O Estado de São Paulo, n. 44964, 25/11/2016. Política, p.A6

 

Reações barram nova tentativa de anistia a caixa 2

Isadora Peron, Daiene Cardoso, Erich Decat e Julia Lindner

 

 

Câmara recua após resistências internas e externas a nova tentativa de incluir perdão a crimes de políticos nas medidas anticorrupção.

Após resistências e sem acordo em torno do texto do projeto das medidas de combate à corrupção, fracassou ontem pela segunda vez a tentativa do plenário da Câmara de votar uma anistia explícita ao caixa 2 eleitoral, que poderia blindar políticos de efeitos de investigações.

A disposição de grande parte dos deputados de aprovar um perdão para eventuais crimes foi acompanhada de forte reação nas redes sociais e entre representantes da Operação Lava Jato. Apesar de terem surgido diversas versões para uma possível emenda, não houve consenso entre os parlamentares de qual seria a melhor maneira de tratar o tema. Também houve pressão de partidos nanicos e racha na posição de legendas.

A votação acabou sendo adiada.

Na avaliação de líderes na Câmara será mais difícil agora aprovar a anistia explícita à prática do caixa 2. A hipótese, porém, pode voltar ao plenário na terça-feira, quando a apreciação do projeto será retomada.

A ideia mais provável ontem era incluir uma emenda no pacote anticorrupção apresentado pelo Ministério Público Federal, mas se cogitou até mesmo derrubar o texto inteiro do relator Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que foi aprovado na comissão especial da Casa no fim da noite de quarta-feira. Nos últimos dias, a presidência da Câmara virou uma espécie de “quartel-general” onde os líderes de praticamente todos os partidos discutiram o tema. Deputados queriam que a votação não fosse nominal para evitar desgastes.

Apesar de ter acompanhado todas as discussões de perto, o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse ontem que não haverá anistia e que o debate se dará no âmbito do que propôs o Ministério Público, de criminalizar o caixa 2. “Não é anistia de um crime que não existe. Isso é um jogo de palavras para desmoralizar e enfraquecer o Parlamento”, afirmou.

Ao anunciar a decisão de adiar a votação, ele também mandou um recado aos integrantes do Poder Judiciário e disse que os deputados têm independência para aprovar ou rejeitar qualquer texto. “Ninguém pode se sentir ofendido por uma decisão onde o plenário da Câmara é soberano”, afirmou. 

Nota. As reações surgiram enquanto a sessão na Câmara ocorria. O juiz Sérgio Moro, que conduz a Lava Jato na primeira instância, divulgou nota na qual disse que “toda anistia é questionável, pois estimula o desprezo à lei”. “Preocupa, em especial, a possibilidade de que, a pretexto de anistiar doações eleitorais não registradas, sejam igualmente beneficiadas condutas de corrupção e de lavagem de dinheiro praticadas na forma de doações eleitorais, registradas ou não”, afirmou Moro, que também manifestou receio com o impacto “no âmbito da Operação Lava Jato e “a integridade e a credibilidade, interna e externa, do estado de direito e da democracia brasileira”.

O procurador-geral da República Rodrigo Janot pediu que as medidas contra a corrupção fossem aprovadas “sem surpresas e sem más notícias”. “Confio na sensibilidade do parlamento em ouvir a voz do cidadão.” Integrante da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima vinculou a ação dos parlamentares à delação da Odebrecht. “Temos talvez uma grande colaboração a ser celebrada essa semana. Não é à toa que o Congresso Nacional está em polvorosa. Há muitos necessitados de salvação entre deputados e senadores e são eles que estão agora abandonando todo o pudor, lutando pela sua sobrevivência”, disse. 

Relator. Apesar do aval para anistia ter perdido força, ainda há um movimento para derrubar o parecer de Lorenzoni em plenário ou destitui-lo da relatoria. O argumento é que ele recuou de compromissos que teria assumido com as partes e incluiu no texto propostas que não estavam no escopo do projeto original.

Lorenzoni também teria desagradado membros do Ministério Público, advogados e policiais federais com seu parecer.

Ao discursar no plenário, o deputado do DEM foi vaiado pelos deputados. Também irritou os parlamentares as declarações públicas do relator, entre elas a de que “não era “momento para dar golpinho, nem para fazer pizza”. 

Termo

Para o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), o termo "anistia" a caixa 2 é incorreto, uma vez que não há como anistiar “um crime que não o está cominado, tipificado, previsto", 

DISCUSSÃO

Articulação para anistiar a prática de caixa 2 cometida antes da aprovação da lei provocou intensa discussão durante todo o dia. 

CONGRESSO

“Vamos acabar com essa história de anistia, não é anistia de um crime que não existe. Isso é para desmoralizar o Parlamento.”

Rodrigo Maia

PRES. DA CÂMARA 

“O projeto discute a possibilidade de não criminalizar o caixa 2 dois do passado, mas isso não significa anistia.”

Renan Calheiros

PRES.DO SENADO

 “Ideia é criminalizar a partir de agora e isentar quem cometeu aquele tipo penal. Se não entrar no texto, entra como emenda.”

Vicente Cândido

DEPUTADO (PT-SP) 

LAVA JATO

“Toda anistia é questionável, pois estimula o desprezo à lei e gera desconfiança.”

Sérgio Moro

JUIZ FEDERAL RESPONSÁVEL PELOS CASOS DA LAVA JATO 

“Esperamos que o Parlamento tenha a sensibilidade de aprovar sem surpresas e sem más notícias.”

Rodrigo Janot

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA 

“O que se pretende é anistiar a corrupção. A ideia de se anistiar caixa 2 é falsa.”

Carlos Fernando dos Santos Lima

PROCURADOR DA REPÚBLICA.