O globo, n. 30460, 29/12/2016. País, p. 3

Cerco contra a propina

Panamá é o 7º país a cancelar contratos com Odebrecht após assinatura de acordos de leniência

 

CLEIDE CARVALHO

-CIDADE DO PANAMÁ E SÃO PAULO- O governo do Panamá anunciou o cancelamento de um contrato de US$ 1 bilhão com a construtora Odebrecht para construção e operação por 50 anos da hidrelétrica Chan II, na costa do Atlântico. O anúncio foi feito na terça-feira, depois que a empreiteira brasileira reconheceu o pagamento de propina a agentes públicos de 12 países, entre eles o Panamá. No mesmo dia, as autoridades suíças revelaram ter documentos que confirmam pagamentos de pelo menos 32,8 milhões de francos suíços (cerca de US$ 31,8 milhões) a um “ex-membro de alto escalão do governo do Panamá”, entre dezembro de 2009 e agosto de 2012.

Na semana passada, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos já havia informado que as propinas pagas pela empreiteira brasileira no Panamá alcançaram US$ 59 milhões, entre 2010 e 2014. Nesse período, a empreiteira recebeu US$ 175 milhões por obras no país. O Panamá é o sétimo país da América Latina a anunciar medidas contra a empreiteira depois que os documentos do acordo de leniência da Odebrecht e de sua subsidiária Braskem foram divulgados, semana passada. A lista já inclui México, Peru, Argentina, Colômbia, Equador e Venezuela.

A operação no Panamá é a terceira maior da Odebrecht na região, e a empreiteira brasileira é a maior em operação no país. Além do contrato de Chan II, fechado em junho de 2014, a empresa está pré-qualificada para a construção da quarta ponte sobre o Canal do Panamá e para a linha 3 do metrô. Agora, o governo panamenho quer que a construtora desista das disputas.

O ministro Alvaro Alemán, porta-voz da Presidência do Panamá, disse, segundo a agência de notícias Reuters, que o governo adotará as “ações necessárias” para encerrar o contrato da hidrelétrica “sem custo” para o Estado.

 

PARAÍSO FISCAL NÃO COLABOROU COM LAVA-JATO

Em nota, o governo panamenho informou que vai proibir a Odebrecht de participar de novas licitações até que demonstre “colaboração eficaz” com as investigações de subornos e dê garantias de que os valores serão ressarcidos ao Estado. As obras em andamento deverão prosseguir, mas as autoridades panamenhas prometem vigilância constante para preservar valores e prazos contratados.

Procurada, a assessoria da Odebrecht não se manifestou sobre a decisão do Panamá, mas reafirmou seu compromisso de colaborar com a Justiça. “A empresa está implantando as melhores práticas de compliance, baseadas na ética, transparência e integridade”, disse, em nota.

Dezesseis empreendimentos em seis países da América Latina e do Caribe já foram afetados pela decisão do BNDES, tomada em maio último, de suspender o desembolso de US$ 3,6 bilhões para obras feitas por cinco empreiteiras envolvidas na Lava-Jato, entre elas a Odebrecht.

Conhecido como um dos principais paraísos fiscais do mundo, o Panamá não colaborou com a Lava-Jato. A força-tarefa tentou, sem sucesso, obter dados de uma conta da Odebrecht no Panamá. As autoridades do país teriam considerado que os números relatariam pagamentos a pessoas politicamente importantes do Panamá. O GLOBO apurou que o envio de dados foi barrado pela autoridade central do país, responsável pela cooperação com o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça no Brasil.

O nome da Odebrecht já havia aparecido também em investigações na Itália sobre propinas pagas a autoridades panamenhas, no processo que condenou a três anos de prisão Valter Lavitola, ex-braço-direito de Silvio Berlusconi.

Em março passado, reportagem do GLOBO mostrou que a Divisão Antimáfia do Ministério Público italiano apurou pagamento de propina pela Odebrecht a Lavitola, na licitação da linha 1 do metrô na Cidade do Panamá. Lavitola teria admitido, em entrevista a um jornalista espanhol, que atuava como gestor de propinas pagas a Ricardo Martinelli, ex-presidente do Panamá. Martinelli nega as acusações.

 

LUCRO DE US$ 4 POR CADA US$ 1 DE PROPINA

O suborno pago no Panamá foi identificado pelo Ministério Público suíço no banco de dados do departamento de propinas da Odebrecht, que era mantido num sistema de intranet hospedado na Suíça. Foram analisados cerca de 2 milhões de documentos, entre e-mails, ordens de pagamento e documentos bancários.

Foi descoberto, por exemplo, que o caixa 2 da Odebrecht era movimentado pela empresa em Antígua, Áustria, Portugal e Holanda. Na Suíça, o valor alcançou 440 milhões de francos suíços, entre dezembro de 2005 e junho de 2014. Segundo cálculo das autoridades suíças, para cada US$ 1 pago em propina, a Odebrecht lucrava US$ 4. Em documento, o MP suíço afirma que a “corrupção e a necessidade de sua ocultação eram, obviamente, parte da estratégia corporativa”.

Os dados foram decifrados com a prisão na Suíça, em fevereiro passado, de Fernando Migliaccio, executivo do departamento de propinas da Odebrecht. Os documentos do MP suíço não citam o nome dele, apenas o mês de sua prisão.

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PRÉ-SAL DA CORRUPÇÃO

 

AS INVESTIGAÇÕES de “gráficas” usadas, suspeita-se, para lavar dinheiro da campanha da chapa Dilma-Temer, nas eleições passadas, indicam a existência de uma camada mais profunda na geologia da corrupção nas finanças da política.

COMO JÁ demonstra a Lava-Jato, empreiteiras surrupiaram dinheiro da Petrobras, em conluio com PT, PMDB e PP, por meio do superfaturamento de contratos, e um dos destinos desta dinheirama foi o financiamento de campanha. Sob o disfarce de doação legal ou caixa dois mesmo.

O QUE as investigações determinadas pelo TSE desvendam é a existência de um nível de roubalheira mais abaixo, uma espécie de pré-sal da corrupção: muitos milhões foram destinados a algumas gráficas sem que elas sequer tivessem capacidade de entregar o que lhes foi encomendado. E esse dinheiro sumiu.

DESCOBRIR SEU paradeiro dá alguma emoção a este processo que tramita no TSE.

 

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Alvo de investigação, presidente do TCE-RJ pede licença de três meses

Jonas Lopes de Carvalho foi levado a depor pela PF há 15 dias; afastamento começa em março

 

Citado em delações de executivos da empreiteira Andrade Gutierrez na Operação Lava-Jato, como mostrou O GLOBO em novembro, e alvo de operação da Polícia Federal há 15 dias, o presidente do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE-RJ), Jonas Lopes de Carvalho, vai se licenciar do cargo por três meses. A licença foi assinada pelo vice-presidente do TCE, Aloysio Neves Guedes. Segundo o Diário Oficial de ontem, a licença de Lopes começará a contar a partir do dia 6 de março, após as férias no tribunal.

Segundo delatores, Lopes foi um dos favorecidos pelo esquema de pagamentos paralelos nas grandes obras do governo fluminense revelado pela Operação Calicute, que prendeu o ex-governador do Rio Sérgio Cabral (PMDB) e outras sete pessoas. Um dos operadores investigados é Jorge Luiz Mendes Pereira da Silva, o Doda, que teria a função de fazer a ligação do Tribunal de Contas com as empreiteiras.

Há 15 dias, Lopes foi levado para depor na Operação Descontrole, da Polícia Federal, que investiga os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Jonas Lopes Neto, filho do presidente do TCE, e Doda, apontado ainda como operador de Lopes, também foram levados a depor. As três conduções coercitivas foram determinadas pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Felix Fischer.

 

TCE: LICENÇA FOI PEDIDA EM OUTUBRO

A assessoria do TCE informou que o presidente já havia feito um pedido de licença-prêmio no último dia 9 de outubro, mas que ele foi deferido apenas no dia 16 de dezembro, três dias depois de Lopes ter sido levado para depor pela PF. De acordo com o gabinete de Lopes, assim como os magistrados do Rio, os conselheiros do TCE têm direito a dois meses de férias por ano e, a cada cinco anos trabalhados, podem tirar três meses de licença-prêmio. Lopes avisou à equipe que ficaria ausente por seis meses, ao todo, para se desligar do cargo de presidente do TCE e cuidar de projetos pessoais.

Para não serem incomodadas pelo TCE, órgão encarregado da fiscalizar os gastos do governo fluminense, as empreiteiras pagavam uma caixinha de 1% do valor dos contratos, supostamente repartida entre conselheiros, de acordo com os delatores. Uma das obras seria a reforma do Maracanã. Em julho, o TCE bloqueou R$ 198 milhões em créditos para Odebrecht e Andrade Gutierrez referentes à obra do estádio.

Na ocasião, Clóvis Peixoto Primo, ex-dirigente da Andrade Gutierrez, afirmou em delação ter autorizado o pagamento de propina para o TCE no valor de 1% do contrato do Maracanã, reformado por um consórcio formado por Andrade Gutierrez, Odebrecht e Delta. Na mesma delação, ele também disse que pagou 5% de propina ao ex-governador Sérgio Cabral.

Outro delator, Ricardo Pernambuco Júnior, da Carioca Engenharia, citou nominalmente o presidente do TCE como negociador direto do pagamento da propina. Lopes teria cobrado, segundo Pernambuco, cinco parcelas de R$ 200 mil.