De volta ao prejuízo bilionário

Ramona Ordoñez e Danielle Nogueira

11/11/2016

 

 

Petrobras tem perda de R$ 16,5 bi com baixa contábil, PDV e provisão para processo nos EUA

 

Após um respiro no segundo trimestre, quando voltou ao azul, a Petrobras teve novo prejuízo. Foram R$ 16,5 bilhões de perdas no terceiro trimestre deste ano, o que significa um aumento de 337,8% em relação ao prejuízo registrado de agosto a setembro de 2015. Trata-se do terceiro maior prejuízo já registrado pela companhia num trimestre. A principal razão que impactou o resultado foi uma baixa contábil, de R$ 15,7 bilhões, resultante da valorização do real, do risco Brasil e da revisão de premissas usadas na avaliação dos ativos que constam de seu Plano de Negócios, como o preço do barril do petróleo e a taxa de câmbio de longo prazo.

Também pesaram no balanço as despesas com o novo Programa de Incentivo ao Desligamento Voluntário (R$ 1,260 bilhão) e as provisões (quando a empresa faz uma reserva de recursos para possíveis perdas futuras) para gastos com acordos em ações individuais contra a Petrobras em Nova York. A estatal reservou R$ 1,182 bilhão para eventuais derrotas na Justiça americana. É a primeira vez que a companhia faz esse tipo de provisão.

Antes da divulgação do balanço, as ações da Petrobras fecharam em baixa: queda de 4,99% da ON (ordinária, com direito a voto), a R$ 17,38, e de 6,91% da PN (preferencial, sem voto), a R$ 15,50.

 

‘CHOQUE DE GESTÃO’

No segundo trimestre, a Petrobras havia obtido ganho de R$ 370 milhões, depois de três trimestres seguidos de perdas, muito influenciados pelas baixas contábeis. Segundo o diretor financeiro da Petrobras, Ivan Monteiro, o novo resultado negativo foi decorrente de fatores que estão fora do controle da companhia, principalmente a variação da taxa de câmbio:

— Os testes (do valor dos ativos) são feitos com os fluxos (de caixa) futuros, que são trazidos a valor presente. E esses fluxos são em dólares. Quando convertidos (em reais) é preciso fazer o ajuste.

Em outras palavras, quando uma empresa precisa avaliar seus ativos, ela leva em consideração a receita que terá no futuro com esse investimento. Se essa receita é em dólar e a expectativa quanto ao valor da moeda americana muda, é necessário revisar a avaliação dos ativos. No cálculo dessa revisão considera-se a chamada taxa de desconto, ou seja, qual o desconto que o ativo vai ter quando trazido a valor presente. A taxa é influenciada por vários fatores, incluindo o cenário político e econômico, segundo Phillip Soares, analista da Ativa Investimentos.

Segundo a Petrobras, houve aumento da taxa de desconto “decorrente do maior prêmio de risco para o Brasil em função da perda do grau de investimento e do cenário político brasileiro”. Entre os ativos que tiveram sua avaliação revista estão campos de produção de óleo e gás e as refinarias Comperj (Itaboraí) e Abreu e Lima (Rnest, em Pernambuco).

Em seu último plano de negócios, a Petrobras previa recuperação do Brent, de uma média de US$ 45 neste ano para US$ 71 em 2021.

Analistas esperavam que a empresa contabilizasse novas baixas no quarto trimestre e já começam a se perguntar se elas terão fim.

— As baixas não afetam o caixa da empresa, pois têm efeito puramente contábil. Por um lado, representam um choque de gestão, com o objetivo de dar mais transparência aos números da empresa. Pedro Parente (presidente da Petrobras) herdou vários problemas da gestão anterior. Mas ninguém gosta de ver prejuízo, pois isso afasta a distribuição de dividendos. Em algum momento essas baixas terão que parar — afirma Flávio Conde, analista da cosultoria WhatsCall.

Segundo Monteiro, as baixas foram antecipadas porque o Plano de Negócios 2017-2021 foi anunciado em setembro. O diretor financeiro afirmou que novas baixas em valores tão elevados não deverão acontecer nos próximos meses:

— É um evento não recorrente, e a Petrobras não espera que, nos próximos trimestres, ocorram eventos nessa magnitude.

 

REDUÇÃO DA DÍVIDA

Operacionalmente, a Petrobras apresentou bom desempenho. A geração de caixa foi de R$ 21,6 bilhões, alta de 6% em relação ao segundo trimestre e de quase 40% ante igual período de 2015. De acordo com analistas, a queda no custo e o aumento na produção contribuíram para o resultado. A Petrobras bateu vários recordes de produção no pré-sal, o que levou ao aumento na extração de petróleo e gás natural para 2,869 milhões de barris, alta de 2% em comparação com o segundo trimestre.

A produção de derivados no Brasil foi na contramão: apresentou queda de 3%, totalizando 1,862 milhão de barris por dia, enquanto as vendas no mercado doméstico atingiram 2,088 milhões de barris, queda de 1%. Com a recessão, não se espera que as vendas subam no próximo trimestre. Por isso, alguns analistas acreditam que a recente queda da gasolina e do diesel foi precipitada.

— A Petrobras precisa aumentar sua receita. Com queda de preço e volume de vendas, não sei se isso vai acontecer — disse Conde.

Segundo Bruno Piagentini, analista da corretora Coinvalores, a valorização do dólar teve efeito positivo no curto prazo sobre o resultado da empresa, pois isso reduz a dívida e os gastos com importações. A dívida bruta recuou 19%, passando de R$ 493 bilhões, em 31 de dezembro de 2015, para R$ 398,2 bilhões, principalmente devido à valorização do real. Já o endividamento líquido passou de R$ 392 bilhões para R$ 325,5 bilhões, queda de 17%.

A Petrobras também fez provisões para dívidas e perdas com adiantamentos a fornecedores para construção de cascos de FPSOs (espécie de plataforma). Segundo a companhia, esses fatores foram parcialmente compensados “pelo efeito positivo da revisão de abandono de áreas de produção de petróleo e gás, pelos menores gastos com ociosidade de sondas e pela apuração de ganho contábil com alienação (venda) da Petrobras Argentina”. -RIO E BRASÍLIA- Criada em 2013 e encarregada da gestão dos contratos de partilha da produção para exploração e produção de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos, a Pré-Sal Petróleo SA (PPSA) passará a ter um perfil diferente, na linha do que defende a equipe do presidente Michel Temer.

Segundo Paulo Pedrosa, secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, essa mudança refletirá uma transformação natural na política de atuação da PPSA. Ele adiantou, porém, que a estatal manterá sua relevância na comercialização de óleo e gás da União oriundo do regime de partilha.

— Na venda do gás, por exemplo, a diretriz antes talvez fosse “vamos maximizar o valor da venda do gás” e a diretriz hoje é “vamos usar o gás para desenvolver o mercado”, porque se esse setor se torna competitivo e eu trago novos investidores, todo mundo ganha — disse Pedrosa ao GLOBO.

 

‘É PRERROGATIVA DO GOVERNO’

A estatal, porém, corre o risco de amanhecer na próxima segunda-feira sem sua diretoria executiva. Vence hoje o mandato da atual diretoria, composta pelo diretor-presidente Oswaldo Pedrosa e os diretores Antonio Claudio Pereira da Silva, Edson Nakagawa e Renato Darros de Matos.

Até o momento, o governo não informou quem serão os novos executivos. Segundo fontes, os novos nomes teriam experiência no setor e uma visão alinhada à do governo. A atual diretoria já foi informada de que não seria reconduzida aos cargos.

— É uma prerrogativa do governo mudar os executivos. Eu já estava preparado devido à mudança de governo. É natural, mas saímos satisfeitos porque nosso trabalho nesse período foi reconhecido pelo setor de petróleo — disse Pedrosa.

Segundo o executivo, como resultado do trabalho conduzido na PPSA desde 2013, a União receberá cerca de US$ 230 milhões de receita em 2017. O valor é a parcela estimada que caberá à União referente à produção esperada no chamado Teste de Longa Duração (TLD) no Campo de Libra e nas áreas unitizadas (acordo entre as empresas feito quando as reservas de petróleo extrapolam de um campo para outro). A comercialização desse petróleo caberá à PPSA.

A visão do atual governo é bastante distinta da que levou à nomeação da atual diretoria da PPSA. O setor de petróleo atravessa uma fase de mudanças que devem atingir principalmente o pré-sal. Uma delas é a possível aprovação do projeto de lei que retira da Petrobras a obrigatoriedade de atuar como operadora de todos os blocos. Segundo especialistas do setor, a mudança vai aliviar o caixa da Petrobras, que tenta reduzir seu endividamento, e estimular a participação de outros agentes do mercado.

Além disso, outro tema em discussão é a chamada revisão do conteúdo local. A política, que define uma proporção de investimentos nacionais aplicados em um determinado bem ou serviço, é alvo de críticas de empresários do setor diante da dificuldade para entrega de encomendas e dos preços cobrados.

 

“É um evento não recorrente, e a Petrobras não espera que, nos próximos trimestres, ocorram eventos nessa magnitude”

Ivan Monteiro

Diretor financeiro

 

 

O globo, n. 30412, 11/11/2016. Economia, p. 19.