O Estado de São Paulo, n. 44950, 11/11/2016. Política, p. A6

Renan faz ofensiva contra Judiciário

 

Isabela Bonfim

 

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), criou ontem uma comissão que vai analisar casos de salários acima do teto constitucional no funcionalismo público. Ao anunciar a instalação do colegiado, o peemedebista fez referência direta a casos envolvendo juízes. “É um absurdo! É um acinte que o Brasil continue a conviver com isso. Enquanto estamos fazendo a reforma da Previdência, reestruturando o gasto público, ainda temos pessoas que ganham mais de R$ 100 mil, como vimos no caso de juízes do Rio de Janeiro”, afirmou.

A medida, que teve apoio de vários senadores, é vista nos bastidores como mais uma ofensiva do Congresso contra magistrados e membros do Ministério Público, como a Lei de Abuso de Autoridade, alvo de críticas de entidades das classes.

De acordo com Renan, porém, a comissão vai levantar a informação dentro dos Três Poderes.

O colegiado também será responsável por elaborar proposta para desvincular o subsídio dos ministros de tribunais superiores do restante da administração pública.

Sobre as mudanças na lei que trata de autoridades, Renan afirmou ontem que pretende colocar em discussão e votar de vez o projeto até o fim deste ano.

Segundo o peemedebista, um novo relator para a proposta será indicado na próxima quartafeira.

Romero Jucá (PMDB-RR), que relataria o projeto, deixou o cargo após assumir a liderança do governo no Congresso.

Antes de votar a o projeto, o presidente do Senado quer marcar uma sessão de debates com autoridades sobre o tema.

 

Provocação. Renan negou ontem que as medidas sejam uma forma de provocação. O projeto sobre abuso de autoridade, que tramita desde 2009, foi desengavetado após autorização de uma ação de busca e apreensão dentro do Senado em junho. Entre as medidas passíveis de punição a agentes públicos, segundo a proposta, estão casos como publicidade de investigação antes de ação penal ou por constrangimento causado por depoimento sob ameaça de prisão.

Investigadores e juízes veem nesses casos ameaças a delações premiadas e à ampla divulgação das apurações, características da Operação Lava Jato.

Após a reação inicial de promotores, procuradores e magistrados, a proposta ficou esquecida, mas voltou aos planos do peemedebista depois da ação da PF que prendeu policiais legislativos no mês passado. Na época, Renan anunciou um pacote de ações judiciais contra o Ministério Público.

 

Câmara. Outra medida vista como investida do Congresso contra o Judiciário foi defendida ontem pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Ao ser questionado sobre a sugestão do deputado Onix Lorenzoni (DEM-RS) de que magistrados, promotores e procuradores também sejam enquadrados por crime de responsabilidade, Maia defendeu a liberdade de parlamentares para discutir qualquer matéria. “Eles, de forma democrática, podem fazer a crítica onde eles quiserem, no tempo que quiserem. Nós estamos aqui, eleitos pela população, para votar as matérias”, disse Maia. “Tudo é possível debater. Todos os pontos de vista, tudo que vai ser votado vai ser discutido”, defendeu.

Lorenzoni incluiu a proposta em seu relatório na comissão que analisa as dez medidas anticorrupção.

Segundo o relatório, cometerá crime de responsabilidade um “magistrado” que exercer atividade políticopartidária, for preguiçoso no trabalho, julgar quando deveria estar impedido ou suspeito para decidir, proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro de suas funções, que alterar, por qualquer forma, exceto por via de recurso, a decisão ou voto já proferido.

A proposta também foi criticada por entidades de classe . / COLABOROU IGOR GADELHA

 

Senado. Renan Calheiros durante votação de projeto que impõe cláusula de barreiras e fim das coligações nas eleições

 

‘Absurdo’

“É um absurdo! É um acinte que o Brasil continue a conviver com isso (salários acima do teto constitucional).

Renan Calheiros (PMDB-AL)

PRESIDENTE DO SENADO

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Reação da Lava Jato não estava no radar dos políticos

 

Vera Magalhães

 

Talvez uma das coisas mais positivas da convulsão política pela qual o Brasil passa desde 2013, com a eclosão das jornadas de protestos de junho, seja o fim da passividade de cidadãos e de instituições como Ministério Público e Poder Judiciário.

O sucesso da Lava Jato e o impeachment de Dilma Rousseff são os resultados mais palpáveis dessa nova institucionalidade. O que parece alentador é que, mesmo passado o momento agudo da crise, ela parece se manter sólida para reagir a movimentos regressivos como o colocado em curso pelo Congresso desde a troca da guarda no Palácio do Planalto.

O roteiro do impeachment previa, como bem disse o delator Sérgio Machado, uma certa acomodação posterior à posse de Michel Temer: viriam medidas no Congresso e um certo suporte no STF para tentar circunscrever a Lava Jato ao que já se sabia e seguir o jogo.

Foram abertas inúmeras frentes de ação nesse sentido. As mais visíveis são as reiteradas tentativas de anistiar o caixa 2 eleitoral, sob a “ingênua” justificativa de que ele passará a ser considerado crime e, portanto, o que foi praticado anteriormente não pode ser punido, a proposta do Senado de apertar a Lei de Abuso de Autoridade para intimidar juízes e procuradores e, agora, a ideia de tornar mais lenientes os acordos de leniência de empresas pegas em corrupção.

O que não estava no radar dos políticos, que repetem o movimento que cerceou a Operação Mãos Limpas, na Itália, é que viria uma reação imediata, clara e em bom som dos procuradores da Lava Jato.

Ao denunciar e chamar pelo nome que têm as manobras para coibir as investigações, o juiz Sérgio Moro e os procuradores jogam um holofote gigante onde deputados e senadores gostariam de operar no escuro.

Resta saber se os movimentos de combate à corrupção, que foram às ruas e bateram panelas pelo impeachment, estão suficientemente atentos e mobilizados para se juntar aos agentes da Lava Jato na outra “perna” fundamental para impedir que a operação abafa prospere: a gritaria nas ruas.

 

Lava Jato

“Sabemos por que isso acontece. Denunciamos há muito tempo que há uma intenção, que não é velada no Congresso, de interromper a Lava Jato.”

João Ricardo dos Santos

PRESIDENTE DA AMB