pedido do PT para que fossem realizadas perícias em 8 mil documentos anexados ao processo. Ele pediu que a defesa da ex-presidente informe quais documentos eram relevantes para a causa, mas ela se negou a detalhar. Parlamentares defensores de novas eleições se surpreenderam inclusive com pedidos feitos pelo próprio PSDB — o autor do pedido original de investigação — ao longo deste ano. Desde que se afastou da defesa da tese de novas eleições e aderiu ao impeachment, no fim do ano passado, os tucanos pediram a inclusão de delações que supostamente ajudariam na condenação da chapa. Mas que, ao mesmo tempo, atrasam o processo.

Foi justamente a demora do TSE em concluir o caso ao longo de 2015 e 2016 que fez com que se tornasse inviável a realização de eleições diretas para a Presidência caso a Corte entendesse que houve crime eleitoral. A partir da semana que vem, quando o mandato da chapa Dilma-Temer chega à metade, qualquer condenação que os atinja poderá, no máximo, levar a eleições indiretas. Michel Temer, no entanto, ainda luta para emplacar a tese de que suas contas de campanha eram separadas das da ex-presidente e que, por isso, não poderia ser punido pelos crimes cometidos por ela.

A jurisprudência do TSE é amplamente favorável à tese de que o vice perde o mandato junto com o titular, embora não fique inelegível. É uma questão lógica: conceitualmente, embora não na prática, as chapas majoritárias funcionam a partir da aliança de partidos que têm o mesmo projeto para aquela cidade, estado ou nação. Dessa forma, caso a punição não se estendesse para os vices, um grupo político poderia cometer quaisquer atrocidades eleitorais com a certeza de que, caso o titular fosse pego, o vice e aliado teria um salvo-conduto para ficar à frente do governo.