O Estado de São Paulo, n. 44950, 11/11/2016. Política, p. A7

Juízes e MP reagem a investidas do Congresso

 
Julia Lindner
Paulo Palma Beraldo

 

Entidades de representação do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal reagiram ontem à proposta de mudança da Lei Anticorrupção para instituir o crime de responsabilidade para magistrados, promotores e procuradores. O relatório do deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) também prevê a anistia em acordos de leniência a executivos de empresas acusadas de corrupção.

O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), João Ricardo dos Santos, acusou parlamentares de usar o pacote das dez medidas anticorrupção do Ministério Público Federal (MPF) para tentar barrar a Operação Lava Jato.

“Virou um projeto pró-corrupção”, disse Santos. Ele afirmou que, “na eminência de serem descobertos” por crimes de corrupção, deputados e senadores tentam “neutralizar” a Justiça.

Santos também criticou a tentativa de votação na Câmara de um projeto para anistiar crimes de caixa 2. “Sabemos por que isso acontece. Denunciamos há muito tempo que há uma intenção, que não é velada no Congresso, de interromper a Lava Jato”, afirmou.

O presidente da AMB lamentou que parlamentares usem “o discurso da moralidade para colocar instrumentos escondidos com a falsa ideia de enriquecer o projeto do MPF”.

José Robalinho Cavalcanti, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), demonstrou insatisfação com o relatório. Para ele, a medida coibiria operações como a Lava Jato. Sua maior preocupação é a falta de “filtro” para quem realiza a denúncia de crime de responsabilidade contra as autoridades. “O que o deputado está propondo é que qualquer cidadão acusado de qualquer crime, homicida, traficante, pode entrar com petição e a autoridade terá de responder”, disse Cavalcanti.

 

Controle. Segundo o presidente da ANPR, os procuradores já estão submetidos a leis próprias e a medidas disciplinares que poderiam ser aperfeiçoadas e endurecidas por meio de Propostas de Emenda à Constituição (PECs).

A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) também divulgou nota em repúdio ao relatório. A entidade afirmou que o projeto subordina o trabalho da PF ao controle político da Procuradoria- Geral da República (PGR) e do Ministério da Justiça.

A ADPF entende que a proposta apresentada na Câmara anteontem seria “o fim da PF independente”. “Na prática, (o procurador-geral da República) Rodrigo Janot deixaria de exercer somente o controle externo da atividade policial e passaria a comandar a própria equipe de investigação da Polícia Federal”, afirmou a nota. A ADPF informou, ainda, que considera a medida “inadmissível” e trabalhará contra seu avanço.

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‘Parece absurdo tratar leniência com urgência’
 
Jorge Hage
Valmar Hupsel Filho
 
 
Titular da Controladoria-Geral da União – que precedeu o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União – entre os anos de 2003 e 2014, Jorge Hage critica a forma e o conteúdo da proposta apresentada pelo líder do governo, deputado André Moura (PSC-SE), que prevê a anistia de empresários (pessoas físicas) em acordos de leniência sem a participação de órgãos como o Ministério Público. Ao Estado, Hage disse que é necessário estabelecer em lei a participação de órgãos com “competência punitiva”.

 

Como o senhor vê uma possível anistia a pessoas físicas em acordos de leniência?

Não conheço a proposta, a não ser pela imprensa, mas me parece um absurdo tratar disso com esse regime de urgência. Mas não tenho dúvida de que é necessário alterar a legislação.

 

Por quê?

A Lei Anticorrupção foi aprovada em 2013, e o projeto encaminhado pelo Executivo ao Congresso, em 2010, não tinha uma palavra sobre acordo de leniência. Quando incluíram isso, não previram coordenação entre órgãos que têm competência punitiva. Esse é um problema gravíssimo e é por isso que até hoje não saiu nenhum acordo proposto na CGU. Nenhuma empresa sente segurança para celebrar acordo com um órgão que tem competência punitiva se no dia seguinte pode ser punida por outro.

 

O que é necessário fazer?

Estabelecer mecanismos de vinculação e coordenação, para que órgãos que participem do acordo fiquem vinculados a ele. O MP obviamente não poderá ajuizar ações vinculadas a acordos dos quais participou. Se não participar, continua livre para acionar. Não tem sentido dizer que, se uma empresa celebrar acordo com a CGU, não pode ser punida pelo MP, e seus dirigentes, pessoas físicas não podem ser punidos pelo MP. Claro que podem. A exceção seria se o MP participasse do acordo. O que não pode é dizer: você celebra acordo com a CGU e está imune de ser sancionada pelo MP.

Não tem sentido nenhum.