O Estado de São Paulo, n. 44964, 25/11/2016. Política, p.A4

 

Calero diz à PF que Temer o pressionou por obra

Andreza Matais, Vera Rosa, Fabio Serapião, Beatriz Bulla e Tânia Monteiro

 

 

O ex-ministro da Cultura Marcelo Calero disse, em depoimento à Polícia Federal, que o presidente Michel Temer o “enquadrou” com o objetivo de buscar uma saída para o impasse na liberação de um empreendimento imobiliário, em Salvador, onde o ministro-chefe da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, diz ter comprado apartamento na planta. Na semana passada, ao deixar o cargo, Calero já havia acusado o ex-colega de Esplanada de pressioná-lo para que a obra fosse autorizada.

O Estado apurou que o ex-ministro gravou conversas com Temer, com Geddel e com o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, que também o teria procurado para tratar do caso (mais informações nesta página).

As acusações aumentaram a crise no governo ao atingir diretamente o presidente. Temer tem resistido a demitir Geddel. Uma reunião de emergência foi convocada ontem à noite, no Palácio do Planalto, para tentar encontrar formas de reagir às acusações.

À noite, integrantes da oposição falavam em pedir o impeachment de Temer.

O depoimento de Calero foi encaminhado pelo Supremo Tribunal Federal à Procuradoria- Geral da República e a tendência é que seja aberta uma investigação formal sobre o caso.

No despacho em que trata das declarações, a PF pede a abertura de inquérito.

O ex-ministro falou aos policiais no sábado passado, um dia depois de pedir demissão. Calero contou ao delegado Josélio Azevedo, lotado na Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado, no Rio, que Temer o pressionou para que “construísse uma saída” no episódio do processo da obra embargada e encaminhasse o caso à Advocacia-Geral da União (AGU).

De acordo com ele, Temer disse que a decisão do Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan), barrando a construção do prédio, havia criado “dificuldades operacionais” em seu gabinete, já que Geddel se encontrava “bastante irritado”.

O ministro da Secretaria de Governo é investigado pela Comissão de Ética da Presidência, que abriu processo administrativo na segunda-feira.

Queixa. Investigadores afirmam que Calero relatou ter procurado Padilha para se queixar de Geddel, mas foi surpreendido com nova pressão. O ex-ministro, então, “subiu mais um degrau”, nas palavras de um investigador, e procurou Temer.

Quando, novamente, recebeu mais pressão. A conversa com Temer ocorreu no Planalto no dia 17, véspera do pedido de demissão de Calero.

Ainda segundo o ex-ministro, o presidente o “convocou” e lhe disse que a chefe da AGU, Grace Mendonça, teria uma “solução” para o caso da obra embargada pelo Iphan. No fim do diálogo, o presidente ainda teria tentado amenizar a situação, dizendo que a “política tinha dessas coisas, esse tipo de pressão”.

“Que na quinta, 17, o depoente foi convocado pelo presidente Michel Temer a comparecer no Palácio do Planalto; que nesta reunião o presidente disse ao depoente que a decisão do Iphan havia criado ‘dificuldades operacionais’ em seu gabinete, posto que o ministro Geddel encontrava- se bastante irritado; Que então o presidente disse ao depoente para que construísse uma saída para que o processo fosse encaminhado à AGU, porque a ministra Grace Mendonça teria uma solução”, diz a transcrição do depoimento.

Em nota divulgada ontem, Grace diz que jamais recebeu orientações para direcionamento nas manifestações do órgão e que tampouco aceitaria qualquer tipo de interferência.

‘Razões técnicas’. O ex-ministro afirmou à PF ter ficado surpreso com Temer porque um dia antes, em jantar no Alvorada, ele havia dito para ficar tranquilo já que, se Geddel o procurasse, afirmaria que não seria possível atender ao pedido por “razões técnicas”. No outro dia, porém, Padilha telefonou para Calero. O chefe da Casa Civil perguntou como Geddel poderia recorrer da decisão do Iphan.

Em nota, Padilha, admitiu ter procurado o ex-titular da Cultura para tratar sobre o imbróglio e sugeriu que, diante da “controvérsia entre os órgãos públicos federais”, buscasse uma solução com a AGU. Mas Calero, segundo Padilha, ignorou.

À PF, o ex-ministro disse ter se sentido “decepcionado” após a conversa com Temer.

“Que sentiu-se decepcionado também pelo fato de não ter mais a quem reportar-se a fim de solucionar esta situação”, diz outro trecho da transcrição do depoimento.

Para o Planalto, Calero tem pretensões políticas e agiu de forma premeditada ao retornar ao gabinete de Temer, pela segunda vez, no mesmo dia, desta vez com um gravador. O Estado não localizou o ex-ministro. 

A CRISE

Ministro pediu para sair 

Demissão

Marcelo Calero pede demissão do Ministério da Cultura na sexta- feira. Em entrevista, ele cita pressão de Geddel Vieira Lima para aprovar o edifício La Vue, no centro histórico de Salvador, opondo decisão do Iphan.

Corrupção

No sábado, Calero volta a acusar o ministro-chefe da Secretaria de Governo de pressionálo pela aprovação da obra. “Não desejo a ninguém estar diante de uma pressão política, claramente um caso de corrupção.” l Admissão Geddel admite ter tratado do tema com Calero. “Qual a imoralidade que há em tratar desse tema com um colega meu?” l Decisão O presidente Michel Temer, anuncia, na segunda-feira, que Geddel fica no cargo. 

Investigação

A Comissão de Ética Pública da Presidência volta atrás e abre processo, por unanimidade, para investigar o caso. Antes, o conselheiro José Leite Saraiva Filho, indicado por Geddel, havia pedido vista.

Suspeição

Na quarta-feira, Saraiva decide que não vai votar no processo contra Geddel, após revelação de que ele é advogado de entidade de construtoras na Bahia, entre elas, a Cosbat, responsável pelo La Vue.

Convocação

Após a atuação do governo, deputados da base aliada rejeitam pedidos para convocar o ministro-chefe da Secretaria de Governo a dar explicações sobre a denúncia de tráfico de influência feita por Calero.

Paralisação

A Justiça Federal determina a imediata paralisação das obras e a suspensão da  omercialização das unidades habitacionais do La Vue.