Janot se diz preocupado com risco de STF limitar duração de escutas

Jailton de Carvalho

05/11/2016

 

 

‘Organizações criminosas não têm tempo delimitado para delinquir’

 

 

A decisão do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, de suspender o julgamento de 23 pessoas acusadas de envolvimento com a máfia dos caçaníqueis no Rio de Janeiro até nova decisão do tribunal sobre prazos de escutas telefônicas deixou em alerta procuradores, delegados e juízes federais.

Limite. Rodrigo Janot: a interceptação tem que continuar enquanto revelar fatos de apuração de determinados crimes

Para investigadores, se o STF limitar o monitoramento telefônico a 30 dias ou até mesmo a um prazo maior, a medida terá forte impacto na Operação Lava-Jato e em outras investigações sobre corrupção, tráfico de drogas e até sequestros, entre outros crimes graves.

O GLOBO noticiou na semana passada que Marco Aurélio havia suspendido o julgamento dos bicheiros até que o STF julgue processo que poderá anular investigações que tenham se baseado em grampos autorizados pela Justiça durante mais de 30 dias.

— Precisamos meditar muito sobre a extensão desta decisão. As organizações criminosas não têm tempo delimitado para delinquir. As investigações têm que seguir este mesmo tempo, sob pena de serem inviabilizadas — disse o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao GLOBO.

Para Janot, a lei deve permitir as interceptações telefônicas por todo o período em que crimes graves estão sendo investigados. Ele entende que não é razoável suspender determinadas escutas quando autoridades estão cientes da continuidade de práticas criminosas. Como exemplo, cita casos de tráfico de drogas ou sequestros que podem se estender por meses, com riscos de violência e morte. Casos mais complexos de corrupção também podem demandar longos períodos de escuta.

— A interceptação tem que continuar enquanto revelar fatos de apuração de determinados crimes. Fatos em curso, interceptação em curso — afirmou o procurador-geral.

 

GRAMPOS NA LAVA-JATO

No caso da Lava-Jato, foram feitas escutas no início das investigações. A Polícia Federal grampeou telefones fixos e celulares de doleiros que estavam sendo investigados por suspeita de lavagem de dinheiro. Foi justamente a partir dessas investigações que se chegou ao doleiro Alberto Youssef e, dele, aos casos de corrupção na Petrobras.

Os investigadores temem que uma eventual decisão de limitar grampos a 30 dias possa ser usada para se alegar que, se no início da Lava-Jato foram feitas escutas por tempo excessivo, toda a operação está comprometida. As fases posteriores comandadas pela forçatarefa não foram baseadas em grampos. A partir das delações de Alberto Youssef e do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, a PF e o Ministério Público conseguiram reunir provas sobre esquema de cobrança de propina a partir de contratos da estatal, que foi usado para alimentar o caixa de partidos políticos.

A interpretação definitiva sobre prazos de escuta depende de apreciação de um recurso extraordinário que tem como relator o ministro Gilmar Mendes. Não há data para deliberação sobre o assunto.

Mas Marco Aurélio deixou claro que só decidirá sobre o caso dos acusados de envolvimento com máfia de caça-níqueis depois que a questão for devidamente colocada em pratos limpos pelo plenário do tribunal. A lei 9.296 diz que a escuta “não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova”.

Em 2008, o Conselho Nacional de Justiça, ao deliberar sobre a atuação de juízes, entendeu que os prazos das escutas poderiam ser renovados, de acordo com a necessidade da investigação. Mas, mesmo depois desta decisão do CNJ, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou a Operação Sundown porque parte das investigações estava ancorada em dois anos de escutas. A operação era oficiada por Sérgio Moro, da 13ª Vara de Curitiba, o mesmo juiz que hoje está à frente da Lava-Jato.

 

 

O globo, n. 30406, 05/11/2016. País, p. 4.