Delator terá que explicar cheque para Temer

Carolina Brígido e Eduardo Barreto

11/11/2016

 

 

 

-BRASÍLIA- O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) convocou Otávio Marques de Azevedo, ex-presidente da construtora Andrade Gutierrez e um dos delatores da Lava-Jato, a esclarecer, em novo depoimento, a doação de R$ 1 milhão que ele disse ter feito à campanha da expresidente Dilma Rousseff em 2014. Em setembro, Azevedo disse em depoimento que o dinheiro foi repassado ao PT. Mas um cheque apresentado pela defesa de Dilma mostra que quantia do mesmo valor teria passado pelo PMDB e destinada pelo partido à candidatura de Michel Temer a vice-presidente. O novo depoimento será dado em Brasília, na próxima quinta-feira.

Segundo o ministro Herman Benjamin, relator do processo que pode resultar na cassação da chapa, há discrepância entre o depoimento prestado pelo empreiteiro e a prestação de contas da campanha. Na quarta-feira, o ministro pediu uma acareação entre Azevedo e o ex-ministro Edinho Silva, que foi tesoureiro da campanha petista. Ontem, ele mudou de ideia e afirmou que os documentos apresentados ao TSE pela defesa de Dilma já eram suficientes para esclarecer a versão do PT. Restaria ouvir o delator novamente.

O empreiteiro declarou em depoimento ao TSE que a Andrade Gutierrez fez doação de R$ 1 milhão ao PT em março de 2014. O valor teria sido pago como parte de um acerto de propina de 1% dos contratos da Andrade com o governo federal. Ainda segundo o delator, como a doação foi feita fora do período eleitoral, esse dinheiro só teria sido transferido do partido para a campanha de Dilma em julho do mesmo ano.

No entanto, a defesa de Dilma apresentou ao tribunal um cheque atestando o repasse de R$ 1 milhão do Diretório Nacional do PMDB para “Eleição 2014 Michel Miguel Elias Temer Lulia vice-presidente” em julho de 2014. Na prestação de contas da campanha, não há qualquer outro registro de movimentação do mesmo valor que tenha passado pelas contas do PT. Além do cheque, a defesa de Dilma também apresentou documentos da prestação de contas de campanha atestando que o PMDB recebeu R$ 1 milhão da Andrade Gutierrez. Há recibo da campanha com o valor e também comprovante de depósito em conta bancária do PMDB.

No depoimento que prestou ao TSE, Azevedo contou que era pressionado por petistas para fazer doações. “Bom, da onde vem esse R$ 1 milhão? Vem de março de 2014, que não era período eleitoral. Por que que nós fizemos a contribuição de um milhão em março? Porque nós estávamos sofrendo pressão para cumprir obrigações dos acordos de contribuição dos 1% aí de cada projeto. Então esse um milhão feito em março em duas parcelas de quinhentos mil, em julho, já no período eleitoral, foi transferido para a campanha da presidente Dilma”, disse o empresário.

No mesmo depoimento, Azevedo disse que a empreiteira doou mais de R$ 20 milhões à campanha de Dilma e outros R$ 20 milhões para o PMDB, com a recomendação de repasse de R$ 1 milhão para a campanha de Temer. O empresário não fez referência à data dos repasses e ressalvou que o dinheiro doado ao PMDB não era referente a propina.

Por meio do porta-voz, Temer negou irregularidades. Ele disse que “basta ler o cheque”, enfatizando que ele é “nominal do PMDB”. Assessores do Palácio do Planalto entregaram cópias do cheque para os jornalistas durante a fala do porta-voz.

— Trata-se de cheque nominal do PMDB repassado para a campanha do então vice-presidente Michel Temer, datado de 10 de junho de 2014. Basta ler o cheque — declarou o porta-voz.

A defesa de Dilma acusa Otávio Azevedo de ter feito afirmação falsa em seu depoimento em 19 de setembro e pede que ele seja “investigado, denunciado, processado e julgado pela prática de crime de falso testemunho”. A defesa também disse que “não houve a irregularidade apontada pelo empresário em relação ao PT”, já que o dinheiro passou pelo PMDB.

 

 

O globo, n. 30412, 11/11/2016. País, p. 05.