O Estado de São Paulo, n. 44957, 18/11/2016. Política, p.A4
Cabral é preso por chefiar desvios de R$ 224 milhões
Roberta Pennafort, Wilson Tosta e Monica Ciarelli
Operação Calicute. Ex-governador é detido preventivamente em desdobramento da Lava Jato; fato acentua derrocada do PMDB fluminense em meio à crise financeira do Rio.
A prisão preventiva ontem do ex-governador do Rio Sérgio Cabral acentuou a derrocada do PMDB fluminense em meio à gravíssima crise política e financeira que enfrenta o Estado chefiado pelo peemedebista Luiz Fernando Pezão.
Em 24 horas, foi o segundo ex-governador do Rio preso – anteontem, Anthony Garotinho (PR) foi detido por ordem de um juiz eleitoral.
Cabral foi preso na Operação Calicute, um desdobramento da Lava Jato. Em um sinal de sintonia entre os juízos de Curitiba e do Rio, o ex-governador foi alvo de dois mandados de prisão simultâneos, expedidos pelos juízes Marcelo Bretas, da 7.ª Vara Federal do Rio, e Sérgio Moro, da 13.ª Vara Federal da capital paranaense. Outras dez pessoas foram alvo de mandados de prisões provisórias.
Segundo as investigações, o esquema de corrupção, que teria Cabral como o chefe da organização criminosa, desviou ao menos R$ 224 milhões de contratos de quatro grandes obras públicas – Maracanã, Arco Metropolitano, PAC das Favelas e Comperj – entre janeiro de 2007 e abril de 2014. Os desvios foram apurados em contratos com a Carioca Engenharia e a Andrade Gutierrez. As delações de ex-executivos e sócios das empreiteiras revelaram esquema de mesadas para Cabral em seus dois mandatos que variavam de R$ 200 mil a R$ 500 mil. No total, o ex-governador teria sido beneficiado diretamente por propinas que somam R$ 40 milhões.
Os investigadores e os juízes relacionaram o desvio de recursos à crise financeira do Estado.
O déficit anual do orçamento estadual é R$ 17,5 bilhões, e a soma dos supostos R$ 224 milhões em propina aos R$ 450 milhões em impostos que teriam sido sonegados pelo esquema equivalem a 34% da folha mensal de pagamento dos servidores ativos e inativos ou 2,5 vezes o reajuste de 15% no Bilhete Único proposto pelo governo Pezão no pacote de ajuste. “É um exemplo que retrata os efeitos avassaladores da corrupção para a sociedade”, disse o procurador Athayde Ribeiro Costa.
Crise. Em sua decisão, Moro citou a “notória situação de ruína das contas públicas do governo do Rio” e disse que seria “afronta permitir que os investigados persistissem fruindo em liberdade do produto milionário de seus crimes”. “Por causa de gestão governamental aparentemente comprometida por corrupção e inépcia, impõe-se à população daquele Estado tamanhos sacrifícios, com aumentos de tributos e corte de salários e de investimentos públicos e sociais”.
Bretas destacou que, com a “corrosão dos orçamentos públicos, depreciados pelo ‘custo-corrupção’, toda a sociedade vem a ser chamada a cobrir seguidos rombos orçamentários”.
A prisão de Cabral foi mais um duro golpe contra o PMDB fluminense, até recentemente a mais importante seção do partido no País – Cabral chegou a ser cogitado como possível candidato a vice-presidente na chapa de Dilma Rousseff em 2014. Outro líder importante do partido no Rio, o ex-presidente da Câmara e deputado cassado Eduardo Cunha também está preso sob acusação de corrupção.
No campo político, o partido sofreu revés nas urnas em outubro, após o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), não conseguir eleger seu candidato, e Pezão enfrenta forte resistência ao seu pacote de austeridade para tentar recuperar as contas do Estado.
O ex-governador foi preso em seu apartamento no Leblon, zona sul do Rio. Ao sair, foi xingado de ladrão, e houve tumulto.
Dois homens da extrema confiança de Cabral também foram presos: seus ex-secretários Wilson Carlos Carvalho (Governo) e Hudson Braga (Obras).
O nome da operação – Calicute – faz referência a uma cidade da Índia e relembra as tormentas enfrentadas pelo navegador Pedro Álvares Cabral. O ex-governador foi levado ontem para o presídio em Bangu, zona oeste do Rio.
O ESQUEMA DE PROPINAS
● O ex-governador do Rio Sérgio Cabral (PMDB) foi preso ontem na Operação Calicute sob acusação de recebimento de propinas de construtoras em troca de contratos bilionários de obras públicas
A OPERAÇÃO
79 ordens judiciais
52 mandados de busca e apreensão
14 mandados de condução coercitiva
3 mandados de prisão temporária
● Paulo Fernando Gonçalves
● Alex Sardinha da Veiga
● Wilson Carlos Cordeiro*
10 mandados de prisão preventiva
● Sérgio Cabral Filho*
● Wilson Carlos Cordeiro*
● Hudson Braga
● Carlos Emanuel de
Carvalho Miranda*
● Luiz Carlos Bezerra
● José Orlando Rabelo
● Wagner Jordão Garcia
● Luiz Paulo Reis
CRIMES INVESTIGADOS
● Organização criminosa
● Corrupção passiva
● Corrupção ativa
● Lavagem de dinheiro
AGENTES
230 policiais federais
LOCAIS DAS AÇÕES
● São Paulo
● Rio de Janeiro
*Tiveram pedido de prisão expedidos em Curitiba e no Rio
Valores investigados
5% Cobrança de propina nos contratos de obras do Estado com recursos federais
Mesadas em dinheiro em espécie para Cabral
R$ 2,7 milhões de propina de obras no Comperj pagos pela Andrade Gutierrez a Cabral entre 2007 e 2011 sob investigação da Lava Jato em Curitiba
Valores investigados
R$ 3 bilhões - Montante estimado dos contratos assinados com empreiteiras como Carioca Engenharia e Andrade Gutierrez
Mesadas em dinheiro em espécie para Cabral
R$ 200 mil - 1º mandato - Carioca Engenharia
R$ 500 mil - 2º mandato - Carioca Engenharia
R$ 350 mil em um único ano Andrade Gutierrez
Valores investigados
R$ 224 milhões - Desviados do Maracanã, Arco Metropolitano e PAC das Favelas entre 2007 e 2014 sob investigação da Lava Jato no Rio.