O Estado de São Paulo, n. 44955, 16/11/2016. Economia, p. B3

Gasto com pessoal foi um dos mais ‘mascarados’

Segundo tribunais de contas estaduais, ‘estudos técnicos’ amparam contabilidades alternativas, mas Tesouro garante que burlam a lei

Por: Idiana Tomazelli

 

Os Tribunais de Contas dos Estados que gastam mais com pessoal do que declaravam, segundo números do Tesouro Nacional, negam que haja alguma “contabilidade criativa”. Os TCEs do Rio, Minas, Goiás, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul e Paraíba, além do Distrito Federal, dizem que os critérios de cálculo são amparados em estudos técnicos e resoluções dos colegiados, aplicados sobre números fornecidos pela própria administração estadual.

Mas, segundo especialistas, os tribunais criaram mecanismos de exceção dentro da classificação de despesas com pessoal que mascararam a real situação financeira dos governos.

Um relatório técnico do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul emitido em 2001, por exemplo, determina a exclusão de gastos com terceirizados e pensionistas do cálculo de despesa com pessoal. A orientação contraria a própria Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que coloca os dois dispêndios como parte da conta.

O Tesouro Nacional explicita a necessidade da inclusão desses gastos no Manual de Demonstrativos Fiscais (MDF), utilizado pelos Estados. “A despesa total com pessoal compreende o somatório dos gastos do Ente da Federação com ativos, inativos e pensionistas, deduzidos alguns itens exaustivamente explicitados pela própria LRF, não cabendo interpretações que extrapolem dispositivos legais”, diz o documento.

Com a brecha patrocinada pelo TCE-RS, o governo gaúcho diz comprometer 58,11% da receita corrente líquida (RCL) com pessoal, embora técnicos federais apontem que é 70,62%.

No Distrito Federal, uma decisão do Tribunal de Contas de 2013 permitiu a exclusão de pensionistas do cálculo. O colegiado já havia decidido, em maio de 2003, que os valores pagos aos funcionários que vendem um terço de suas férias não devem ser computados como despesa com pessoal. Em 2010, essa resolução foi estendida ao abono de permanência, um incremento no salário de aposentados que seguem ativos. Com isso, o Distrito Federal diz que 49,3% de sua receita corrente líquida está comprometida com pessoal, enquanto o Tesouro aponta que são 64,19%.

 

Receitas. No Rio de Janeiro, o problema está na classificação das receitas que sustentam a Previdência. A lei prevê que os gastos com inativos financiados com recursos próprios do regime fiquem de fora do cálculo.

Esses “recursos próprios” são sobretudo as contribuições previdenciárias recolhidas, mas o governo fluminense tem considerado também receitas de royalties de petróleo e até de saques de depósitos judiciais, elevando o abatimento.

É por isso que o Rio diz que o déficit da Previdência estadual foi de R$ 542 milhões em 2015, enquanto o Tesouro detectou um rombo de R$ 10,8 bilhões.

“Não tem sentido técnico algum.

Essa composição (do boletim federal) não indica que foi recurso do Tesouro. O que o Tesouro pegou do sistema e colocou na Previdência foram R$ 500 milhões. O resto veio de royalties e depósitos judiciais”, diz o secretário estadual de Fazenda do Rio, Gustavo Barbosa.

A discrepância nos dados acaba refletindo na relação despesa com pessoal/RCL, que é de 41,77% segundo o Rio, contra 62,84% na avaliação do Tesouro.

As contas de 2015 já foram aprovadas pelo TCE-RJ.

Um dos autores da Lei de Responsabilidade Fiscal, o economista José Roberto Afonso, pesquisador do Ibre/FGV e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), avalia que é preciso “qualificar melhor” o objeto do controle, ou seja, aprimorar a definição dos indicadores que são alvo da lei, como a despesa com pessoal. O governo tentou fazer isso no projeto de renegociação da dívida dos Estados, mas a iniciativa enfrentou forte resistência do Congresso e acabou sendo excluída do texto. Em resposta, a equipe econômica prometeu fazer uma revisão da LRF.

“Até poderia aperfeiçoar a LRF, mas antes é preciso aprovar outras duas leis. Primeiro, criar o Conselho de Gestão Fiscal, já previsto na LRF, mas cujo projeto dorme na Câmara há 16 anos. Segundo, aprovar uma nova Lei Geral de Orçamento e Contabilidade Pública”, diz Afonso.

 

MAQUIAGEM DE DADOS

● Estados dizem estar enquadrados ao limite de gastos com pessoal, mas Tesouro Nacional aponta diferença nos cálculos

_______________________________________________________________________________________________________

Cercada por grades, Assembleia vota pacote de Pezão

Projetos incluem cortes de gastos, alta de impostos e de contribuições previdenciárias

Por: Vinicius Neder

 

Cercada por grades, a Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) começa hoje à tarde a debater as propostas do pacote de ajuste fiscal anunciado pelo governo estadual. Serão 21 projetos de lei, incluindo cortes de gastos, extinção de programas sociais, aumento de impostos e elevação na contribuição previdenciária dos servidores públicos. No total, o Estado do Rio pretendia ter um impacto positivo de R$ 27,8 bilhões nas contas de 2017 e 2018, mas o pacote já está R$ 11,8 bilhões menor.

Propostas alternativas serão debatidas ao longo da tramitação dos projetos de lei envolvidos no pacote. No cronograma da Alerj, as medidas serão debatidas em sessões ordinárias e extraordinárias de seis dias, até o próximo dia 30. A ideia do presidente da Alerj, deputado Jorge Picciani (PMDB), é começar a votar a partir de 6 de dezembro.

“Aí vai se verificar o termômetro, o número de emendas. Vamos propriamente entrar no processo de negociação de emendas entre governo e líderes. E daí votamos”, afirmou Picciani ontem ao jornal O Estado de S.Paulo.

Segundo o presidente da Alerj, os projetos mais polêmicos podem receber “mais de uma centena” de emendas. A discussão começa por medidas mais simples, com dois projetos em discussão. Um dos projetos reduz em 30% a remuneração do governador, do vice-governador e dos secretários.

Nos próximos dias, os deputados discutirão medidas polêmicas. Amanhã, será debatido o projeto que eleva a contribuição previdenciária dos servidores públicos estaduais de 11% para 14% do salário bruto. A equipe do governador Luiz Fernando Pezão pretendia arrecadar mais, com uma elevação emergencial das cobranças, de modo que todos os servidores, tanto ativos quanto inativos, contribuíssem com 30%. Isso renderia R$ 11,8 bilhões para as contas públicas em 2017 e 2018.

Esse projeto, porém, foi devolvido pela Alerj, após uma manifestação de servidores públicos contrários ao pacote de ajustes culminar com a invasão do plenário da casa. Segundo Picciani, os parlamentares consideraram o porcentual de contribuição excessivo. O governo não reapresentará o projeto.

O setor empresarial não vai ficar de fora. Entre as medidas que vão à votação está aumento de ICMS, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, de diversos produtos, inclusive sobre tarifas públicas de energia e de telecomunicação.

Embora nada vá ser votado hoje, sindicatos e associações de servidores públicos estaduais marcaram novo protesto contra o pacote de ajuste, em frente à Alerj. O ato foi marcado para as 10 horas pelo Movimento Unificado dos Servidores Públicos Estaduais (Muspe).

 

O QUE VAI SER AVALIADO PELOS DEPUTADOS

DIA 16

- Redução no pagamentos de condenações judiciais com precatórios. Economia de R$ 72 milhões por ano.

- Redução de 30% a remuneração do governador, do vice-governador e dos secretários. Economia de R$ 7,1 milhões por ano.

 

DIA 17

- Aumento na contribuição dos servidores de 11% para 14% do salário bruto e da contribuição patronal de 22% para 28%. Traria receita extra de R$ 1,2 bilhão.

- Extinção do Ceperj. Economia de R$ 3,2 milhões ao ano

 

DIA 22

- Elevação do ICMS para setores ou produtos como gasolina C (30% para 32%), fumo (25% para 27%), energia residencial acima de 200kw (25% para 27%), cerveja e chope (17% para 18%), refrigerante (16% para 18%) e telecomunicações (26% para 28%). Traria receita adicional de R$ 1,4 bilhão ao ano.

- Criação da intimação eletrônica para a Fazenda Estadual - Adiamento, em três anos, de aumentos salariais aprovados que entram em vigor em 2017 ou 2018. Economia de R$ 4,6 bilhões de 2017 a 2019.

- Extinção do Renda Melhor e do Renda Melhor Jovem. Economia de R$ 193,3 milhões por ano.

- Extinção do Instituto de Assistência dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro, que economizaria R$ 811 mil por ano, do Instituto Estadual Engenharia e Arquitetura, corte de R$ 1,1 milhão.

 

DIA 23

- Reajuste da tarifa do Bilhete Único intermunicipal de R$ 6,50 para R$ 7,50 a partir de janeiro de 2017 e criação de um teto de R$ 150 ao mês por CPF no subsídio do bilhete. Fim da gratuidade da barca para moradores da Ilha Grande e da Ilha de Paquetá.Extinção do adicional por tempo de serviço para todos os servidores, os chamados “triênios”. Os adicionais já concedidos serão mantidos.

- Fechamento da Fundação Instituto de Pesca do Estado do Rio de Janeiro (economia de R$ 1,6 milhão), da Suderj, que administrava o Estádio do Maracanã (menos R$ 1,4 milhão) e o Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro (corte de R$ 1,5 milhão).

 

DIA 24

- Proibição de anistia a devedores de impostos por dez anos.

- Extinção da fundação Leão XIII, da área social. Economia de R$ 2,5 milhões ao ano.

 

DIA 29

- Limitar o crescimento da despesa de pessoal a 70% do crescimento da receita líquida.

- Destinar até 50% das receitas e 70% do superávit dos fundos estaduais para pagar a Previdência dos órgãos a eles vinculados, como fundos da Alerj, do TCE, dos bombeiros, da Polícia Civil.

 

DIA 30

Repasse de 6% da receita corrente líquida (RCL) passaria a ser calculado mensalmente e não com base na projeção anual