O Estado de São Paulo, n. 44952, 13/11/2016. Política, p. A6

Defesa de Dilma no TSE muda estratégia
 
Vera Rosa
Rafael Moraes Moura

 

A defesa da presidente cassada Dilma Rousseff mudou de estratégia e tenta agora preservar os direitos políticos da petista “arrastando” o presidente Michel Temer para o seu lado como boia de salvação.

Convencidos de que há no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) uma tendência para tornar Dilma inelegível e retirar o que ela conquistou quando o impeachment foi aprovado no Senado, seus advogados fazem de tudo para Temer não se separar do PT no processo que pede a cassação da chapa reeleita em 2014.

Diante da Justiça, o divórcio do PMDB está longe de ser consensual no papel. Em conversas reservadas, interlocutores da expresidente afirmam que, enquanto Temer estiver “grudado” nela, fica mais difícil para o TSE julgar procedente a ação – impetrada pelo PSDB em 2014 – porque, nesse caso, o peemedebista perderia o mandato. Se houver um veredicto pela cassação no ano que vem, nova eleição terá de ser realizada de forma indireta, pelo Congresso, hipótese que pode provocar instabilidade política.

Nos bastidores, petistas argumentam que “ou os dois morrem juntos ou os dois se salvam juntos”.

Ao sofrer impeachment, em agosto, Dilma manteve os direitos políticos. Pode concorrer a cargos públicos e disputar eleições, mas tudo isso corre risco caso haja impugnação da chapa.

 

Indissolúvel. Temer pede a separação do julgamento de suas contas sob a alegação de que, à época, era candidato a vice e não pode ser responsabilizado por eventuais ilícitos cometidos pelo comitê do PT. Para provar que a chapa é indissolúvel, o advogado Flávio Caetano, defensor de Dilma, juntou ao processo cópia de um cheque de R$ 1 milhão e documentos indicando que a doação à campanha, feita pela empreiteira Andrade Gutierrez, entrou pela conta de Temer, então presidente do PMDB.

“Nós fomos surpreendidos por uma mentira quando Otávio Azevedo (ex-presidente da Andrade Gutierrez e delator da Lava Jato) disse, em depoimento ao TSE, que havia uma transferência de R$ 1 milhão do Diretório Nacional do PT para a campanha de Dilma”, afirmou Caetano.

“A doação ocorreu por meio do Diretório do PMDB. E o depoente já havia assegurado que a contribuição para esse partido tinha sido absolutamente voluntária e regular.” O advogado negou que tenha mudado de estratégia. “Sempre trabalhamos pela improcedência da ação e destacamos que a chapa é única. Não há possibilidade de separação.” Gustavo Guedes, advogado de Temer, também observou “contradições” no depoimento de Otávio Azevedo.

“Não há nenhuma prova nos autos sobre a utilização de dinheiro ilícito na campanha de 2014. O único depoimento que apontaria alguma possível ilicitude se mostrou, no mínimo, frágil”, argumentou Guedes.

A nova tática da defesa de Dilma para “arrastar” Temer ficou ainda mais evidente na quartafeira.

No depoimento de Giles Azevedo, ex-chefe de gabinete da petista, Caetano o questionou sobre a participação de Temer em comícios ao lado da então presidente. O assessor também foi perguntado sobre reuniões com o candidato a vice e visitas feitas por ele ao comitê.

As respostas de Giles reforçaram a vinculação de Temer com a campanha. “Todo mundo quer se salvar. O que eles não querem é que nós nos salvemos e eles, não”, resumiu um interlocutor do presidente. Um ex-ministro de Dilma confirmou este diagnóstico: “Não vamos deixar Temer posar de santo”.

A posição do relator do processo, Herman Benjamin, preocupa tanto o Palácio do Planalto como o PT. Respeitado na Corte, Benjamin dá sinais de que pode causar problemas para Temer, embora tenha ambições de se tornar ministro do Supremo Tribunal Federal, se houver vaga em 2017, com a provável aposentadoria de Celso de Mello. A indicação ao STF é feita pelo presidente.

“Ninguém sabe como vai ser meu voto”, disse Benjamin, ao ser questionado pelo Estado.

“Será um julgamento técnico.

Não tem componente político.”

 

Versões

“Nós fomos surpreendidos por uma mentira quando Otávio Azevedo (ex-presidente da Andrade Gutierrez e delator da Lava Jato) disse, em depoimento ao TSE, que havia uma transferência de R$ 1 milhão do Diretório Nacional do PT para a campanha de Dilma.”

Flávio Caetanos

DEFENSOR DE DILMA ROUSSEFF

 

“Não há nenhuma prova nos autos sobre a utilização de dinheiro ilícito na campanha de 2014. O único depoimento (de Azevedo) que apontaria alguma possível ilicitude se mostrou, no mínimo, frágil.”

Gustavo Guedes

DEFENSOR DE MICHEL TEMER

 

_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Para relator ‘durão’, processo não é político

 
Rafael Moraes Moura

 

Relator do processo que pode mudar os rumos da República, o ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Herman Benjamin tem fama de “durão”, dispensou a sugestão da Polícia Federal de ter um guarda- costas e carrega uma trajetória pautada pelo direito ambiental e a defesa do consumidor.

Corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ele é o relator do processo que pode resultar na cassação da chapa de Dilma Rousseff e Michel Temer nas eleições de 2014.

O ministro, que completa 59 anos hoje, foi indicado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2006. Na Corte, é o relator da Operação Acrônimo, que investiga esquema de corrupção e tráfico de influência que beneficiaria o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT). Em um julgamento marcado por bate-boca entre ministros, sustentou a tese de que a abertura de ação penal contra o petista não depende de uma prévia autorização da Assembleia Legislativa mineira.

“Defendo que o STJ deixe de ser uma casa de repouso para processos criminais de governadores.

Isso não se admite.

Não temos como justificar isso perante o cidadão e a Constituição republicana”, disse Benjamin, que acabou vencido no julgamento.

Depois de assumir a Corregedoria- Geral da Justiça Eleitoral em setembro, o ministro avisou que, diferentemente do impeachment, o processo da chapa Dilma-Temer não é político.

“A Justiça Eleitoral brasileira é um dos principais suportes da nossa democracia e os juízes eleitorais não podem se transformar em juízes de exceção”, afirmou Benjamin a jornalistas no 6.º Encontro Nacional de Juízes Estaduais (Enaje).

Fontes que acompanham as investigações afirmam que o ministro imprimiu um novo ritmo ao processo desde que assumiu a sua relatoria, marcando com rapidez as audiências das testemunhas, as quais sempre tenta acompanhar pessoalmente.

O julgamento deve ficar para 2017, o que levaria, em uma eventual condenação da chapa, à realização de eleições indiretas pelo Congresso.

 

Formação. Natural de Catolé do Rocha, município de 28,7 mil habitantes no interior da Paraíba, Benjamin formou-se em direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e tem mestrado na University of Illinois College of Law, nos Estados Unidos.

Foi membro do Ministério Público de São Paulo de 1982 a 2006, onde atuou na coordenação dos centros de apoio operacional das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente e de Direitos do Consumidor.

Integrou o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) por indicação do então presidente Fernando Henrique Cardoso, sendo reconduzido ao cargo por Lula.