Confronto aberto

Renata Mariz, Isabel Braga, Simone Iglesias e Manoel Ventura

11/11/2016

 

 

Judiciário e MP reagem a projetos do Congresso para livrar políticos envolvidos em corrupção

 

-BRASÍLIA- Em um Congresso onde o medo de virar alvo da Lava-Jato se espalha, as propostas para mudar regras de investigação, aliviar punições e aumentar o controle sobre os investigadores acirraram os ânimos e puseram em campos opostos parlamentares e integrantes do Judiciário.

Um dia após procuradores da Lava-Jato reclamarem de projeto que pode inviabilizar a investigação nos casos em que forem feitos acordos de leniência, entidades de magistrados acusaram deputados e senadores de tentar barrar as ações contra corrupção. No Senado, o presidente Renan Calheiros (PMDB-AL) disse que vai convidar o juiz Sérgio Moro para discutir o projeto que pucirculou ne o abuso de autoridades, e ainda anunciou a criação de comissão para identificar os supersalários, incluindo os do Judiciário. A medida foi considerada uma retaliação por magistrados.

O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), João Ricardo dos Santos, criticou também a iniciativa de deputados de incluir no projeto das dez medidas contra a corrupção a punição por crime de responsabilidade para magistrados e membros do MP.

— A situação está mais grave que imaginávamos. Jamais se falou em crime de responsabilidade para juízes. Isso é altamente subjetivo. Juízes serão julgados pela classe política. É um atentado à democracia, um golpe à Constituição. Imagine a magistratura inteira à mercê da classe política — disse Santos.

Na Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Casa, abortou a votação em regime de urgência do projeto que altera as regras para acordos de leniência com empresas envolvidas em corrupção. Embora negue ter recuado por conta das críticas de anteontem da força-tarefa da Lava-Jato, Maia afirmou que o dever do Parlamento é “atender a sociedade como um todo e não apenas uma parte” dela.

— Não vou falar sobre o que não li (as críticas da Lava-Jato). Eles, de forma democrática, podem fazer a crítica onde eles quiserem, sobre o que quiserem. E nós estamos aqui, eleitos pela população, para votar as matérias — disse Maia.

Iniciativas para minar as apurações passaram a ser feitas na surdina. Nos dois mais recentes casos, surgiram textos de projetos que, vindo a público, ficaram sem dono. Primeiro foi a proposta de anistia de crimes de caixa dois, cuja redação na Câmara, mas, uma vez divulgado, não pôde ter a autoria identificada. Não prosperou.

O líder do governo, André Moura (PSC-CE), foi apontado por colegas como autor de texto, enviado às lideranças dos partidos, que exclui o Ministério Público de acordos de leniência para empresas e executivos. Depois de divulgada a proposta, Moura alegou que não era dele.

Ontem, ao falar de sua tentativa de instalar a comissão para tratar do projeto do abuso de autoridade, criticado pelo Ministério Público Federal, Renan Calheiros deixou claro que no Parlamento, neste momento, está difícil encontrar alguém que queira assumir um embate com os procuradores:

— Na quarta-feira, vamos decidir o relator (do projeto). Ainda não decidimos porque alguns (parlamentares) gastaram sua cota de coragem, e a gente precisa reestimulá-la — disse Renan.

 

 

O globo, n. 30412, 11/11/2016. País, p. 03.