Repatriação em 2017 pode abrir brecha para parentes de políticos

Martha Beck

05/11/2016

 

 

Se houver mudança, familiar teria de comprovar origem do dinheiro

 

É a taxa de Imposto de Renda e da multa que deverão ser aplicadas no novo projeto de repatriação. Texto pode abrir brecha para incluir familiares de políticos, o que não foi permitido este ano O projeto de lei que vai propor a reabertura da repatriação de recursos deverá abrir uma brecha para que familiares de políticos possam regularizar ativos mantidos ilegalmente no exterior. No programa original, políticos e parentes estavam proibidos de aderir. No entanto, agora, o Congresso já articula uma flexibilização dessa regra.

De fora. Líder do governo no Congresso, Jucá é contra a flexibilizar a regra

O líder do governo no Congresso, senador Romero Jucá (PMDB-RR), um dos articuladores da nova repatriação, já afirmou que não há espaço para permitir que políticos possam entrar no programa, porque isso seria “legislar em causa própria”. No entanto, há uma avaliação de que familiares deveriam ter um tratamento diferenciado, pois os recursos que estão fora do país podem não ter nenhuma relação com a atividade política.

Assim, caso essa mudança seja feita, o contribuinte que quiser aderir terá de comprovar que seus ativos são produto de uma atividade empresarial, por exemplo. A Receita Federal, alegam os interlocutores do Congresso, também teria condições de saber se o dinheiro repatriado tem relação com o político.

 

POTENCIAL DE ATÉ R$ 30 BI

Isso seria uma forma de criar uma trava para casos como o da mulher do ex-deputado Eduardo Cunha, Cláudia Cruz. Ela chegou a tentar aderir à repatriação em 2016, mas teve o pedido rejeitado.

Para tentar reforçar a arrecadação, o novo texto deve elevar o valor do Imposto de Renda (IR) e da multa cobrados dos contribuintes de 15% para 17,5%. Com o apoio do Palácio do Planalto, o novo projeto será apresentado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), na próxima semana. A ideia é aprovar o texto em rito sumário no Senado e na Câmara ainda este ano, de modo que mais recursos ingressem no país até março de 2017. Com isso, de acordo com Jucá, seria possível conseguir o equivalente a uma CPMF, ou seja, um reforço de R$ 20 bilhões a R$ 30 bilhões nas receitas.

O Congresso avalia que, quanto mais cedo ocorrer a nova etapa, melhor será para os contribuintes. Isso porque, em março de 2017, entra em vigor um acordo no âmbito da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre transparência de evasão de recursos, do qual o Brasil é signatário. O pacto prevê a troca de informações sobre dados fiscais. Assim, para não ser alvo de fiscalização, os contribuintes poderiam legalizar seus ativos no exterior sem ter de pagar multas muito mais salgadas. No acordo, a punição para quem for pego chega a 150%.

Os parlamentares devem manter no novo projeto um dos pontos considerados mais importantes pelo Fisco: a base sobre a qual incidem o IR e a multa. O programa original determinou que os contribuintes fizessem o acerto de contas com base nos valores movimentados no exterior até 31 de dezembro de 2014, o que é conhecido como tributação pelo “filme”. Na Câmara, os deputados chegaram a tentar votar um texto alternativo para 2016 pelo qual a tributação deveria incidir sobre o saldo das contas dos contribuintes em 31 de dezembro de 2014 — modelo de tributação pela “foto”.

 

NEGOCIAÇÃO COM OS ESTADOS

No entanto, como não houve acordo entre os líderes para mudar o programa, o projeto acabou sendo deixado de lado. A avaliação dos técnicos da Receita é que o modelo pela foto reduz a arrecadação potencial. Isso porque os contribuintes que se desfizeram dos ativos e tinham saldo baixo em 31 de dezembro de 2014 acabaram pagando menos do que deveriam, embora tenham feito movimentações elevadas de recursos fora do país.

Segundo os integrantes da equipe econômica, também há espaço para negociar com os governadores uma divisão mais generosa dos recursos na reabertura da repatriação em 2017. No programa de 2016, eles só receberam uma fatia do IR arrecadado.

A primeira etapa da repatriação resultou num reforço de R$ 50,9 bilhões para os cofres públicos. Diante do desempenho favorável dessa arrecadação, os técnicos começaram a refazer seus cálculos e já preveem uma melhora de R$ 10 bilhões nas contas públicas deste ano. Caso isso ocorra, o déficit fiscal primário deste ano será R$ 153,9 bilhões, abaixo da meta de R$ 163,9 bilhões

 

 

O globo, n. 30406, 05/11/2016. Economia, p. 27.