O Estado de São Paulo, n. 44966, 27/11/2016. Economia, p. B4

Despesas com servidores batem recorde

Com encolhimento da economia e reajustes salariais, pagamento do funcionalismo federal vai a 5,7% do PIB, maior proporção desde 1995

Por: Murilo Rodrigues Alves

 

O encolhimento da economia brasileira, combinado com os reajustes concedidos nos últimos tempos aos servidores públicos, fez com que o peso das despesas pagamento de pessoal da União como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) batesse recorde.

De todas as riquezas produzidas pelo País, 5,7% são consumidos para honrar o contracheque do funcionalismo dos três poderes.

Trata-se do maior valor desde 1995, quando tem início a série histórica do Ministério do Planejamento. Para efeito de comparação, é mais do que o dobro do déficit da Previdência do INSS previsto para este ano, estimado em 2,4% do PIB.

Segundo o Ministério do Planejamento, o governo federal – nos três poderes – tinha até agosto (dado mais atual) 2.216.431 pessoas em sua folha.

Desse total, 55,6% estão trabalhando, 26,1% são aposentados e 18,3% são pensionistas. Nos 12 meses terminados em agosto, o total da folha de pagamento foi de R$ 265,9 bilhões, dos quais R$ 159,1 bilhões de salários para funcionários da ativa, R$ 68,1 bilhões de aposentadoria e R$ 38,5 bilhões de pensões.

Em 2015, as despesas com o pagamento do funcionalismo corresponderam a 4,3% do PIB; nos dois anos anteriores, a 4,2%. O maior registro, desde então, tinha sido o de 1995, segundo ano do governo de Fernando Henrique Cardoso, quando 5,4% do PIB foram gastos com a folha dos servidores. No último ano de FHC, 2002, as despesas com o funcionalismo alcançaram 5% do PIB.

No fim dos oito anos de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2010, o porcentual foi de 4,7%, mas caiu no primeiro ano de Dilma para 4,5% e atingiu o piso, 4,2%, nos dois anos seguintes.

A economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, diz que a recessão vai fazer com que o peso da folha de pagamento deva aumentar no curto e médio prazos, uma vez que o PIB deve continuar caindo. “O problema está no numerador e no denominador”, explica a economista, ao se referir tanto ao achatamento da economia quanto à política de valorização dos salários dos servidores públicos nos últimos anos.

 

Impacto. Os reajustes concedidos às carreiras do Executivo, do Legislativo e do Judiciário aumentarão em R$ 68,7 bilhões os gastos com o pagamento da folha de servidores entre agosto deste ano e o fim de 2018.

“O fato de ter rigidez em relação à folha tira liberdade do governo para reagir em momentos de crise”, diz Zeina, que foi convidada para fazer parte do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o Conselhão, cuja primeira reunião aconteceu na segunda-feira.

A economista defende que a concorrência e a meritocracia passem a ser usadas tanto para a remuneração quanto para a possibilidade de demissão – como ocorre no setor privado. Segundo Zeina, a flexibilização dos “privilégios” dos servidores públicos, como a estabilidade, está em vigor nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mas não deve ser encampada pelo presidente Michel Temer. “É uma coisa para o próximo presidente.”

 

Anos 1990. Na média de setembro de 2015 a agosto deste ano, o governo federal gastou 38,2% das suas receitas com o pagamento dos servidores públicos. Ao se aproximar da fronteira dos 40%, a parcela das receitas destinada a gastos com pessoal volta a patamares vistos apenas antes de 2000.

A relação é tida como um termômetro da saúde financeira das finanças públicas do governo.

Desde 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) determina que o governo federal só pode gastar até 50% de suas receitas correntes líquidas com a folha de pagamento.

Na série histórica sobre a relação, o maior porcentual foi verificado em 1995, quando 54,5% das receitas eram gastas com pessoal. O menor nível foi verificado em 2005, quando 27,3% das receitas foram usadas para pagar funcionários públicos.

As receitas correntes líquidas correspondem à arrecadação do governo com tributos e impostos menos as transferências constitucionais e legais obrigatórias, contribuições para o Programa Integração Social (PIS) e Programa de Formação do Patrimônio do Serviço Público (Pasep) e o pagamento de benefícios tributários.

 

Impasse

“Rigidez em relação à folha tira liberdade do governo para reagir em momentos de crise.”

Zeina Latif

ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMENTOS

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Média salarial chega a ser dez vezes a do setor privado

Servidores do Banco Central estão no topo da cadeia de remuneração, com salário médio de R$ 22,4 mil

Por: Murilo Rodrigues Alves

 

Enquanto se discute um pente-fino sobre os supersalários dos servidores públicos, a remuneração média desses funcionários chega a ser dez vezes superior ao que recebem os trabalhadores da iniciativa privada. De acordo com o IBGE, o rendimento médio do trabalhador brasileiro é de R$ 2.015. No topo do Executivo, estão os servidores do Banco Central, que ganham, em média, R$ 22.406.

Nos ministérios, a média de salários é de R$ 9.963; nas autarquias, R$ 9.859; nas empresas públicas, R$ 11.454 e, nas companhias de economia mista (como o Banco do Brasil), R$ 9.757.

No Judiciário, o valor médio é de R$ 17.898. No Legislativo, R$ 15.982 e, no Ministério Público da União, R$ 15.623.

“A sociedade está muito cansada de arcar com esses custos e o fracasso da agenda econômica está obrigando a repensar essas convicções. Ter grupos privilegiados está ficando cada vez mais inviável para um País que não cresce”, afirma a economista- chefe da XP Investimentos, Zeina Latif.

A discrepância é ainda mais gritante em relação às aposentadorias.

Enquanto o benefício médio pago pelo INSS é de R$ 1.862, um aposentado do Congresso ganha, em média, R$ 28.527, e do Judiciário, R$ 25.832. Entre os três poderes, a menor aposentadoria média é a dos funcionários do Executivo, R$ 7.499 – os militares ganham, em média, R$ 9.479 de aposentadoria.

 

Mudanças nas regras. Para Zeina, as regras da aposentadoria dos servidores públicos precisam ser modificadas com a reforma da Previdência para dar alívio ao caixa do governo.

O texto que está com o presidente Michel Temer promove a convergência das regras dos trabalhadores da iniciativa privada com as dos servidores públicos.

Isso vai implicar no aumento da idade mínima para que funcionários públicos se aposentem – atualmente, 55 anos para mulheres e 60 para homens. A exigência do tempo de contribuição para ter direito ao benefício integral também será alterada.

Hoje, os funcionários públicos conseguem se aposentar sem descontos com 30 anos (mulheres) e 35 anos (homens) de serviço.

A nova regra seguirá o critério da iniciativa privada: entre 45 anos e 50 anos como período necessário para a aposentadoria integral, com tempo mínimo de 25 anos para ter direito a requerer aposentadoria. Além disso, está prevista a contribuição previdenciária dos servidores públicos, atualmente em 11%, para cerca de 14%. Como contrapartida, seria elevada a contribuição dos órgãos públicos empregadores, de 22% para 28%.

 

Sindicato. Sérgio Ronaldo da Silva, da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), diz que a situação do governo federal está “sob controle”. “O governo continua cumprindo a exigência da Lei que permite gastar até 50% das receitas com o funcionalismo. Se estivéssemos chegando a 47%, poderíamos falar em preocupação (o índice está hoje em 38,2%).

Esses dados mostram que ainda há espaço para gastar”, afirma Silva.

De acordo com a Condsef, a situação do governo federal não é alarmante como a dos Estados e municípios. O sindicalismo defende que a União recomponha a força de trabalho nos últimos anos, já que os gastos ainda estão abaixo do limite legal.

Ligada à Central Única dos Trabalhadores (CUT), a entidade reúne 36 sindicatos que representam 61,5% dos 1,3 milhão de servidores públicos federais da ativa. / M. R. A.

 

Valores

R$ 9,9 mil é o salário médio dos servidores dos ministérios

 

R$ 17,8 mil é o salário médio do Judiciário