O Estado de São Paulo, n. 44947, 08/11/2016. Política, p. A6

A regra do jogo

Por: Eliane Cantanhêde

 

Em sua longa e inédita entrevista a Fausto Macedo e Ricardo Brandt, no Estado, o juiz Sérgio Moro foi simples, cauteloso, mais preocupado em dar sua versão da Lava Jato ao País do que ostentar erudição para seu público interno ou fazer provocações incabíveis aos alvos das investigações e sentenças. Não personificou críticas e não adiantou julgamentos, mas deixou muito claras suas posições e motivações.

Assim como eu, tu, nós e eles, Moro confessou que o que mais o chocou em todas essas revelações da Lava Jato foi “a própria dimensão dos fatos” e a descoberta de “uma corrupção sistêmica, corrupção como uma espécie de regra do jogo”. Sim, há crime de colarinho branco no Brasil e no mundo.

Sim, desvio de dinheiro público, ganância do setor privado, enriquecimento de servidores, nada disso é novo, nem tão surpreendente. O que surpreende, ou choca, é a dimensão, é a corrupção deixar de ser exceção e virar regra.

Talvez o exemplo mais contundente disso seja o delator Pedro Barusco, que se comprometeu a devolver US$ 100 milhões. O cara era gerente de Engenharia da Petrobrás, ou seja, nem diretor era. E devolve o correspondente a R$ 320 milhões?! Quem devolve tudo isso roubou quanto? E ainda guardou quanto? Logo, Barusco dá uma boa dimensão do que foi o petrolão e mostra como a corrupção não era restrita, ocasional, mas uma rede sem limites, corriqueira.

E por que só ex-tesoureiros do PT foram presos? (Aliás, três deles.) A resposta de Moro foi simples: só tinha poder para nomear e manter diretores e gerentes que negociavam, distribuíam e embolsavam propinas milionárias era quem estava no governo. Por óbvio, quem não tinha a caneta e o Diário Oficial não podia nomear um Barusco para roubar e fazer o rateio do roubo.

Então, perguntaram os repórteres, a Lava Jato vai poupar PSDB e até o PMDB, principal aliado do PT com Lula e Dilma? “Processo é uma questão de prova”, respondeu Moro, machadianamente.

Poderia acrescentar: “questão de prova, meu caro Watson”.

Moro disse que “o trabalho feito lá (no Supremo) merece todos os elogios”, mas não deixou de mexer numa velha ferida exposta agora pela Lava Jato: o foro privilegiado. O STF não está capacitado para investigar, julgar, condenar ou absolver 513 deputados, 81 senadores e todos os outros poderosos que têm privilégio de foro. E são só 11 ministros, atolados por 44 mil processos só no primeiro semestre deste ano. No mínimo, tudo será muitíssimo mais lento.

Para Moro, o ideal seria reduzir o foro privilegiado, que penaliza os ministros e acaba por beneficiar os políticos, para os presidentes da República, do Senado, da Câmara e do próprio Supremo.

Sempre cauteloso, Moro repetiu o questionamento da ministra Cármen Lúcia sobre a oportunidade de o Senado endurecer a lei de abuso de autoridade em meio ao maior julgamento de partidos e políticos da história do País, mas fez uma espécie de chamamento ao Congresso para “acompanhar a percepção de que é necessário mudar” e aprovar o pacote de medidas anticorrupção apresentado pelo MP e referendado por milhões de brasileiros.

Por falar nisso, o juiz disse que “jamais, jamais” seria candidato a um cargo político. Está escrito e publicado, mas Moro só tem 44 anos, comanda um processo inédito de depuração das práticas políticas e é tão amado e tão odiado quanto costumam ser, não os juízes, mas os políticos.

E, afinal, o futuro a Deus pertence.

 

Suspeita. Conversando no domingo com o ex-ministro e meu amigo Milton Seligman, surgiu a dúvida: quem votou pelo Brexit no Reino Unido, contra o acordo de paz na Colômbia e pela ascensão de Trump foram os homens brancos, de meiaidade, sem diploma e conservadores?

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Fundador do PSC pede que Lava Jato investigue Everaldo

Em petição a Moro, Vitor Nósseis aponta indício de lavagem de capitais e organização criminosa do candidato da sigla à Presidência em 2014

Por: Mateus Coutinho/ Julia Affonso

 

Um dos fundadores do Partido Social Cristão (PSC), Vitor Abdala Nósseis, denunciou, no âmbito da Operação Lava Jato, o candidato de sua própria agremiação à Presidência da República em 2014, Pastor Everaldo, alegando irregularidades nas doações recebidas pela legenda na campanha daquele ano. Em petição ao juiz federal Sérgio Moro, responsável pelas ações da Lava Jato na primeira instância, em Curitiba, Nósseis pediu que a força-tarefa da operação investigasse o pastor e o secretário-geral do PSC, Antônio Oliboni.

Na petição, Nósseis solicita ainda ao juiz da Lava Jato que bloqueie os bens de Everaldo e de Oliboni. Segundo o denunciante, o pastor e o secretáriogeral do PSC receberam “vultosas quantias de dinheiro” de empresas investigadas na operação, “com indício de prática de crime de lavagem de capitais e organização criminosa”.

“Verifica-se que esses repasses eram periódicos e aconteciam à medida que o esquema criminoso se desenvolvia, confiantes na impunidade, protegidos por parlamentares e membros do Executivo, mentores de todo o esquema criminoso”, afirma Nósseis na petição.

No documento em que levanta suspeitas contra seus correligionários, ele anexou comprovantes de doações registradas na Justiça Eleitoral ao PSC e Pastor Everaldo – atual presidente da legenda – na disputa presidencial de 2014.

 

‘Requisitos mínimos’. Em manifestação a Moro na quintafeira da semana passada, a força- tarefa da Lava Jato requereu o indeferimento da solicitação de Nósseis, que pediu para ser cadastrado aos autos do processo. Na avaliação dos procuradores da República que integram a força-tarefa, o fundador do PSC não atenderia aos “requisitos mínimos” para ser cadastrado nas investigações penais da Lava Jato.

“É possível verificar que, embora os fatos narrados possam se inserir no âmbito do esquema criminoso investigado na Operação Lava Jato, eles não se relacionam diretamente com o objeto dos autos a que o peticionário requereu habilitação”, afirmam os procuradores da Lava Jato. “Os representados Everaldo Dias Pereira e Antônio Oliboni não são partes e não trabalharam para as empresas investigadas nos autos em consideração, não apresentando, em uma análise prévia, conexão com os fatos que fundamentam as investigações neles promovidas, o que demonstra que, efetivamente, não existe interesse do requerente em ser habilitado aos autos.” Os investigadores também informaram a Moro que receberam a denúncia feita pelo expresidente do PSC e disseram que ainda vão analisar as afirmações contidas na petição.

Uma das linhas de investigação da Lava Jato é de que as doações oficiais para campanhas eleitorais eram uma forma de lavar dinheiro de corrupção para as siglas e os candidatos. A tese é uma das maiores preocupações dos partidos atualmente com o avanço da operação.

Até o momento, nenhum representante partidário havia afirmado oficialmente que as doações recebidas pela sigla eram propinas do esquema de corrupção na Petrobrás.

 

Desentendimento. A denúncia encaminhada para a sede da Lava Jato, em Curitiba, não é o primeiro episódio em que Nósseis, que presidiu o PSC por 30 anos, acusa seus correligionários na Justiça por supostas irregularidades. Na convenção do PSC realizada em 17 de julho do ano passado, ele foi destituído do cargo de presidente nacional da legenda, sendo substituído pelo Pastor Everaldo.

Inconformado com o resultado, Nósseis está questionando a convenção – que classifica como “fraudulenta” – na Justiça.

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Partido afirma que denunciante ‘usa’ operação

Por: Mateus Coutinho / Julia Affonso

 

Como resposta à denúncia de um de seus fundadores, Vitor Abdala Nósseis, sobre irregularidades na campanha presidencial de 2014, o PSC afirmou, em nota, que “lamenta que a Operação Lava Jato, a maior operação de combate à corrupção já realizada no País, esteja sendo usada como objeto de disputa pessoal por um dos seus quadros”.

Segundo o departamento jurídico do partido, Nósseis foi presidente do PSC durante 30 anos, desde a sua fundação em 1985 até 2015. “Em um processo democrático de alternância de poder, ocorrido durante convenção partidária legítima, Nósseis foi sucedido por Everaldo Dias Pereira na presidência do PSC, eleito por unanimidade, no dia 17 de julho de 2015.” Ainda de acordo com a nota, Nósseis passou, então, a ocupar o cargo de presidente de honra do PSC, além de ficar responsável pelo desenvolvimento dos trabalhos da Fundação Pedro Aleixo, “onde está até os dias de hoje como vice-presidente”.

“Inconformado em ter perdido a presidência nacional do PSC, vem proferindo uma série de ataques infundados ao presidente nacional do PSC, Everaldo Dias, e ao seu secretário-geral, Antonio Oliboni”, diz o partido. Segundo a nota, “Nósseis impetrou ação na 25.ª Vara Civil de Brasília, contestando a legitimidade da Convenção e perdeu”. / M.C. e J.A.

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Temer decidirá como vai depor sobre Cunha

Por: Julia Affonso/ Fausto Macedo/ Ricardo Brandt

 

O juiz federal Sérgio Moro mandou oficiar o presidente Michel Temer (PMDB), arrolado como testemunha de defesa do deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para que ele informe como prefere ser ouvido em ação penal na Operação Lava Jato contra o ex-presidente da Câmara – preso desde o dia 19 de outubro. O magistrado deu cinco dias para o presidente responder se quer se ouvido em audiência ou se quer se manifestar por escrito.

Além de Temer, o deputado cassado arrolou como testemunha de defesa o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No caso do petista, Moro mandou expedir carta precatória para a Justiça Federal, em São Bernardo do Campo, município da Grande São Paulo, onde ele reside, indicando que a oitiva seja “preferivelmente por videoconferência”.

A audiência deve ocorrer no prazo de 30 dias.

Temer e Lula fazem parte de um rol de 22 testemunhas arroladas por Cunha. Segundo a acusação, o peemedebista teria solicitado e recebido, entre 2010 e 2011, no exercício de sua função como parlamentar e em razão dela, vantagem indevida, relacionada à aquisição pela Petrobrás de um campo de petróleo em Benin, país da região ocidental da África. O ex-presidente da Câmara é acusado de corrupção, lavagem de dinheiro, evasão fraudulenta de divisas pela manutenção de contas secretas na Suíça que teriam recebido propina do esquema de corrupção na Petrobrás.

A ação já havia sido aberta pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em junho. O processo foi remetido para a primeira instância pois Cunha perdeu foro privilegiado desde que foi cassado pela Câmara, no dia 12 de setembro.

Com isso, o STF remeteu esta ação contra o peemedebista para a Justiça Federal em Curitiba, sede da Lava Jato. / J.A., FAUSTO MACEDO e RICARDO BRANDT