Recursos no exterior podem ter nova anistia

Maria Lima, Gabriela Valente, Martha Beck e Sorima Neto

02/11/2016

 

 

Repatriação, cujo prazo acabou 2ª feira, regularizou R$ 169,9 bi. Renan diz que apresentará projeto para 2017

 

Animado com a entrada de R$ 50,9 bilhões nos cofres públicos com o programa da repatriação, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), anunciou ontem que vai propor uma reabertura dessa anistia em 2017. Com as bênçãos do Palácio do Planalto, ele vai apresentar, na próxima terça-feira, um novo projeto para que os contribuintes possam regularizar ativos mantidos ilegalmente no exterior a partir do dia 1º de janeiro. A ideia é aprovar o texto em rito sumário no Senado e na Câmara ainda este ano de modo que mais recursos ingressem no país até março do próximo.

Os termos da nova repatriação, no entanto, seriam um pouco diferentes. O presidente nacional do PMDB, senador Romero Jucá (RR), explicou que a ideia é aumentar o Imposto de Renda (IR) cobrado dos contribuintes de 15% para 20%. O prazo de adesão também seria mais curto. Com isso, segundo Jucá, seria possível conseguir “uma CPMF”, ou seja, um reforço de R$ 20 bilhões a R$ 30 bilhões nas receitas.

Nos bastidores, os técnicos da equipe econômica, especialmente da Receita Federal, são contra a reabertura do programa, mas, ontem, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, deixou claro que a posição política prevaleceu. Ele afirmou que o Congresso é soberano para tomar essa decisão e que “quanto mais se arrecadar, melhor”:

— Possibilidade (de reabrir) existe. Já existem países que fizeram mais de uma rodada. É absolutamente possível que o Congresso decida, já que é soberano para isso. Quanto mais arrecadar, melhor. Portanto, não temos nada contra um novo projeto que seja consistente. Acho que, se o primeiro programa de repatriação foi um sucesso, isso pode encorajar outras pessoas que estavam com medo a regularizar seu capital.

 

EM NOVA ETAPA, IMPOSTO DEVE SER MAIOR

O maior temor da área técnica é que os parlamentares usem esse novo projeto de repatriação para abrir brechas no programa de 2016. Uma delas seria passar a permitir que políticos e seus familiares possam regularizar ativos. Isso seria uma forma de beneficiar, por exemplo, a mulher do ex-deputado Eduardo Cunha, Cláudia Cruz, que tentou ingressar na anistia e teve o pedido rejeitado. Jucá, no entanto, defendeu que a proibição seja mantida. Ele também acredita que a base de cálculo do IR e da multa deveriam ficar como prevê o programa original:

— Defendo que a taxação fique como está, que incida sobre o montante e não sobre o saldo. Defendo que se mantenha a proibição de beneficiar políticos e parentes, pois isso seria legislar em causa própria, e uma punição maior, com aumento da taxação de 15% para 20%.

Segundo interlocutores do Palácio do Planalto, Renan procurou o presidente Michel Temer ontem para falar sobre a reabertura da repatriação. Temer teria concordado, mas pedido para que o Senado tenha uma interlocução próxima com a Fazenda para avaliar os detalhes da proposta. O presidente teria ficado animado ao ouvir de assessores próximos que, até agora, o dinheiro que entrou com repatriação no país seria apenas 20% de seu potencial.

— Se decidir fazer, é bom que se faça este ano. Acho uma boa ideia — disse Temer ontem em jantar no Itamaraty.

Jucá destacou que, quanto mais cedo ocorrer a nova etapa, melhor será para os contribuintes. Isso porque, em março, entra em vigor o acordo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre transparência de evasão de recursos, do qual o Brasil é signatário. O pacto prevê a divulgação de todas as contas internacionais.

— Quem tem dinheiro lá fora tem que correr e aproveitar essa segunda chance para aderir ou vai sair perdendo muito. O acordo da OCDE prevê multa de 150% e processo por evasão de divisas — ressaltou Jucá.

Ao comentar o resultado do programa de 2016, que se encerrou na segunda-feira, o secretário da Receita, Jorge Rachid, também avaliou que deixar ativos ilegalmente fora do país não é uma boa saída, pois a margem para esconder esses recursos está cada vez mais estreita:

— Vai ficar muito mais fácil a Receita alcançar valores não declarados no exterior. No passado, era muito fácil esconder dinheiro. A era do sigilo bancário acabou.

 

ESTADOS QUEREM FATIA MAIOR

Meirelles e Rachid comemoraram ontem o valor arrecadado. Oficialmente, a expectativa era obter R$ 50 bilhões com o programa, embora houvesse previsões otimistas de que o montante chegaria a R$ 60 bilhões. Ao todo, foram declarados R$ 169,9 bilhões mantidos fora do país. O Fisco recebeu documentos de 25.011 pessoas físicas, que detêm, juntas, R$ 163,9 bilhões. Elas pagaram R$ 49,16 bilhões em Imposto de Renda e em multas. Já em relação às empresas, houve só 103 declarações. Isso representa R$ 6 bilhões. Elas pagaram R$ 1,82 bilhão ao Fisco.

— Economias muito maiores que a nossa, como os EUA, e economias menores, como Portugal, fizeram programas de repatriação, mas, proporcionalmente, o Brasil teve um sucesso grande. Os quase R$ 51 bilhões arrecadados e quase R$ 170 bilhões regularizados são um número expressivo — afirmou Meirelles.

Cerca de metade do que foi recolhido em IR (algo em torno de R$ 12 bilhões) deve ser repassada para estados e municípios. O restante da arrecadação será usado para melhorar as contas públicas de 2016 e quitar despesas de anos anteriores, ou chamados, restos a pagar.

— Isso é muito importante porque governo tem que começar a acertar as suas contas, pagando as suas dívidas, e isso já começa a ser feito. Será um uso muito importante — disse o ministro.

A repatriação ainda movimentou o mercado de câmbio. Segundo o Banco Central (BC), o país recebeu US$ 10 bilhões. O número é diferente do divulgado pelo Fisco porque vários contribuintes tinham caixa para pagar o tributo devido e não precisaram internalizar dinheiro que estava fora do país. Foram registrados 10.194 contratos de câmbio. E foram feitas 9.798 retificações de declarações de Capitais Brasileiros no Exterior (CBE). Essas correções na declaração equivalem a US$ 23,1 bilhões em ativos no exterior. Contudo, os contribuintes têm até o fim do ano para corrigir os dados no BC sem penalidade.

Os governadores não desistiram de conseguir uma fatia maior dos recursos arrecadados com repatriação. Um grupo de 12 estados, incluindo Minas Gerais, Santa Catarina, Goiás e Bahia, já ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma ação cível originária (ACO) solicitando que o montante obtido com a multa paga pelos contribuintes que regularizaram ativos no exterior seja repartida com os governos regionais.

A equipe econômica entende que só a parcela de IR deve ser partilhada com governadores e prefeitos. Na ACO, os estados alegam que têm direito à multa e pedem que seja concedida liminar em caráter de urgência garantindo o repasse. “Há um crédito tributário único, devido e arrecadado pela União e que, portanto, em razão de sua natureza unitária, deve ser inserido na integralidade na composição do cálculo dos valores devidos ao Fundo de Participação dos Estados”, diz a a ação. (Colaborou Catarina Alencastro)

 

“Vai ficar muito mais fácil a Receita alcançar valores não declarados no exterior. No passado, era muito fácil esconder dinheiro. A era do sigilo bancário acabou”

Jorge Rachid

Secretário da Receita Federal

 

 

O globo, n. 30403, 02/11/2016. Economia, p. 24.