Barrados na Justiça, ex-prefeitos elegem suas mulheres no Rio

Ruben Berta

13/11/2016

 

 

De 92 municípios, em apenas oito há eleitas; seis delas têm maridos que não puderam concorrer

 

Num estado onde as mulheres são 52,3% da população, segundo o censo de 2010 do IBGE, os números frios, por si só, das eleições municipais fluminenses já não seriam animadores: apenas oito (8,7%) das 92 cidades terão prefeitas assumindo o cargo em 2017. Mas um detalhe chama ainda mais a atenção: seis delas são mulheres de ex-prefeitos que não puderam testar a popularidade nas urnas este ano por impedimento judicial. Na lista das condenações contra seus maridos, constam principalmente mau uso de dinheiro público e abuso de poder político e econômico.
Entre as prefeitas eleitas, há três casos de mulheres que chegaram de última hora para concorrer, porque seus maridos tiveram as candidaturas indeferidas ou renunciaram. Eleita com 23.600 votos em Saquarema, na Região dos Lagos, a dentista Manoela Peres (PTN), mulher de Antonio Peres Alves, foi lançada após o marido ter a candidatura barrada pelo TRE-RJ, devido a uma condenação do Tribunal de Contas da União (TCU), considerada pelo juízo eleitoral como “irrecorrível”. A acusação foi de superfaturamento na compra de ambulância, cujas investigações começaram na Operação Sanguessuga, da Polícia Federal, em 2006.

No Facebook, Manoela tinha até recentemente apenas sua página pessoal, onde mostrava basicamente a rotina como dentista. Quando veio a eleição, criou outra, de figura pública, cuja foto principal é dela abraçada com o marido. Por e-mail, Antonio Peres Alves afirmou que não foi ele quem lançou a candidatura da mulher, mas sim “uma decisão coletiva do grupo político ao qual pertencemos”. Sobre o caso que o impediu de concorrer, ele afirmou que não cometeu qualquer irregularidade na compra da ambulância e que continua a “buscar a reforma da decisão do TCU”.

Caso semelhante ocorreu na cidade de Paracambi, na Região Metropolitana do Rio. No dia 30 de julho, Flávio Campos Ferreira, o Dr. Flávio (PR), lançou sua candidatura a prefeito. No dia 7 de setembro, porém, o TRE-RJ indeferiu o registro. O motivo citado pela juíza Bruna Tonial foi uma condenação do TSE relativa às eleições de 2010, que culminou com a cassação de sua suplência como deputado estadual e a perda dos direitos políticos por oito anos. A acusação foi de uso de cirurgias de laqueadura com fins eleitorais.

Após o registro ser indeferido, o PR lançou então em Paracambi a fisioterapeuta Lucimar Cristina da Silva Ferreira. Nas urnas, a identificação já deixava claro de quem ela é mulher: foi chamada de Lucimar do Dr. Flávio. Nos eventos de campanha, assim como em praticamente todas as fotos, não desgrudava do marido. Foi eleita com 12.686 votos, o dobro do segundo colocado na disputa. Dr. Flávio foi procurado através de seu advogado, Michel Saliba, mas não houve retorno.

Em Carapebus, no interior do estado, quem venceu, com 6.201 votos, quase o triplo do segundo colocado, foi Christiane Cordeiro (PP). Seu marido Eduardo Nunes Cordeiro renunciou em 31 de agosto. Em 2013, uma ação de improbidade administrativa referente a uma obra de saneamento no município culminou em sentença de perda de cinco anos dos direitos políticos, dada pela Justiça Federal.

JUNTOS NUMA SÓ VOZ

Na campanha e na comemoração da vitória, era difícil saber se o vencedor havia sido o ex-prefeito ou sua mulher. “Eduardo Cordeiro e Christiane, juntos numa só voz”, dizia o jingle adotado pela candidata. O GLOBO tentou contato com Eduardo por telefone, mas não houve retorno.

Outra que usou o nome do marido, barrado pela Justiça Eleitoral na urnas, e conseguiu se eleger foi Margareth de Souza Rodrigues Soares, a Margareth do Joelson (PP), de Italva. Seu marido, inelegível até 2020, garantiu que não terá cargo: — Vou ajudar em casa, com a minha experiência. Em Araruama, apesar de o marido Chiquinho da Educação ser réu em diversas ações por improbidade administrativa e estar inelegível até 2019, sua esposa, apresentada ao eleitor como Lívia de Chiquinho (PDT), foi eleita com 86,13% dos votos. No Facebook, o casal postou fotos este mês em Las Vegas após a vitória. O ex-prefeito não respondeu a perguntas enviadas pelo GLOBO.

Outra que se elegeu no interior, em São Francisco de Itabapoana, foi Francimara (PSB), mulher de Frederico Barbosa de Lemos, inelegível até 2020.

— O Frederico vai me auxiliar quando puder como gestor, mas ele já teve seu tempo. Tenho meus ideais e desejos que colocarei em prática — disse Francimara.

No Estado do Rio, ainda assumirão o cargo de prefeita em 2017 Carla Machado (PP), em São João da Barra, e Fátima Pacheco (PTN), em Quissamã.

 

 

O globo, n. 30414, 13/11/2016. País, p. 05.