O Estado de São Paulo, n. 44966, 27/11/2016. Internacional, p. A16

Trump levará à Casa Branca risco de conflito de interesses sem precedentes

A eleição para a presidência dos EUA de um bilionário com negócios em várias países criou uma zona cinzenta que promete levantar dúvidas sobre suas motivações e criar suspeitas que podem, em tese, levar a um pedido de impeachment

Por: Cláudia Trevisan

 

O Donald Trump presidente conseguirá ignorar os interesses do Donald Trump empresário em cada decisão que tomar no Salão Oval da Casa Branca? A eleição sem precedentes de um bilionário com negócios em vários países abriu a possibilidade de inúmeros conflitos de interesse, que prometem levantar dúvidas sobre suas motivações e criar suspeitas que podem, em tese, levar a um pedido de impeachment.

Especialistas em direito constitucional acreditam que será impossível para Trump evitar que muitas das políticas que venha a adotar beneficiem sua intrincada teia de negócios ou as atividades de seus parceiros comerciais dentro e fora dos EUA.

Se o governo impuser regras que dificultem a atuação de sindicatos, por exemplo, isso será visto como favorável a seus hotéis, que têm uma relação contenciosa com organizações que representam seus empregados. A eventual redução das regulações sobre o sistema financeiro também pode ser lida como uma boa notícia para empresas de Trump que dependem de financiamento bancário.

Mesmo que a obtenção de vantagem pessoal não seja a motivação do futuro presidente, a mera aparência de que o conflito deveria ser razão suficiente para Trump realizar um divórcio radical de seus negócios antes de entrar na Casa Branca em 20 de janeiro, afirmam constitucionalistas e entidades que atuam no combate à corrupção e na defesa da transparência na administração pública.

Para eles, só existe um caminho capaz de evitar as inevitáveis suspeitas de impropriedade: a transferência de todos os negócios de Trump para administradores independentes e de identidade desconhecida, que teriam a responsabilidade de vender os ativos e aplicar os recursos obtidos em investimentos que não levantem a possibilidade de conflito de interesse.

Outro caminho sugerido é a venda da participação de Trump em seus negócios e a aplicação dos recursos em títulos do Tesouro americano ou fundos diversificados de investimentos.

"Entendemos que esse arranjo demandaria que você corte o relacionamento com os negócios que levam seu nome e no qual você investiu o trabalho de uma vida", disse documento enviado a Trump na semana passada por vários signatários, entre os quais Norm Eisen e Richard Painter, responsáveis por questões éticas na Casa Branca nos governo de Barack Obama e George W. Bush, respectivamente. "Mas qualquer que seja o desconforto pessoal causado, não há alternativa aceitável e seus deveres com o povo americano agora têm de prevalecer sobre seus laços pessoais com os negócios da Organização Trump."

Mas o presidente eleito deixou claro que não pretende adotar nenhuma dessas medidas. Para ele, a transferência da gestão dos negócios para seus filhos será suficiente. "Isso é totalmente inadequado, pois ele ainda saberá como suas decisões afetarão seus negócios", disse ao Estado Michael Dorf, professor de Direito Constitucional da Universidade Cornell.

Em sua avaliação, o potencial conflito de interesses levanta a possibilidade de enriquecimento ilícito da família Trump, abre caminho para distorções de políticas governamentais e cria um ambiente propício para a corrupção. "Há muitas decisões que podem ser justificadas do ponto de vista do interesse público, mas que também têm consequência para os negócios privados."

Dorf faz um paralelo com o caso de juízes que devem se declarar suspeitos quando têm interesses financeiros em uma das partes em disputa. "Ainda que haja bons argumentos para dar vitória ao lado no qual ele tem investimentos, não se deseja que ele esteja nessa posição, pois não sabemos qual é sua motivação."

Os menos de 20 dias transcorridos desde a eleição deixaram evidente que as possibilidades de conflito são inúmeras. Pouco após a vitória de Trump, seu novo hotel em Washington realizou uma recepção para cerca de cem diplomatas de outros países, com o objetivo de promover o endereço como local de hospedagem de delegações estrangeiras.

"Por que eu não ficaria neste hotel a poucas quadras da Casa Branca, para poder dizer ao novo presidente ‘eu adorei o seu novo hotel?’ Não seria rude vir à cidade e dizer ‘eu estou hospedado em um de seus concorrentes?’", disse um diplomata asiático ao Washington Post.

O episódio levou especialistas a levantarem o espectro do impeachment com base em uma cláusula constitucional que proíbe o presidente de receber presentes de países estrangeiros. Segundo eles, Trump correrá o risco de desrespeitar a determinação se suas empresas receberem pagamentos superiores aos preços de mercado por seus serviços.

Em entrevista ao New York Times na terça-feira, o bilionário reduziu os riscos representados por seus negócios. "A lei está totalmente do meu lado. Um presidente não pode ter conflito de interesses", afirmou. "Em teoria, eu poderia gerir meus negócios perfeitamente e administrar o país perfeitamente. Nunca houve um caso como este."

A legislação americana exige que funcionários públicos se desfaçam de negócios que podem provocar conflitos com o exercício de seus cargos, mas o dispositivo não se aplica ao presidente. Ainda assim, especialistas ressaltam que o mandatário está sujeito às regras de combate à corrupção e às restrições de recebimento de presentes de estrangeiros.

"A possibilidade de que seus negócios sejam beneficiados por suas decisões é a própria definição de conflito de interesse", observou Erwin Chemerinsky, professor de Direito Constitucional da Universidade da Califórnia em Irvine.

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Donald Trump em suas próprias palavras

Depois de eleito presidente dos Estados Unidos, republicano suavizou suas propostas em vários temas, como na ideia de processar a adversária Hillary Clinton, ou acabar totalmente com o Obamacare, a reforma de saúde de Barack Obama

Por: Helio Gurovitz

 

Lembra o cabelo dele? Continua o mesmo. Mas o discurso… quanta diferença! A seguir, uma seleção de frases ditas (ou tuitadas) por Donald Trump, antes e depois de eleito presidente dos Estados Unidos.

- Hillary Clinton

“Deveria ter sido processada e estar na cadeia”

TWITTER, 15/10/2016

“Mandaremos um procurador especial examinar o caso”

DEBATE PRESIDENCIAL, 9/10/2016 

“Não quero machucar os Clintons, realmente não… é algo que não me desperta muita vontade”

THE NEW YORK TIMES, 22/11/2016

- Tortura

“Tortura funciona, ok, pessoal? E ‘waterboarding’ é uma forma menor. Nem é tortura. Precisamos ser muito mais fortes”

COMÍCIO NA CAROLINA DO SUL, 17/2/2016

“Certamente não faz - nem fará o tipo de diferença que muita gente pensa. Se for tão importante para o povo americano, eu seria a favor”

THE NEW YORK TIMES, 22/11/2016

- Muro na fronteira mexicana

“Vou construir um muro grande, grande, na nossa fronteira Sul. E farei o México pagar por esse muro. Guarde essas palavras”

ANÚNCIO DA CANDIDATURA, 16/6/2015

“Não é uma cerca, Jeb, é um MURO, e há uma GRANDE diferença”

TWITTER, 25/8/2015

“Em algumas áreas, um muro é mais adequado… é, poderia, poderia haver algumas cercas”

60 MINUTES, 13/11/2016

- Expulsão de imigrantes

“Temos pelo menos 11 milhões de pessoas neste país que entraram ilegalmente. Terão de sair”

DEBATE ENTRE PRÉ-CANDIDATOS REPUBLICANOS, 25/2/2016

“O que faremos é reunir as pessoas que são criminosas e têm ficha criminal, integrantes de gangues, traficantes de drogas. Tem muita gente assim, talvez 2 milhões, ou até 3 milhões. Vamos tirá-los do país ou prendê-los”

60 MINUTES, 13/11/2016

- Alt-right e supremacistas

“Ele me apoiou ou o quê? Não sei nada sobre David Duke (ex-líder da KKK)”

CNN, 28/02/2016

“Não quero energizar esse grupo (a alt-right) e repudio esse grupo”

NEW YORK TIMES, 22/11/2016

- Mudanças climáticas

“O conceito de aquecimento global foi criado pelos e para os chineses, de modo a tornar a indústria americana não competitiva”

TWITTER, 6/11/2012

“Não acredito muito em mudança climática causada pelo homem”

THE WASHINGTON POST, 21/3/2016

“Acho que há alguma conexão. Alguma, algo. Depende quanto. Depende também de quanto custará às nossas empresas”

THE NEW YORK TIMES, 22/11/2016

- Acordo de Paris

“Vamos cancelar o Acordo Climático de Paris e parar com todos os pagamentos de impostos americanos aos programas de aquecimento global da ONU”

COMÍCIO EM DAKOTA DO NORTE, 26/05/2016

“Tenho uma mente aberta em relação a ele (o acordo). Vamos olhar com muito cuidado”

THE NEW YORK TIMES, 22/11/2016

- Obamacare

“É um desastre. Precisamos revogá-lo e substituí-lo por algo bem mais barato”

DEBATE PRESIDENCIAL, 9/10/2016

“Será emendado, ou revogado e substituído”

WALL STREET JOURNAL, 11/11/2016

“[A cobertura para doenças anteriores] é um dos maiores ativos, também para filhos que vivem com os pais por longos períodos, vamos tentar manter tudo isso.”

60 MINUTES, 13/11/2016 

- Imprensa

“Vou abrir nossas leis contra difamação para que, quando escreverem de propósito artigos negativos e falsos, possamos processá-los e ganhar muito dinheiro”

COMÍCIO EM FORT WORTH, TEXAS, 26/02/2016

“Acho que vocês ficarão contentes. Disseram pra mim: ‘Sabe, relaxar essas leis é uma grande ideia, mas você também poderá ser processado bem mais’. Então falei: ‘É, tem razão, nunca tinha pensado nisso’”

THE NEW YORK TIMES, 22/02/2016

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Trump tem negócios em 18 países diferentes

Magnata diz que passará negócios aos filhos, mas não deixou totalmente suas empresas

Por: Cláudia Trevisan

 

 

WASHINGTON - Logo após sua eleição, Donald Trump se reuniu com Nigel Farage, líder do Brexit, que apoiou sua candidatura. Além de política, o encontro serviu para o futuro presidente pedir o empenho do aliado para barrar a instalação de turbinas eólicas em frente ao seu campo de golfe na Escócia, o que tornaria menos atraente a vista para seus hóspedes.

Após o encontro, Trump sugeriu pelo Twitter que Farage fosse nomeado embaixador britânico nos EUA, o que foi rejeitado por Londres. O caso é um exemplo das inúmeras situações em que os interesses do bilionário se entrelaçam com as relações diplomáticas do país que comandará a partir de janeiro. 

Constitucionalistas consideram inevitável a existência de conflitos que levantarão questionamentos sobre as decisões de Trump em política externa: sua lealdade será com suas empresas ou com o interesse dos EUA? Levantamento do Washington Post revelou que pelo menos 111 companhias de Trump têm negócios em 18 países de América do Sul, Ásia e Oriente Médio. 

No Brasil, sua organização tem um hotel, inaugurado na véspera da Olimpíada, e um projeto para construção de cinco torres no Porto Maravilha, ambos no Rio. Anunciado em 2012, o empreendimento de US$ 2,1 bilhões não saiu do papel, mas é alvo de investigação de procuradores federais por suspeita na liberação de recursos do FGTS.

Durante a campanha, Trump reconheceu que seus negócios com pelo menos um país poderiam afetar suas decisões na Casa Branca. “Tenho um pequeno conflito de interesse porque tenho um grande edifício em Istambul e é um trabalho tremendamente bem sucedido”, disse Trump ao ser perguntado se a Turquia seria parceira confiável no combate ao terrorismo.

Um dos maiores bancos estatais da China, o Bank of China é credor da Organização Trump, que também deve milhões de dólares ao Deutsche Bank, instituição que negocia o pagamento de multa com o Departamento de Justiça americano por irregularidades no mercado de hipotecas. Apesar do anúncio de que transferirá os negócios para os filhos, Trump não se afastou totalmente da organização. Dez dias após sua vitória, ele se reuniu com seus sócios na Índia, onde tem cinco projeto imobiliários de luxo. Do encontro participaram seus filhos Ivanka, Eric e Donald Trump Jr., que comandarão suas empresas.