Nas universidades, ocupações mudam rotina de estudantes

Renata Mariz

10/11/2016

 

 

BRASÍLIA — Iniciadas nas escolas secundaristas, as ocupações de estudantes crescem agora nas universidades. A Associação Nacional de Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) informa que pelo menos 16 reitorias foram invadidas. Nas contas da União Nacional dos Estudantes (UNE), o movimento contra a PEC que congela os investimentos públicos em 20 anos atinge 176 campi de 84 instituições de ensino superior federais e estaduais, dados que o Ministério da Educação informa não dispor para atestar a dimensão do protesto. Em muitos estados, as ocupações foram agravadas pela greve de professores e técnicos, levando milhares de alunos a ficar sem aula.

Na Universidade de Brasília (UnB), a ocupação da reitoria dura 10 dias, com reflexos nas rotinas administrativas, como processamento da folha de pagamentos, bolsas estudantis, expedição de documentos e programação de despesas. Ontem, após uma negociação, servidores chegaram a entrar no local rapidamente para pegar objetos e fazer atividades essenciais, mas o prédio continua sob o comando dos estudantes. Dos 21 institutos e faculdades, pelo menos seis contam com ocupações parciais ou totais.

O reitor da UnB, Ivan Camargo, diz que o movimento é autoritário, ao prejudicar toda a universidade. A menos de 10 dias do final do mandato, ele considera precipitado acionar a Justiça por uma reintegração de posse, mas não descarta recorrer à polícia caso os servidores não possam acessar o laboratório de Anatomia da Faculdade de Medicina. Camargo alega ainda que a nomeação de 90 professores está sob risco de não ser feita até o fim do ano, prazo dado pelo governo federal, em função das metas fiscais. Camargo diz que se instalou o “caos”:

— Nosso prazo para empenhar despesas acaba amanhã (hoje). Se o MEC (Ministério da Educação) não estender esse prazo, as universidades não terão como chegar ao fim do ano, do ponto de vista administrativo — afirma Camargo.

Os alunos rebatem as críticas contra o movimento. Segundo eles, que não se identificam para a imprensa, após cada ocupação, há um grupo responsável por elaborar um inventário dos objetos no local, exatamente para garantir a integridade do patrimônio público. Eles se organizam em “comissões”. De negociação, de alimentação, de comunicação. A de segurança é a mais visível. Fica no ponto de acesso da ocupação: no início de um corredor, ala ou até prédio inteiro isolado.

Desse ponto para frente, ninguém de fora da ocupação passa. Há bloqueios com carteiras vazias empilhadas, móveis velhos e panos para garantir a privacidade dos alunos que participam do movimento. Alguns professores acabam transferindo a aula para outros locais ou até mesmo ministrando-a nos espaços abertos da universidade.

Na porta espelhada do Bloco de Salas de Aula Sul da UnB, tomado pelos alunos, acumulam-se avisos de professores sobre mudança de local de aula, cartaz de “Fora, Temer!”, anúncio de rodas de conversa promovidas pelos manifestantes e rabiscos de protesto contra o protesto: “Ocupação não. Fora PT”. “Quando a situação se normalizar iremos definir um novo calendário de atividades”, escreveu o professor de cálculo no papel A4 colado à porta.

Dificilmente os estudantes se apresentam pelos nomes verdadeiros. Sobrenome, nem pensar. Codinomes são mais comuns. Alguns escolhidos sem motivo. Outros com alguma simbologia. Tem o Honestino (em referência a Honestino Guimarães, estudante da UnB morto pela ditadura), a Olga (homenagem a Olga Benario, militante comunista deportada para a Alemanha nazista pelo governo brasileiro), entre outros.

De fala articulada, a estudante que se apresenta como Tereza, ocupante da reitoria da UnB, explica que o movimento não quer prejudicar a rotina da instituição nem os alunos, mas defende que é preciso alguma forma de pressão para mostrar o descontentamento com a PEC do teto, a MP do ensino médio e o projeto batizado de Escola sem Partido.

— Um posicionamento institucional da UnB seria de grande valor para tentar barrar essa PEC no Legislativo que vai retirar direitos — diz a garota.

Segundo a Andifes, que reúne os reitores das 63 universidades federais do país, 28 já se manifestaram, por meio de seus conselhos superiores, serem contrárias à PEC do teto dos gastos. A UnB não faz parte dessa lista.

Gustavo Balduíno, secretário-executivo da Andifes, critica o argumento do governo de que, para a educação, a regra da PEC de corrigir as despesas apenas pela inflação será adiada em um ano e terá como base 2017 — e não 2016, como nas outras áreas. O problema, segundo ele, é que a proposta de orçamento para o ano é bem pior que a do atual exercício, com redução de 40% nos investimentos.

— Entendemos que o orçamento da educação, assim como o da ciência e tecnologia, devem estar protegidos de qualquer restrição, pois são alavancas para o crescimento da economia — afirma Balduíno, fazendo uma provocação.

As ocupações mais longas são as mais preocupantes para os reitores. Na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, cuja sede fica em Diamantina (MG), a reitoria está ocupada desde 13 de outubro. No último dia 30, os professores entraram em greve. Segundo o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior, a categoria está paralisada em sete universidades. Técnicos-administrativos começaram greve em 41 instituições, de acordo com balanço da Federação de Técnicos-Administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil (Fasubra).

 

 

O globo, n. 30411, 10/11/2016. País, p. 08.