O Estado de São Paulo, n. 44954, 15/11/2016. Política, p. A5

TJs veem retaliação em comissão de supersalários

Entidades de juízes reagem a Renan; senador nega ter tratado de assunto com Temer

Por: Rafael Moraes Moura e Isabela Bonfim

 

Presidentes de Tribunais de Justiça reunidos ontem com a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, viram como uma “retaliação” a iniciativa do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), de instalar uma comissão especial para levantar os supersalários do Judiciário e do Ministério Público. Entidades representativas de juízes também reagiram à medida.

A ministra recebeu 26 presidentes de TJs em Brasília. No encontro, parte dos presentes tratou da investida de Renan contra o Judiciário e o MP. O Estado revelou ontem que o senador conversou sobre a ofensiva com o presidente Michel Temer, durante almoço no sábado na residência oficial da presidência do Senado. Renan nega que tenha tratado do assunto.

A tentativa do senador de buscar respaldo do Palácio do Planalto também provocou forte reação de entidades do meio jurídico, que veem na movimentação de Renan uma retaliação às investigações da Operação da Lava Jato e uma forma de colocar a opinião pública contra o Poder Judiciário.

“A crise brasileira é decorrente de desvio de dinheiro público.

Espero que o presidente Michel Temer, que é do meio jurídico, não encampe essa proposta esdrúxula”, disse Roberto Veloso, presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe). Ontem, o ministro do STF Luís Roberto Barroso liberou para julgamento uma ação ajuizada pela Ajufe que tenta garantir o pagamento de auxílio-moradia a magistrados que exercem suas funções onde não há residência oficial.

A data do julgamento será definida por Cármen Lúcia.

O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), João Ricardo Costa, também criticou a iniciativa do senador e lembrou que “lá no Planalto tem algumas pessoas que estão sendo investigadas”.

“É um processo de desconstrução do sistema de Justiça brasileiro, não tenho nenhuma dúvida.

Renan quer tirar poderes dos juízes e usa esse discurso de salário para maquiar isso”, afirmou Costa.

“Isso foi discutido por alguns presidentes dos tribunais como se fosse realmente retaliação contra o Poder Judiciário, mas não foi assim que foi entendido pela grande maioria. É uma discussão sempre pública e acho que todas as grandes discussões nacionais devem passar pelo Congresso”, minimizou o presidente do TJ do Rio Grande do Norte, desembargador Cláudio Santos, que participou do encontro com Cármen Lúcia.

De acordo com o presidente do TJ do Distrito Federal, desembargador Mário Machado, o movimento de Renan é “uma ofensiva da sociedade em relação aos supersalários que não sejam justificados”.

 

Seriedade. Ontem, Renan divulgou uma nota para negar ter tratado da comissão especial criada na semana passada durante almoço no sábado. “O tema dos salários acima do teto constitucional não foi tratado na reunião na residência oficial do Senado Federal, até porque o assunto está no âmbito da comissão constituída na última semana”, informou por meio de sua assessoria.

Já a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), que será relatora da comissão que vai analisar salários acima do teto, escreveu em sua conta no Twitter que não fará perseguição a nenhum dos Três Poderes. “Não farei busca às bruxas e não concordo em desmoralizar os Poderes”, afirmou a senadora. Ela disse também que vai trabalhar com racionalidade e pragmatismo.

No almoço de sábado, Renan buscou respaldo de Temer, do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEMRJ), e do presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Aroldo Cedraz, nas ações contra o Judiciário. O senador discutiu também o projeto da Lei de Abuso de Autoridade, criticado pela força-tarefa da Lava Jato, na qual ele e políticos do PMDB são investigados.

 

“Não farei busca às bruxas e não concordo em desmoralizar os Poderes.”

Kátia Abreu (PMDB-TO), relatora da comissão dos supersalários no Senado

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Relator recua de punição a juízes e procuradores

Por: Daiene Cardoso

 

Diante das críticas do Ministério Público Federal (MPF), o relator do pacote das medidas anticorrupção, deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), retirou de seu parecer o item que instituía o crime de responsabilidade para magistrados, promotores e procuradores. “Consideramos inoportuna esta discussão, que deverá ser feita pelo Parlamento em outro momento”, disse.

Após se reunir ontem com representantes do MPF e da Operação Lava Jato, o relator afirmou que não é possível “misturar” ações que querem confrontar as investigações ou calar investigadores com o relatório em discussão na comissão especial da Câmara. No texto, Onyx tinha proposto novos artigos para a Lei 1.070/50, que trata de crime de responsabilidade.

Onyx defendeu que a legislação precisa de ajustes, mas que agora não pode “abrir margem” para questionamentos “a quem faz um trabalho que a sociedade brasileira aplaude de pé”. Sobre a criminalização do caixa 2, ele rechaçou a possibilidade de anistia. “Ou a gente coloca na lei de maneira dura, ou não vamos acabar nunca com caixa 2.” Os representantes do MPF deixaram o encontro satisfeitos.

O coordenador da Lava Jato, procurador Deltan Dallagnol, disse que o relator foi “sensível” aos apelos e o núcleo central do pacote proposto pelo MPF foi mantido. “Tudo isso se faz em um momento muito delicado em que vemos iniciativas legislativas que são reações contra as investigações”, afirmou.