Alívio da repatriação

Martha Beck

04/11/2016

 

 

Arrecadação faz técnicos do governo projetarem redução de R$ 10 bi no rombo deste ano

 

A equipe econômica já trabalha com um cenário fiscal mais positivo tanto para este ano quanto para 2017. Diante do desempenho favorável da arrecadação com o programa de repatriação — que injetou R$ 50,9 bilhões nos cofres do governo —, os técnicos começaram a refazer seus cálculos e preveem uma melhora de R$ 10 bilhões no resultado do setor público consolidado. Caso isso se concretize, o déficit primário deste ano passará de R$ 163,9 bilhões para R$ 153,9 bilhões.

O otimismo em relação a 2017, por sua vez, vem de duas fontes: a reabertura da repatriação, que será proposta pelo Senado na semana que vem, e a aplicação do teto para os gastos públicos, cuja proposta de emenda constitucional (PEC) deve ser aprovada pelo Legislativo até o fim deste ano. Segundo os técnicos do governo, uma segunda chance para os contribuintes regularizarem ativos mantidos ilegalmente no exterior não renderá os quase R$ 51 bilhões deste ano, mas será um reforço importante de arrecadação. Os parlamentares estimam que o valor pode chegar a R$ 30 bilhões. Assim, há potencial para que o rombo de 2017, estimado em R$ 143,1 bilhões, também seja menor.

De acordo com integrantes da área econômica ouvidos pelo GLOBO, a União ficará com R$ 37 bilhões dos recursos da repatriação em 2016, pois R$ 12 bilhões irão para as mãos de prefeitos e governadores. Desses R$ 37 bilhões, cerca de R$ 20 bilhões devem ser usados para quitar restos a pagar (despesas de anos anteriores). O restante vai compensar frustração de receitas, aumentos de despesas — especialmente com a Previdência Social — e um déficit no resultado primário das estatais. Pelos cálculos do governo, mesmo assim, pode restar uma sobra de R$ 5 bilhões para a União melhorar suas contas.

Já o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou ontem que, até a próxima segunda-feira, dará mais detalhes sobre a destinação dos recursos arrecadados com a repatriação.

 

AJUDA TAMBÉM PARA OS ESTADOS

Os estados e os municípios também devem conseguir aumentar seu resultado, por conta dos recursos da repatriação, em R$ 5 bilhões. Assim, a melhora no setor público seria, no total, de R$ 10 bilhões. Até setembro, essas contas apresentam um resultado negativo de R$ 85,5 bilhões. Somente o governo central (composto por Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) tem um déficit de R$ 94,5 bilhões, enquanto o rombo das estatais é de R$ 1 bilhão.

A estratégia de usar a receita da repatriação para quitar restos a pagar faz parte de um esforço do governo para limpar esse estoque, que supera os R$ 60 bilhões. Segundo os técnicos, isso transmite ao mercado um sinal de que o governo está comprometido em melhorar suas contas e não quer “jogar” gastos para frente. A secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi, já se referiu aos restos a pagar como “compromissos do passado interrompidos” e disse que o Brasil não pode passar por um processo de consolidação fiscal sem considerar esses compromissos.

Este ano, a equipe econômica já acelerou a quitação desses gastos. De acordo com dados do Tesouro, entre janeiro e setembro, os desembolsos com restos a pagar somaram R$ 27,1 bilhões. Esse valor corresponde a um aumento de 18,3% em relação ao mesmo período de 2015, quando o montante chegou a R$ 22,9 bilhões.

O governo, no entanto, ainda enfrenta algumas incertezas para consolidar um quadro fiscal mais favorável em 2016. Uma delas é que os governadores querem uma fatia maior dos recursos da repatriação. Um grupo de 12 estados, incluindo Minas Gerais, Santa Catarina, Goiás e Bahia, já ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma ação cível originária (ACO), solicitando que o montante obtido com a multa paga pelos contribuintes que regularizaram ativos no exterior seja repartido pela União com os governos regionais.

 

RECEITA TEME BRECHAS EM NOVO PROGRAMA

Dos R$ 50,9 bilhões arrecadados com a repatriação, metade é referente ao Imposto de Renda (IR), cuja alíquota foi de 15%, e o restante, à multa, também de 15%. No entanto, a equipe econômica entende que apenas a parcela de IR deve ser partilhada com governadores e prefeitos. Na ACO, os estados alegam ter direito à multa e pedem que seja concedida uma liminar em caráter de urgência garantindo esse repasse.

“Há um crédito tributário único, devido e arrecadado pela União, e que, portanto, em razão de sua natureza unitária, deve ser inserido na integralidade na composição do cálculo dos valores devidos ao Fundo de Participação dos Estados (FPE)”, argumenta a ação.

Para os estados, a urgência desse pagamento se justifica porque, em caso contrário, os estados deixariam de receber “verbas decorrentes de transferências constitucionais obrigatórias da União, que são essenciais à consecução de suas atividades públicas na saúde, na educação, na segurança pública e demais áreas de inegável relevância social.” O processo está com o ministro Luís Roberto Barroso.

Segundo os integrantes da equipe econômica, a partilha da multa obtida em 2016 não se justifica. No entanto, há espaço para negociar com os governadores uma divisão mais generosa dos recursos na reabertura da repatriação em 2017.

— Pode ser feito um acordo mais pró-estados na próxima lei de repatriação — disse um interlocutor da área econômica.

Com as bênçãos do Palácio do Planalto, o presidente do Senado, Renan Calheiros, vai apresentar, na próxima terça-feira, um novo projeto para a reabertura da repatriação a partir de 1º de janeiro. A ideia é aprovar o texto em rito sumário no Senado e na Câmara ainda este ano, de modo que mais recursos ingressem no país até março de 2017. Os termos do novo programa, no entanto, seriam um pouco diferentes. O presidente nacional do PMDB, senador Romero Jucá (RR), explicou que a ideia é aumentar o IR cobrado dos contribuintes de 15% para 20%.

A Receita Federal é contra a medida. Seus integrantes temem que os parlamentares usem esse novo projeto para abrir brechas. Uma delas seria passar a permitir que políticos e seus familiares possam regularizar ativos, o que foi proibido este ano. Isso seria uma forma de beneficiar, por exemplo, a mulher do ex-deputado Eduardo Cunha, Cláudia Cruz, que tentou ingressar na anistia e teve o pedido rejeitado. Jucá, no entanto, defendeu que essa proibição seja mantida.

 

 

O globo, n. 30405, 04/11/2016. Economia, p. 19.