O Estado de São Paulo, n. 44952, 13/11/2016. Política, p. A9

Prefeitos ricos financiam vereadores

 
Daniel Bramatti
Guilherme Duarte
José Roberto de Toledo
Rodrigo Burgarelli

 

Metade dos vereadores eleitos de Betim (MG) possui uma “dívida de gratidão” com Vittorio Medioli (PHS), que tomará posse como prefeito em janeiro. Um dos candidatos mais ricos da eleição municipal de 2016, Medioli pagou do próprio bolso suas despesas eleitorais e ainda injetou R$ 1,9 milhão nas campanhas de 228 concorrentes à Câmara Municipal, 11 dos quais foram eleitos.

Não se trata de um caso isolado.

Segundo levantamento do Estadão Dados, 32 candidatos a prefeito fizeram doações que totalizaram pelo menos R$ 50 mil reais a cada um dos postulantes, dentro de um conjunto de 2.537 colegas de partido ou coligação que concorreram a vagas em câmaras municipais. As contribuições foram tanto em dinheiro quanto em material de propaganda ou combustível.

Os maiores volumes de recursos foram doados por candidatos com patrimônio farto e que bancaram as próprias campanhas, como João Doria (PSDB), em São Paulo, Rubens Furlan (PSDB), em Barueri, e Flori Luiz Binotti (PSD), em Lucas do Rio Verde (MT), além de Medioli – todos eleitos.

Candidatos a prefeito têm um duplo incentivo para contribuir com as campanhas de vereadores.

Em primeiro lugar, eles formam um exército de cabos eleitorais. E também montam antecipadamente uma base de apoio no Legislativo, em caso de vitória.

Em Lucas do Rio Verde, a situação é similar à de Betim: quase a metade dos vereadores eleitos (4 de 9) recebeu ajuda financeira de Flori Luiz Binotti. No total, ele distribuiu R$ 1,14 milhão, sendo que 28 dos 32 beneficiados não passaram pelo teste das urnas.

Binotti doou para sua própria campanha à prefeitura R$ 2,13 milhões, o equivalente a 97% de tudo o que arrecadou. O patrimônio declarado pelo prefeito eleito à Justiça Eleitoral chega a R$ 33,9 milhões. Lucas do Rio Verde, um polo do agronegócio, é uma das cidades mais ricas de Mato Grosso.

Já o patrimônio do prefeito eleito de Betim é dez vezes maior. Segundo candidato mais rico do País, com R$ 352,5 milhões declarados, Medioli doou R$ 4,5 milhões para a própria campanha.

 

Justiça Eleitoral. Em Barueri, Rubens Furlan chegou a contribuir para 331 candidatos. No total, foram R$ 562 mil. Contados os votos, 18 dos 21 vereadores da cidade foram eleitos com a ajuda do candidato a prefeito.

Isso lhe asseguraria quatro anos de mandato praticamente sem oposição. O problema do tucano é com a Justiça: o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pode impedir sua posse, já que o ministro Herman Benjamim acatou parcialmente um recurso que pede a declaração de inelegibilidade de Furlan.

O candidato teve as contas de 2006, 2009, 2010 e 2011 de sua gestão anterior na prefeitura de Barueri reprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP), mas havia obtido decisões favoráveis na primeira e na segunda instâncias da Justiça Eleitoral que mantiveram o registro de sua candidatura neste ano. Seu maior problema era em relação às contas de 2011, que também haviam sido reprovadas pela Câmara Municipal em 2013. Sua justificativa era de que uma nova sessão ocorrida neste ano, após um acordo entre as principais bancadas do Legislativo que o apoiaram na campanha, havia anulado a decisão de 2013.

Para o ministro do TSE, no entanto, o Legislativo não pode anular a reprovação de contas do Executivo. Por isso, ele ordenou que os autos sejam devolvidos ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) para que se analise se há algum vício formal na decisão de 2013. Por meio de nota divulgada anteontem, a assessoria de Furlan afirmou que a decisão de Benjamin “não é definitiva” e que o registro de candidatura “não foi cassado, pois cabe recurso para que o plenário se manifeste a respeito”.

O Estado procurou contato com três dos candidatos a vereador de Betim que mais receberam doações de Vittorio Medioli, Joaquim Pereira Gonçalves (PTC), Tiago Cassiano (PCdoB) e Edson Monteiro (DEM).

Nenhum deles respondeu aos recados deixados com seus assessores.

Medioli não foi localizado.

Em ocasiões anteriores, ele não retornou contatos da reportagem quando procurado.

A assessoria do prefeito eleito Rubens Furlan também foi procurada e não respondeu ao pedido de entrevista.

O prefeito eleito de Lucas do Rio Verde também foi procurado, por intermédio de sua mulher, mas não houve resposta às mensagens enviadas para o telefone celular dela. / COLABOROU PEDRO VENCESLAU

 

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Marketing político faz ‘turno do mea-culpa’

 

Pedro Venceslau

 

Quarenta dias depois da vitória de João Doria (PSDB) no primeiro turno da disputa pela Prefeitura de São Paulo, os responsáveis pela imagem dos principais candidatos se reuniram na quarta-feira passada para um debate inusitado em universidade da capital.

Em clima de descontração e bom humor, os ex-rivais Lula Guimarães (Doria), Angela Chaves (Fernando Haddad), Otávio Cabral (Marta Suplicy) e Duda Lima (Celso Russomanno) praticaram uma sessão pública de “sincericídio” no campus da Universidade de São Paulo (USP), em Ermelino Matarazzo, na zona leste da capital. Eles são representantes da primeira geração classe econômica do atual marketing político afetado pela nova regra eleitoral, que impede a doação empresarial. Até então, marqueteiros consagrados eram contratados a preços de classe executiva.

Diante de uma plateia de estudantes do curso de Gestão de Políticas Públicas da USP, o responsável pela comunicação de Russomanno (PRB), que liderou as pesquisas durante boa parte da campanha, mas acabou em terceiro lugar, surpreendeu ao apontar um dos principais motivos da derrota.

“O Bar do Alemão f. a gente”, disse Duda Lima. Ele se referia aos depoimentos de ex-funcionários de um bar do deputado em Brasília que não teriam recebido direitos trabalhistas.

Revelado pelo Estado, o caso foi usado amplamente no horário eleitoral na TV pela campanha de Marta (PMDB), que chegou a gastar dois terços das inserções para desconstruir o adversário.

“O safado do (Otávio) Cabral esculhambou a gente com a história do Bar do Alemão.

Mas o Lula (Guimarães, de Doria) estava preparado para usar isso também”, brincou o ex-marqueteiro do PRB.

O responsável pela campanha da senadora peemedebista levou na esportiva e explicou a estratégia. “Decidimos bater no Russomanno com o caso do Bar do Alemão porque o voto dele iria para a Marta. No final das contas, acabou indo tudo para o Doria”, refletiu Cabral.

Angela, da campanha do prefeito, entrou na conversa e contou que o episódio também poderia ter sido usado como munição por Haddad. “Eu tinha a informação do Bar do Alemão desde o primeiro dia. Eu almoçava lá. Tinha um ótimo bife à parmegiana.

Mas não usei isso. Seria um erro por causa do alto grau de rejeição do Haddad”, revelou.

Em um momento de autocrítica, Cabral classificou de “erro político” o vereador Andrea Matarazzo (PSD) desistir de ser candidato à Prefeitura para ser o vice na chapa de Marta.

“Doria virou o único disputando os votos azuis enquanto nós três (contratados por Marta, Haddad e Russomanno) ficamos disputando os votos vermelhos da periferia”.

Guimarães, da equipe de Doria, concordou com a análise e foi além. “Doria foi poupado dos ataques porque houve uma subavaliação do potencial dele”.

Sobre Marta, Guimarães afirmou que ela saiu do PT, mas o PT não saiu dela. “Marta tinha uma rejeição dupla. Para o antipetista, ela será sempre petista.

Para o petista, ela ganhou o carimbo de golpista”, concordou Cabral.

 

Derrota petista. Questionada sobre qual teria sido o erro capital da campanha petista, Angela isentou o antipetismo. “A rejeição ao PT não era determinante. Haddad não perdeu por conta do PT, mas pela velocidade da cidade de São Paulo. Não se pode promover uma mudança tão violenta de comportamento sem apoio da comunicação”.

Ela disse, ainda, que a redução da velocidade das marginais foi fator que demorou para ser explorado. “Vimos os três batendo nisso e bingo. As pessoas tinham ódio de andar a 50km/h.” Guimarães rebateu os argumentos.

“Haddad não teve autocrítica, como teve o ACM Neto (candidato do DEM à reeleição em Salvador).

Ele tinha 75% de aprovação em Salvador, mas fez campanha mostrando problemas da cidade que não foram solucionados”, comparou.

A plateia caiu na risada quando o marqueteiro de Doria ironizou o bordão criado por ele para Doria. “Não sou marqueteiro, sou gestor.”

 

Contra Russomanno

“Eu tinha a informação do Bar do Alemão desde o primeiro dia, mas não usei isso. Eu almoçava lá. Seria um erro por causa do alto grau de rejeição do Haddad.”

Angela Chaves

RESPONSÁVEL PELA CAMPANHA DE FERNANDO HADDAD (PT)