O Estado de São Paulo, n. 44967, 28/11/2016. Política, p. A5

Calero afirma que gravou conversa por telefone com Temer

Ex-ministro classifica como ‘burocrático’ e ‘protocolar’ o diálogo gravado com o presidente, a quem acusou de lhe propor ‘chicana’

Por: Mariana Durão

 

O ex-ministro da Cultura Marcelo Calero confirmou em entrevista ao programa Fantástico, da TV Globo, ter gravado um diálogo com o presidente da República, Michel Temer (PMDB), e outros membros do governo. O diplomata contou ter gravado algumas conversas telefônicas seguindo a orientação de amigos policiais federais, entre as quais a conversa com Temer sobre sua demissão. Calero afirmou também ser alvo de uma campanha difamatória e acusou o governo de agir por interesses particulares.

Marcelo Calero negou ter pedido um encontro com o presidente para gravar a audiência “de maneira ardilosa” e disse que a boataria tem como objetivo mudar o foco das atenções.

Ele afirmou que fez gravações telefônicas para se proteger e “ter um mínimo lastro probatório em seu depoimento”.

“Entre essas gravações (telefônicas), existe uma gravação do presidente da República, mas absolutamente burocrática.

Inclusive fiz questão que essa conversa fosse muito protocolar, que é a conversa da minha demissão”, disse, ressaltando ter tido a preocupação de não induzir o presidente “a criar prova contra si”.

Questionado se havia gravado conversas com o agora ex-ministro Secretaria de Governo Geddel Vieira Lima e o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, Calero disse que não poderia revelar os interlocutores das gravações porque isso poderia atrapalhar as investigações.

O ex-ministro se tornou o pivô de uma grave crise política no governo Temer ao entregar o comando da pasta no dia 18, afirmando ter sido pressionado por Geddel, Padilha, e pelo próprio presidente para que o Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan) alterasse um parecer que embargou a obra do empreendimento La Vue, em Salvador, onde Geddel comprou um apartamento.

Em depoimento à Polícia Federal no dia seguinte à sua saída, Calero disse que Temer o “enquadrou” para tentar buscar uma saída para o impasse na liberação da construção.

Na entrevista ao Fantástico, ele reiterou as declarações feitas à PF. De acordo com Calero, em um primeiro momento Temer disse que resolveria o caso com Geddel, mas mudou de ideia e pediu que ele enviasse o processo à Advocacia-Geral da União (AGU), dizendo que a ministra Grace Mendonça, responsável pelo órgão, resolveria a questão de maneira que ficasse “bom para todos”. “Em menos de 24 horas, todo aquele respaldo que ele (Temer) me havia garantido, ele me retira e me determina que eu criasse uma manobra, um artifício, uma chicana, como se diz no mundo jurídico, para que o caso fosse levado à AGU”, afirmou Calero.

_______________________________________________________________________________________________________

‘Gravar um presidente da República é quase indigno’

Por: Daiene Cardoso / Luísa Martins / Beatriz Bulla / Fabio Serapião

 

O presidente Michel Temer criticou a atitude do ex-ministro da Cultura Marcelo Calero, que informou à Polícia Federal ter gravado conversas em que, supostamente, é pressionado a agir politicamente em nome de interesses particulares do ex-ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima – que também pediu demissão.

“Gravar um presidente da República é desarrazoável, quase indigno”, disse Temer, durante entrevista coletiva com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).

“Eu jamais teria coragem.” O presidente afirmou que, para reafirmar o compromisso com a transparência, considera solicitar ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI) que passe a gravar todas as audiências públicas em que ele esteja presente. “Aproveitando essa gravação clandestina, talvez façamos desse limão uma limonada institucional”, disse Temer.

Proposta. A ideia de Temer de gravar todas suas reuniões se opõe à proposta anunciada pelo ministro-chefe do GSI, general Sérgio Etchegoyen, em entrevista ao Estado publicada ontem.

O general disse estudar “soluções tecnológicas” para blindar o gabinete do presidente de novas tentativas de gravações, fortalecendo o esquema de segurança em todo o Palácio do Planalto.

A suposta gravação feita por Calero está sendo investigada pela Polícia Federal, sob sigilo, no âmbito do caso Geddel. / DAIENE CARDOSO, LUÍSA MARTINS, BEATRIZ BULLA e FABIO SERAPIÃO

 

Daiene Cardoso / Luísa Martins / Beatriz Bulla / Fabio Serapião

_______________________________________________________________________________________________________

Geddel diz que já pagou R$ 1,9 mi por imóvel

Ex-ministro afirma que ainda deve R$ 1 milhão e agora é apenas ‘babá’ do seu filho de 7 anos

Por: Valmar Hupsel Filho

 

No domingo que encerrou a semana de seu calvário político, o ex-ministro da Secretaria de Governo Geddel Vieira Lima recebeu o Estado em sua casa, no bairro do Chame-Chame, em Salvador, para, em suas palavras, encerrar suas declarações sobre as denúncias que lhe custaram o cargo.

Geddel mostrou cheques em seu nome e de empresas que usam suas iniciais (GVL) e a de seus pais (MA) para reafirmar que investiu no apartamento 2301 do Edifício La Vue, na capital baiana. Sua intenção é desfazer afirmações de que seria sócio oculto do empreendimento.

O ex-ministro diz ter assinado a promessa de compra e venda do imóvel “em meados de 2014” e já ter pago R$ 1,9 milhão pelo apartamento – mais R$ 1 milhão seria pago em duas parcelas de R$ 500 mil, uma este ano e outra no final de 2017, na entrega das chaves.

Apesar do investimento, seu nome e o das empresas citadas por ele não aparecem na ata da convenção do condomínio assinada em setembro de 2015. Segundo Geddel, porque era uma promessa de compra e venda, ainda que o pagamento já tivesse sido efetuado.

“A empresa de minha prima está lá na ata e ela desistiu da compra”, afirmou.

O ex-ministro não permitiu que a reportagem tirasse cópias dos documentos que apresentará à Comissão de Ética da Presidência e ao Ministério Público. Também não autorizou qualquer registro da entrevista. “Não vai fazer que nem o (Marcelo) Calero não, hein?”, brincou, citando o ex-ministro da Cultura, que afirma ter gravado conversas em que Geddel o teria pressionado a aprovar o empreendimento fora das regras do Iphan. O caso culminou com o pedido de demissão de Geddel na última sexta- feira, acompanhado de perto por jornalistas e manifestantes em frente ao prédio onde mora, na Bahia.

Geddel diz não saber o que será feito do empreendimento após a suspensão das obras por decisão da Justiça. “Quero sarar o lombo e pensar no que fazer daqui para a frente.” De camisa regata, jeans e sandálias, brincou: “A partir de hoje, sou babá”, em referência ao filho, Geddelzinho, de 7 anos.

 

‘Suíno’. O ex-ministro também comentou o apelido de “Suíno” que teria recebido no colégio Marista de Brasília, onde estudou com o cantor Renato Russo, morto em 2006, do qual ele diz não se recordar.

“Nunca fui chamado de Suíno. Aliás, nem lembro de Renato Russo nenhum no colégio.

Ele não era ninguém”. A história – e a desavença com Renato – é narrada na biografia do cantor, O Filho da Revolução, de Carlos Marcelo.