O globo, n. 30458, 27/12/2016. Economia, p. 18

Sequência de rombos

 

MÍRIAM LEITÃO

 

O déficit de novembro assustou porque afinal foram R$ 38,4 bilhões, mas ficou até pequeno comparado aos R$ 73 bilhões do rombo que será anunciado para dezembro. Há explicações para esse espantoso mar vermelho de R$ 111 bi em dois meses. O governo tem uma lista de razões e garante que pela primeira vez nos últimos anos entrará num ano novo sem pedaladas.

Um dos truques que já havia se transformado em hábito era fazer de conta que estava pagando um compromisso no ano em curso, quando na verdade estava jogando para o exercício seguinte. Funcionava assim: o governo emitia a ordem bancária para pagamento no último dia útil de um ano, o que levava a operação para o ano seguinte. Agora essa manobra está proibida.

A grande explicação para o déficit de novembro está no superávit de outubro. Naquele mês o resultado positivo foi de R$ 40 bilhões.

— No mês de outubro entrou o dinheiro da repatriação, e nós havíamos segurado várias despesas esperando a entrada dos recursos. Eu acho que a execução prudente era exatamente só liberar depois que o dinheiro da repatriação caísse no caixa — disse a secretária do Tesouro Ana Paula Vescovi.

Em novembro foram pagos os R$ 11 bilhões para os estados, referentes à participação no Imposto de Renda. E no mês de dezembro estão sendo pagos mais R$ 11 bilhões de participação nas multas. Havia outras contas atrasadas que estão sendo quitadas nestes dois meses, como as contribuições para organismos internacionais, que ficaram fortemente atrasadas no governo Dilma, e tarifas bancárias — principalmente devidas ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica — que também vinham sendo postergadas desde 2012.

Em maio, ao assumir o governo, o presidente Michel Temer prometeu realizar todos esses pagamentos que estavam pendurados, mas como só agora os recursos da repatriação chegaram, é nestes dois meses que estão sendo feitos os pagamentos. Se as despesas foram uma herança ruim do governo Dilma, podese argumentar que as receitas também foram herdadas do governo passado, já que foi naquela administração que se propôs a lei da repatriação.

No governo explicase que o grande avanço agora foi evitar qualquer tipo de manobra para protelar ou esconder os pagamentos, como explicou um funcionário da área econômica.

— Pela primeira vez desde 2009, este ano haverá uma “meta limpa”, sem pedaladas, truques, sem números escondidos. Desta vez não está sendo cobrado 100% de dividendos de companhias do governo, nem está havendo mudança de calendários que deixam contas dentro da gaveta. O governo anterior deixou um imenso rombo mascarado — disse uma fonte.

O governo está autorizando o pagamento de parte dos restos a pagar. No fim de 2014 ficaram para 2015 R$ 228 bilhões de restos a pagar. De 2015 para 2016 o passivo foi reduzido um pouco, mas os restos a pagar ainda ficaram em R$ 186 bilhões. Para o ano que vem o número vai encolher porque só neste mês serão quitados R$ 20 bilhões.

Além de despesas atrasadas, o governo atual enfrentou um salto enorme no déficit da previdência causado em parte pela queda da arrecadação e em outra parte pelo aumento do custo dos benefícios. O déficit já estava crescendo, mas o governo passado anunciou que faria uma reforma da previdência e depois não apresentou nenhum projeto.

— As despesas obrigatórias caíram um pouco porque houve auditoria nos programas sociais, e redução de subsídios e subvenções. Ao todo se conseguiu uma economia de R$ 5 bi — disse a secretária do Tesouro.

De qualquer maneira, não basta que a atual administração cumpra a meta. O déficit primário é enorme, aumentou em relação ao ano passado, quando houve pagamentos das dívidas junto aos bancos públicos, as chamadas pedaladas. É fundamental a eliminação de truques, manobras, déficits escondidos porque a partir do ano que vem entrará em vigor a emenda constitucional que estabelece um teto para os gastos, quando será o momento de dar total transparência às contas públicas. A limpeza da estatística é um grande passo, mas é necessário, além disso, reduzir o déficit, porque essa é a única forma de o país defender a estabilidade da economia.