O Estado de São Paulo, n. 44949, 10/11/2016. Política, p. A5

MP vê nova ofensiva contra Lava Jato

 
Ricardo Brandt
Fábio Fabrini

 

Os procuradores da República que integram a força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba afirmaram ontem ver uma nova ofensiva no Congresso para “enterrar investigações” e anistiar executivos de empresas acusadas de corrupção. Segundo eles, uma proposta que muda a regra para acordos de leniência – espécie de delação premiada para as companhias – abre brecha para livrar executivos de punição penal.

“Significa que, se uma empreiteira que teve os executivos condenados fizer um acordo com o Executivo, nos termos desse projeto, mesmo presos e já condenados, eles terão sua punibilidade extinta, serão imediatamente soltos por não terem mais responsabilidade por crime algum”, disse o procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima, da força-tarefa, em Curitiba. “Querem enterrar a Lava Jato”, completa.

A proposta em questão está em um projeto substitutivo em elaboração pelo líder de governo na Câmara, André Moura (PSC). A medida altera a Lei Anticorrupção, que vigora desde 2014, para incluir várias regras de interesse de empreiteiras investigadas na Lava Jato. Algumas se assemelham às da medida provisória 703, editada pela presidente cassada Dilma Rousseff no fim de 2015 e que já foi alvo de críticas da força-tarefa de Curitiba, sob o argumento de que favorecia empresas e executivos corruptos. O texto expirou neste ano, sem ser convertido em lei pelo Congresso.

Até aqui, o Ministério Público Federal aponta 28 empreiteiras que teriam se organizado em cartel, ou foram beneficiadas por ele para desviar recursos da Petrobrás. Construtoras como a Andrade Gutierrez e a Camargo Corrêa já confessaram os crimes praticados por seus executivos – que fecharam acordos de delação premiada – e firmaram acordo de leniência com a Procuradoria. Só a Andrade concordou em devolver R$ 1 bilhão aos cofres públicos. Segundo os procuradores, a proposta abre possibilidade também para que empreiteiras recebam de volta bens bloqueados e os valores já ressarcidos aos cofres da Petrobrás.

“(A aprovação da proposta) impactaria todo o cenário de negociação de acordos de leniência que pode implicar no desinteresse das empresas em trazer novos fatos e informações de provas sobre crimes não descobertos”, afirmou o procurador Deltan Dalagnoll, coordenador da Lava Jato em Curitiba.

A preocupação é também com um possível efeito dominó que a “anistia” poderia provocar nas delações premiadas, fechadas com pessoas físicas.

“Por que fazer acordo, se você pode conseguir esse mesmo benefício através de uma acordo de leniência feito pela sua empresa?”, questionou Lima.

Os procuradores afirmam que não é a primeira tentativa de alterações legais com objetivo de atingir as investigações sobre corrupção no País. Eles citam outros exemplos, como o projeto que muda a Lei de Abuso de Autoridade, a possibilidade de anistia ao caixa 2 eleitoral e a intenção de incluir parentes de políticos no programa de repatriação de recursos enviados ilegalmente ao exterior.

 

Ajustes. O anteprojeto foi apresentado ontem a órgãos de investigação do governo, como Tribunal de Contas da União (TCU) e Procuradoria, pelo líder do governo e pelo ex-deputado Sandro Mabel, um dos principais assessores do presidente Michel Temer.

Ontem, porém, o deputado negou ao Estado ser o autor da medida. “A Lava Jato fez uma (entrevista) coletiva de um texto que não existe. Não conheço nenhum relatório”, afirmou.

O texto, que não havia sido apresentado oficialmente até o a noite de ontem, foi distribuído apenas em papel pela liderança do governo às demais bancadas da Câmara, segundo deputados.

Um deles disse que recebeu o material do próprio Moura.

A minuta do substitutivo, obtida pelo Estado, diz que os acordos serão celebrados pelo Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União, órgão de controle interno do governo, e as pastas correspondentes de cada ente da Federação.

Eles poderão assiná-los sozinhos ou em conjunto com o Ministério Público e a advocacia pública – no caso do governo federal, a Advocacia-Geral da União (AGU).

Moura e Mabel participaram das negociações que envolveram empresários, centrais sindicais e ministros do TCU, que pleiteiam participação nas negociações.

Na reunião com entidades no Planalto, o ministro da Transparência, Torquato Jardim, defendeu que o TCU seja contemplado. “A Constituição obriga (a participação do TCU)”, disse. Questionado se o governo encampou o projeto, ele disse não saber e afirmou que, no encontro, só tratou na questão que envolve a participação de órgãos com “competência constitucional” para celebrar os acordos.

 

Substitutivo. Além de dar margem para que empresários se livrem de ações penais e de improbidade, com extinção de punibilidade após acordo de leniência, a minuta do substitutivo traz outras regras que limitam possibilidades de investigação e de cobrança de prejuízos às pessoas jurídicas.

Suprime, por exemplo, o trecho que exige a celebração do acordo apenas com a primeira empresa que manifestar interesse.

Assim, outras envolvidas nas mesmas ilegalidades poderão ser contempladas e obter benefícios.

A primeira proponente passa a ter o direito a 100% de abatimento na multa prevista na lei, de até 20% do faturamento. As demais poderão obter perdão de até dois terços da sanção.

Para o advogado especialista em leniência, Walfrido Warde Júnior, a proposta esbarra numa questão legal. “Ela quer atribuir à CGU o poder de transacionar sobre a ação penal. E a CGU não tem esse poder”, disse.

Em sua opinião, o projeto repete outras tentativas frustradas de, segundo ele, “cassar por meio de uma lei ordinária a competência constitucional do MP, que é o autor da ação de improbidade e da ação penal”. / COLABOROU VALMAR HUPSEL FILHO

 

PROJETOS ‘NA MIRA’

Lei de Abuso de Autoridade

O projeto que tramita desde 2009 e foi desengavetado neste ano pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), prevê punição em casos como publicidade de investigação antes de ação penal ou por constrangimento causado por depoimento sob ameaça de prisão.

 

Anistia para caixa 2

Proposta que tipifica no Código Penal a prática do caixa 2 eleitoral, na visão de alguns parlamentares, pode abrir brecha para anistiar quem cometeu a irregularidade antes da aprovação da nova regra.

 

Repatriação de recursos

Novo projeto que tinha como objetivo alterar o programa de repatriação de recursos enviados ilegalmente ao exterior previa incluir familiares de políticos como beneficiários da medida. Sem acordo entre parlamentares da base e da oposição, a proposta não avançou. No texto aprovado na Câmara, emenda proíbe a participação de parentes de políticos.

 

Anistia a executivos

em caso de acordo de leniência Medida ainda em discussão prevê a extinção da punibilidade penal a executivos de empresas acusadas de corrupção que fecharem acordos de leniência.

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Relator propõe crime de responsabilidade a juízes

 
Igor Gadelha

 

Relator na Câmara do projeto de 10 medidas de combate à corrupção, o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) propôs ontem em seu parecer a instituição do crime de responsabilidade para juízes, desembargadores e todos os membros do Ministério Público. A medida não estava prevista na proposta original enviada pelo Ministério Público Federal ao Congresso.

No texto, Lorenzoni propõe novos artigos para a Lei 1.079, de 1950, que trata de crime de responsabilidade. Pela legislação em vigor, o crime está previsto apenas para ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o procurador-geral da República, além de presidente da República, ministros de Estado, governadores e secretários estaduais. A lei foi usada para embasar o pedido de impeachment da presidente cassada Dilma Rousseff.

Ele lista dez situações que serão consideradas crime de responsabilidade de um “magistrado”.

Segundo o relatório, cometerá crime de responsabilidade um “magistrado” que exercer atividade político partidária, for preguiçoso no trabalho, julgar quando deveria estar impedido ou suspeito para decidir, proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro de suas funções, que alterar, por qualquer forma, exceto por via de recurso, a decisão ou voto já proferido.

Também estará cometendo crime de responsabilidade, segundo o texto, o magistrado que “manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento” dele ou de outro juiz ou fizer “juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais”. A única ressalva prevista no parecer é quando o magistrado fizer a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício da magistério.

Já para os integrantes do MP, Lorenzoni cita oito situações em que ele responderá por crime de responsabilidade. Entre elas, quando exercer a advocacia; participar de sociedade empresária na forma vedada pela lei; exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério; exercer atividade político- partidária; ou receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei.

 

Agentes políticos. “A instituição do crime de responsabilidade para magistrados e membros do Ministério Público pode parecer, à primeira vista, um pouco inusitado. (...) Contudo, é indiscutível que juízes e membros do Ministério Público sejam agentes políticos. E mais indiscutível ainda é o protagonismo que tais funções passaram a exercer no cenário político brasileiro, um fenômeno cada dia maior e para o qual o ordenamento jurídico pátrio não está preparado”, justifica o relator no parecer.

Na avaliação de Lorenzoni, na medida em que magistrados e membros do MP ocupam espaço que “anteriormente não lhes era destinado”, “é justo e correto que a lei hoje a eles confira a medida de sua responsabilidade”.

“É indiscutível que aqueles que possuem a incumbência e prerrogativa legal de fazer justiça, devem conduzir-se com absoluto zelo, seriedade e responsabilidade em seus atos e decisões”, diz o relator.

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Renan quer ouvir Moro sobre lei de abuso de autoridade

 

Isabela Bonfim

 

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), quer trazer o juiz Sérgio Moro, que coordena os processos da Operação Lava Jato na primeira instância, para debater o projeto de abuso de autoridade em audiência pública no Congresso. A proposta foi considerada polêmica e acendeu o alerta de entidades como o Ministério Público, que considera que o projeto é uma ameaça às investigações.

O relator da proposta era Romero Jucá (PMDB-RR), porém o senador anunciou ontem que preferiu abandonar o projeto uma vez que irá assumir a liderança do governo. Outro nome ainda não foi indicado para a relatoria.