O Estado de São Paulo, n. 44966, 27/11/2016. Política, p. A10

À espera da delação, Valério pinta a casa

Condenado no mensalão tenta há quase um ano acordo com a Lava Jato; ele vai se casar na prisão / Advogada de 46 anos é suspeita de lavagem de dinheiro e de ter se beneficiado de esquema de desvios no Rio

Por: Leonardo Augusto

 

O“operador do mensalão”, Marcos Valério Fernandes de Souza, negocia há quase um ano um acordo de delação premiada no qual promete fazer revelações que levem a conexões entre escândalos do qual foi protagonista e a Lava Jato. A proposta de delação de Valério já possui cerca de 100 anexos, segundo investigadores.

Ao mesmo tempo, o personagem do caso mais rumoroso de corrupção no primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva divide seu tempo entre a pintura de quadros e a leitura de livros para o abatimento da pena de 37 anos de prisão na sentença do mensalão.

Sua produção artística na cadeia e outras atividades de trabalho e estudo já lhe renderam 325 dias a menos em sua condenação, conforme informações do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. A legislação permite ao presidiário quatro horas por dia de trabalho e quatro de estudos.

Valério já pintou mais de duas dezenas de quadros, que segundo seu advogado, Jean Robert Kobayashi Júnior, foram dados como presente a amigos e à namorada baiana Aline Couto Chaves, de 24 anos.

Sem ter progredido de pena ou conquistar, como esperava, o benefício da liberdade como parte da colaboração premiada, o ex-empresário decidiu se casar em dezembro com a universitária.

A cerimônia será realizada na Penitenciária Nelson Hungria, em Contagem, na Grande Belo Horizonte, onde ele cumpre a pena de reclusão.

O casal já se relacionava desde 2013, no período em que o ex-empresário, já separado – mas não oficialmente – de sua primeira mulher, Renilda Santiago, morava em uma fazenda no município de Caetanópolis, na região central de Minas, a 100 quilômetros de Belo Horizonte.

O casamento só foi marcado agora porque o divórcio do relacionamento com Renilda saiu no mês passado.

Há três anos, quando Marcos Valério foi preso e levado para o Presídio da Papuda, em Brasília, onde cumpriu inicialmente sua pena, as duas mulheres protagonizaram uma cena de polícia na cidade do interior mineiro.

Aline, que continuou morando na propriedade, ficou sabendo por funcionários da fazenda que Renilda seguia para Caetanópolis e procurou a polícia. A hoje ex-mulher de Valério foi ao local na época e, com Aline ausente, colocou para fora da casa roupas e objetos pessoais da companheira do ex-marido.

A expectativa da defesa de Valério é de que, na pior das hipóteses, o ex-empresário vá para o regime semiaberto no fim do ano que vem. “Trabalhamos, no entanto, que seja possível a migração para o a prisão domiciliar em meados de 2017”, disse Kobayashi Júnior.

 

Condenações. O ex-operador continua, porém, ameaçado de condenações em outros casos.

Recentemente, o Ministério Público Federal pediu, em alegações finais, sua absolvição em ação penal na Lava Jato que trata do empréstimo de R$ 12 milhões tomado pelo pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente Lula, no Banco Schahin – revelado pelo próprio Valério em tentativa de delação na fase final do julgamento do mensalão. No mesmo documento, a força-tarefa de Curitiba requereu a condenação do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, do empresário Ronan Maria Pinto, e de outros seis acusados.

Valério, porém, vive a expectativa do julgamento da ação penal do chamado mensalão mineiro – esquema de arrecadação ilegal de recursos para a campanha à reeleição de Eduardo Azeredo (PSDB) ao governo de Minas, em 1998, segundo denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR). Uma nova condenação agora poderia prejudicar o abatimento de tempo de sua pena a cumprir, conforme previsto na legislação. Por isso, a insistência de Valério em firmar um acordo de delação que lhe garanta benefícios.

 

Anexos. A proposta de delação de Valério, organizada em anexos, deverá ser entregue formalmente na PGR em meados do próximo mês. Em cada capítulo, o ex-sócio das agências de publicidade SMPB e DNA relata fatos e cita diversos políticos com prerrogativa de foro, entre eles atuais parlamentares federais e estaduais, integrantes e ex-integrantes do Tribunal de Contas do Estado.

Relato sobre as informações que Valério tem, e que agora estão reunidas no pedido de delação, foi repassado a dois procuradores envidados a Belo Horizonte há dois meses pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

Os enviados deixaram a cidade reconhecendo que havia “novidades” no que foi apresentado, sobretudo no que diz respeito à Lava Jato. Esse “algo mais”, conforme um dos envolvidos na negociação, surgiu sobretudo no que está relacionado à operação.

“Vai enriquecer em muito as investigações”, disse Kobayashi Júnior.

As primeiras informações sobre uma possível delação de Marcos Valério surgiram em dezembro do ano passado com o advogado Marcelo Leonardo, que segue como seu representante, mas não na negociação da delação premiada.

A substituição, conforme o defensor do ex-empresário, ocorreu por determinação do próprio Marcos Valério. “Foi uma decisão pessoal”, afirmou Leonardo.

Por causa das negociações envolvendo a delação, o processo do mensalão mineiro, em seu trecho que se refere especificamente a Valério, está paralisado a pedido do Ministério Público de Minas Gerais. Os volumes estão com a promotoria, que deverá se posicionar sobre o retorno da tramitação da ação. A suspensão, por 60 dias, ocorreu em 1.º de julho por determinação da juíza responsável pelo caso, Melissa Pinheiro Costa Lage, da 9.ª Vara Criminal do Fórum Lafayette, na primeira instância da Justiça mineira.

O processo, que começou a tramitar no Supremo Tribunal Federal (STF) em 2009, foi desmembrado. Azeredo, por exemplo, foi julgado em outra ação penal e recorre em liberdade de sentença de 20 anos e 10 meses de prisão por peculato e lavagem de dinheiro.

O processo do ex-vice- governador de Minas Clésio Andrade também corre em separado. Nesse caso, ainda não há sentença.

 

PENA

“Para cada resenha (de livro lido por Marcos Valério) apresentada são descontados 4 dias na pena.”

 

“Trabalhamos, no entanto, que seja possível a migração para o a prisão domiciliar em meados de 2017.”

Jean Robert Kobayashi Jr.

ADVOGADO DE MARCOS VALÉRIO

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A ‘Riqueza’ na vida do ex-governador Cabral

Advogada de 46 anos é suspeita de lavagem de dinheiro e de ter se beneficiado de esquema de desvios no Rio

Por: Gilberto Amendola

 

A “Riqueza” na vida do ex-governador do Rio Sérgio Cabral (PMDB) também atendia pelo nome de Adriana Ancelmo. Na intimidade, esse era o apelido da ex-primeira dama do Estado, de 46 anos – que costumava devolver o gracejo com um singelo “Meu Anjo”. No último dia 22, depois de alguns dias de separação, “Riqueza” visitou “Meu Anjo”. Ele está no Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu, na zona oeste do Rio, para onde foi levado, preso, pela Polícia Federal.

No flagrante fotográfico da visita ao sistema prisional, Adriana usa óculos escuros, uma camiseta clara (acompanhada por uma malha preta e fina sobre os ombros) e brincos vistosos. É possível imaginar que aquele par tenha sobrevivido à devassa policial no apartamento em que ela morava com o marido, no Leblon.

Lá, foram encontrados outros 22 pares de brincos, três colares, sete anéis, uma pulseira, sete relógios e um pingente. Peças caras (ouro, esmeralda, rubi...), compradas em joalherias como H.Stern e Cartier. Em seu conjunto, a foto não transmite sinais de sofrimento. Ao contrário, o que se vê ali é discrição, poder e, claro, a própria “Riqueza”.

Nascida em São Paulo, Adriana mudou com a família para o Rio quando tinha 5 anos. De classe média, estudou em colégios públicos e se formou em direito pela PUC. No período em que Cabral foi presidente da Assembleia Legislativa, em 2001, ela já atuava como procuradora assistente da Casa.

As lendas ao redor do namoro, alimentadas pelo próprio casal, dão conta de que eles se conheceram em um dos elevadores da Alerj – e que foi Adriana quem deu o primeiro passo, apresentando-se para o político ascendente, que presidiu a Assembleia de 1995 a 2002. Na época, ela vivia com o advogado Sérgio Coelho, seu sócio no escritório Coelho, Ancelmo & Dourado. O casamento de Adriana e Cabral ocorreria em 2004, três anos depois do primeiro encontro. Foi descrito como “um festão para 900 convidados, no mítico Copacabana Palace”, por um jornal local.

O casal teve dois filhos.

Adriana não foi uma primeira dama vocacionada. No começo, claro, envolveu-se em projetos sociais, organizou jantares beneficentes e cumpriu o papel de “bela, recatada e do lar”.

Mas, tirando um ou outro momento em que ciceroneou estrelas internacionais do calibre de Madonna e Carla Bruni, Adriana não demonstrou paciência para cumprir o protocolo.

Não à toa, preferiu concentrar- se na advocacia. No começo, ainda no pequeno escritório que mantinha com o ex-marido e, mais tarde, na estrutura mais agigantada da Ancelmo Advogados. Nos dois escritórios, manteve em sua carta de clientes uma série de concessionárias do serviço público estaduais.

Durante o período em que Cabral foi governador esse conflito de interesses foi levantado pelo Estado, mas sempre rechaçado pelo casal.

Embora os quadros do artista plástico pernambucano Romero Britto, apreendidos pela PF durante a Operação Calicute, que levou o “Meu Anjo” para Bangu, passem uma mensagem de “novo riquismo”, Adriana não era uma socialite típica.

Quase não era vista em colunas sociais – salvo um ou outro clique na saída do Gero (restaurante caríssimo do Rio).

Quem a transformou em uma personagem mais midiática foi o ex-governador Anthony Garotinho (PR). Em sua vendeta contra Cabral, Garotinho usava o próprio blog para divulgar fotos da vida “nababesca” do casal.

Na publicação, imagens de Adriana em Paris, exibindo o seu sapato Christian Louboutin, um dos mais caros do mundo (hoje custa R$ 3.380) ou pulando com o marido em um show do U2, em Nice, no sul francês. Garotinho foi “furado”, porém, no caso do anel de ouro, o tal presente de Cabral para a mulher, comprado na famosa joalheria Van Cleef & Arpels, na Place du Casino, em Mônaco, por R$ 800 mil. O mimo teria sido devidamente bancado pelo amigo Fernando Cavendish, cuja construtora cresceu significativamente com obras que ganhou no governo fluminense.

Assim, quando a Operação Lava Jato escancarou o fato de que parte da propina recebida por Cabral seria usada em compras pela ex-primeira-dama, o efeito entre os cariocas não foi aquele “Jura? Não acredito!” Agora, “Riqueza” é suspeita de lavagem de dinheiro e de ser beneficiária do esquema criminoso, que seria chefiado por “Meu Anjo”. Não se sabe o que os dois conversaram em Bangu. Talvez tenham apenas aceitado as novas circunstâncias como coisas da vida.

 

Casal. Adriana Ancelmo e Sérgio Cabral em foto para coluna social durante evento em 2013

 

Fiança

O ex-governador do Rio Anthony Garotinho pagou a fiança de R$ 88 mil estipulada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para revogar sua prisão preventiva. A decisão do TSE impôs restrições.