Cláudia Trevisan
Centenas de milhares de cubanos passaram ontem pela Praça da Revolução, em Havana, para prestar sua última homenagem a Fidel Castro, o líder que moldou a identidade do país durante cinco décadas e morreu na noite de sexta- feira aos 90 anos.
Não havia choro ostensivo ou comoção na multidão que aguardou durante horas pela oportunidade de passar diante de uma foto de 1959, na qual o comandante aparece com uniforme, boné e uma mochila nas costas, logo depois da vitória contra Fulgencio Batista.
Abaixo da foto, havia coroas de flores, medalhas e objetos pessoais de Fidel. Muitos foram ao local de maneira espontânea, mas grande parte dos visitantes chegou em caravanas organizadas pelas inúmeras estatais e universidades, que também são oficiais. O clima era um misto de encontros de amigos, celebração e despedida.
Era comum o uso de superlativos para definir o revolucionário.
“O mais universal de todos os cubanos e o chefe de Estado mais querido em todo o mundo”, disse Leonel Limanta, de 62 anos, maestro do grupo de salsa Azúcar Negro. Limanta foi à praça com 14 integrantes de sua banda.
Nos arredores da praça, havia um local designado para o encontro de músicos que passariam diante da foto. O corpo do líder cubano foi cremado no fim de semana e as cinzas serão levadas para Santiago de Cuba, a cidade onde ele declarou a vitória da Revolução no dia 1.º de janeiro de 1959. O trajeto, que começará amanhã, será inverso ao que Fidel percorreu na época, em direção a Havana.
Em vários locais da capital e em outras cidades do país, Comitês de Defesa da Revolução e empresas estatais criaram livros de condolências a serem assinados pela população. Apesar do luto oficial de nove dias, ontem não foi feriado.
Adeus. Lumey Sutie Souza, de 36 anos, foi à praça com outros funcionários da Emprestur, estatal ligada ao Ministério do Turismo. Como vários dos empregados públicos, ela foi levada ao local em um ônibus fornecido pela companhia.
Funcionária do Ministério da Cultura, a cantora Leonor Zayas Rodriguez, de 58 anos, foi ao funeral por conta própria, acompanhada do colega Adrian Reyes, de 73 anos. Leonor disse que Fidel foi fundamental para sua família. “Meus pais foram alfabetizados graças a ele, que também promoveu a independência das mulheres, o que mudou a vida da minha mãe.” Para Reyes, os cubanos devem olhar Fidel como um líder que continuará vivo, não como um ser humano que morreu.
A Universidade de Havana organizou uma caravana com dezenas de ônibus para levar seus estudantes à praça. Milhares deles caminharam em uma passeata em direção ao local gritando palavras de ordem como “o povo sente, Fidel está presente”.
“Viemos homenagear nosso comandante e o triunfo da Revolução”, disse a estudante de Letras Gisselle Recunrrell, de 19 anos. “Perdemos um pai”, afirmou Daniel Llanes, de 20 anos, estudante de Matemática.
Muitos dos universitários tinham o nome de Fidel pintado no rosto e levavam na roupa símbolos da Revolução Cubana.
As referências que faziam a Fidel ecoavam o discurso oficial que o apresenta como o arquiteto da Cuba revolucionária e responsável por levar saúde e educação gratuitas ao país.
“Fidel mudou a dinâmica da população cubana”, disse o estudante de biologia Jhonni Quintana, de 20 anos. A seu lado, a colega Rosa Ibañez, de 19 anos, exagerou o impacto do líder: “Graças a ele estamos estudando e não temos preocupação”.
Quintana e Ibañez hesitaram quando a reportagem perguntou o que pretendiam fazer após concluírem a universidade.
No fim, a resposta também teve um caráter oficial: “Gostaria de trabalhar em um dos institutos de pesquisa do país”. A perspectiva não é promissora.
O salário médio pago pelo Estado é de US$ 20.
A faxineira Elba Fernández Noris, de 54 anos, foi sozinha prestar homenagem ao líder.
“Sou fidelista. Tudo o que tenho devo ao comandante.” Elba mencionou o exemplo de seu marido para justificar sua gratidão: “Ele faz hemodiálise três vezes por semana e não pagamos nada por isso”.
Praça da Revolução. Cubanos e turistas aguardam em fila para assinar livros de condolências no memorial a José Martí; alunos de universidades e trabalhadores chegaram ao local em caravanas
Agradecimento
“Meus pais foram alfabetizados graças a ele, que também promoveu a independência das mulheres, o que mudou a vida da minha mãe.”
Leonor Zayas Rodriguez
CANTORA DE 58 ANOS