O globo, n. 30458, 27/12/2016. Rio, p. 6

Atraso que favorece o "Aedes"

Prometida há um ano pela União, distribuição de repelentes para grávidas ainda não começou

 

RENATA MARIZ

Prometida há mais de um ano pelo governo federal, a distribuição de repelentes a gestantes carentes não tem data para começar. A estimativa é atender 474 mil grávidas inscritas no Bolsa Família. De acordo com o Ministério da Saúde, o atraso é culpa da burocracia, e o pregão eletrônico para a compra do produto está em fase final. Na melhor das hipóteses, porém, os repelentes só serão entregues no meio do verão, período crítico de infestação do Aedes aegypti, mosquito transmissor de dengue, chicungunha e zika.

-BRASÍLIA- Com mais de um ano de atraso desde o primeiro anúncio, a distribuição de repelentes a gestantes carentes não tem data para começar. O ministro da Saúde, Ricardo Barros, evitou dar uma previsão de quando o governo fornecerá o produto à população, embora o pregão eletrônico esteja em andamento. A promessa dele era que este mês as mulheres receberiam o repelente.

Barros atribuiu à “burocracia” o atraso na entrega do produto, que deve ocorrer no meio do verão, período crítico de infestação do Aedes

aegypti, que transmite dengue, chicungunha e zika. A estimativa é atender 474 mil gestantes do Bolsa Família com o repelente. O processo de compra está atualmente na fase de apresentação de recursos administrativos contra a empresa vencedora do pregão eletrônico, explicou o ministro, em entrevista coletiva ontem.

— Lamentavelmente a burocracia tem nos atrasado, mas os recursos estão disponíveis e faremos a entrega o quanto antes — afirmou Barros.

 

REGRAS FORAM REFORMULADAS

No início de dezembro do ano passado, em meio à epidemia de microcefalia associada à zika, o então ministro da Saúde Marcelo Castro anunciou que o governo forneceria repelentes a grávidas. Com o agravamento da crise política que culminou no afastamento da então presidente Dilma Rousseff e o início da redução de casos de microcefalia, o assunto ficou emperrado.

Segundo Barros, a primeira tentativa efetiva de compra ocorreu ainda em fevereiro, mas esbarrou em entraves burocráticos. Nenhum fabricante tinha condições de entregar a quantidade necessária e, por isso, as regras foram reformuladas para se fazer uma dispensa de licitação. Mas, ainda segundo o ministro, muitas empresas informaram que poderiam participar da disputa nos novos moldes, o que levou o governo a descartar a dispensa e montar um pregão eletrônico.

Pelo cronograma inicial do pregão eletrônico, as grávidas do Bolsa Família deveriam ter recebido o repelente este mês, quando se verifica um aumento das doenças transmitidas pelo Aedes em virtude do período de verão, propício para a proliferação do mosquito. Desde 2015, quando foi declarada emergência nacional em virtude da microcefalia, 2.289 casos foram confirmados.

Sem cravar uma previsão, Barros limitou-se a dizer que, 15 dias após terminado o processo de compra, terá início o fornecimento dos repelentes. Ele procurou ressaltar a economia de R$ 128 milhões feita na negociação para adquirir o produto. O edital abriu com R$ 208 milhões para comprar uma quantidade de repelentes capaz de gerar 3 bilhões de horas de proteção, mas o negócio foi fechado em cerca de R$ 80 milhões, afirmou Barros. A substância escolhida no pregão oferecerá dez horas contínuas de proteção às gestantes.

Diante da previsão já anunciada pelo Ministério da Saúde de aumento dos casos de chicungunha, em 2017, e estabilização da dengue e da zika, Barros disse que o Aedes aegypti permanece como o “grande desafio" da pasta, mas também da população. — Temos que combater o mosquito. Esse é o grande desafio, até que a gente consiga o controle adequado — disse. — Depende da comunidade, não há força pública capaz de estar em todos os locais eliminando focos.

Segundo dados mais recentes do ministério, a chicungunha subiu 592%, de 38 mil para 263 mil casos prováveis, entre 2015 e 2016 (até 10 de dezembro). Do total registrado este ano, 145.059 (55%) foram confirmados por exames, mas isso não significa que o restante possa ser descartado. Isso porque, em locais com contaminação comprovada, o diagnóstico é feito muitas vezes por análise clínica, e não necessariamente por teste em laboratório. Os casos já descartados não ficam contabilizados como “prováveis” pelo governo. O número de mortos por chicungunha também apresentou um salto fora do padrão, de seis, em 2015, para 159 óbitos registrados este ano, até o último dia 10. Os locais onde houve mortes foram Pernambuco (54), Paraíba (32), Rio Grande do Norte (25), Ceará (21), Rio de Janeiro (9), Alagoas (6), Bahia (4), Maranhão (5), Piauí (1), Sergipe (1) e Distrito Federal (1). Os casos estão sendo investigados pelos estados e municípios para determinar se há outros fatores associados à chicungunha, como doenças prévias ou uso de medicamentos.

A previsão da área técnica do ministério é que, em 2017, os casos de febre chicungunha vão aumentar. Essa estimativa leva em conta, principalmente, o fato de ser uma doença em expansão, com muitas pessoas nunca infectadas, portanto sem imunidade para o vírus.

 

NO RIO, CASOS DE DENGUE SUBIRAM 24,6%

Já a dengue, que há décadas castiga o país, teve 1,4 milhão de notificações suspeitas este ano (até o último dia 10), contra 1,6 milhão em 2015. Houve confirmação de 609 mortes por dengue em 2016. No ano passado, foram 972. No caso de zika, foram 211,7 mil notificações este ano, com seis mortes: quatro no Rio e duas no Espírito Santo. Não há dados sobre 2015, pois a doença só passou a ser de registro compulsório em fevereiro passado.

No Estado do Rio, a evolução dessas doenças é um pouco diferente. De acordo com a Secretaria estadual de Saúde, as notificações de dengue subiram 24,6%, indo de 65.923, em 2015, para 82.156 este ano (até 6 de dezembro). O pico aconteceu entre janeiro e abril deste ano.

Já os casos de chicungunha dispararam, passando de 71, em 2015, para 15.265 este ano (até 6 de dezembro). O auge aconteceu nos meses de abril e maio. Embora os números tenham baixado nos últimos meses, a estimativa é que eles voltem a subir neste verão. As notificações de zika totalizaram 67.636 casos (como elas só se tornaram obrigatórias este ano, não é possível comparar com 2015).