Estado de São Paulo, n. 44943, 04/11/2016. Política, p. A4

Maioria do STF proíbe réus na linha sucessória

Seis dos 11 ministros se manifestam a favor de ação que coloca em risco o cargo de Renan no Senado; pedido de vista de Toffoli adia decisão final sobre o tema

Por: Beatriz Bulla/ Julia Lindner

 

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) formaram ontem maioria para proibir parlamentares réus em ação penal de ocupar cargos na linha sucessória da Presidência da República. Um pedido de vista do ministro Dias Toffoli, porém, adiou por tempo indeterminado a conclusão do julgamento que põe em risco a permanência de Renan Calheiros (PMDB-AL) na presidência do Senado.

Dos 8 ministros presentes à sessão, 6 votaram por impedir réu de comandar as Casas Legislativas.

Renan é alvo de 11 inquéritos no Supremo. A denúncia por peculato, falsidade ideológica e uso de documento falso em suposto pagamento pela Mendes Júnior de despesas da jornalista Mônica Veloso, um relacionamento extraconjugal, está à espera da análise do plenário.

A suspensão do julgamento evita o desgaste de uma eventual saída de Renan do comando do Senado no caso de o STF torná-lo réu antes do fim de seu mandato, em fevereiro do próximo ano. Desde o início da semana, o Planalto atuou para ajudar senador. Dois auxiliares do presidente Michel Temer conversaram informalmente com ministros sobre o momento “inoportuno”, na intenção de não contrariar Renan às vésperas da votação no Senado da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita os gastos públicos por 20 anos.

A expectativa do governo era de que não haveria quórum para a análise da ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) ajuizada pela Rede Sustentabilidade em maio deste ano contra o então presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDBRJ).

O quórum, no entanto, não impediu que o julgamento fosse iniciado ontem e, de maneira rápida, já se formasse a maioria sobre a questão.

“Ante o alcance do texto constitucional, julgo procedente o pedido formalizado para assentar o entendimento segundo o qual aqueles que figurem como réus em processo-crime no Supremo não podem ocupar cargo cujas atribuições constitucionais incluam a substituição do presidente da República”, afirmou o relator Marco Aurélio Mello, seguido por Edson Fachin, Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux e Celso de Mello.

“Não há a menor dúvida em se inferir a impossibilidade de que aqueles que respondam a ação penal ocupem cargos em cujas atribuições constitucionais figurem a substituição de presidente da República”, disse Fachin.

 

Vice-presidente. O procurador- geral da República, Rodrigo Janot, também defendeu a proibição de réus na linha sucessória da Presidência. “Em situações como a atual, a importância dessa função é ainda maior porque não há vice-presidente em exercício no País”, disse Janot.

Para ele, a atividade política é “muito nobre e deve ser preservada de pessoas envolvidas em ato ilícito”.

Além de Toffoli, também não votou a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia. Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski estavam ausentes em razão de viagens. Luís Roberto Barroso declarou-se impedido porque advogados de seu antigo escritório subscreveram a ação levada ao Supremo.

Celso de Mello antecipou seu posicionamento, o que levou à formação da maioria antes mesmo da conclusão do julgamento.

Os ministros, no entanto, ainda podem mudar seus votos. O STF entra em recesso no dia 20 de dezembro e as atividades do plenário voltarão em fevereiro do próximo ano.

 

Denúncia. A ação contra Renan, pronta para ser analisada pelo plenário, tramita no Supremo desde 2007 e seu julgamento ainda não foi pautado. A denúncia foi formalizada pela Procuradoria- Geral da República em 2013. O presidente do Senado responde também a uma série de investigações na Operação Lava Jato e a um inquérito relacionado à Operação Zelotes.

 

O placar

6 ministros votaram contra réus em cargos na sucessão da Presidência – Marco Aurélio, Edson Fachin, Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux e Celso de Mello.

4 ministros não votaram – Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.

1 ministro se declarou suspeito – Luís Roberto Barroso.

 

PARA LEMBRAR

Objetivo era afastar Cunha

A ação movida pela Rede Sustentabilidade já havia entrado na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) em maio. Na época, a matéria foi apresentada com o objetivo de afastar o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que já era réu na Operação Lava Jato e permanecia à frente da presidência da Câmara. O julgamento da ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), no entanto, não chegou a acontecer porque, no mesmo dia, o ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no Supremo, determinou o afastamento do peemedebista. A sessão que analisaria a matéria foi substituída pelo julgamento da situação de Cunha, quando os demais ministros da Corte decidiram referendar a decisão de Teori.

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O Supremo diplomático

Por: Rubens Glezer

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) foi colocado em uma situação desconfortável pela ação judicial que visa impor barreiras para a ocupação dos cargos de presidente da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. A princípio, qualquer decisão teria um resultado difícil: promover a instabilidade política ou desagradar a opinião pública. Contudo, o Supremo parece ter se proposto a adotar uma terceira via.

Em maio deste ano, o partido Rede Sustentabilidade ajuizou ação para que o Supremo declarasse que nenhuma das Casas Legislativas pudesse ser presidida por alguém que fosse réu em ação penal. A ação que mirava concretamente o deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) passou a ser uma possível ameaça para o senador Renan Calheiros (PMDB-AL).

No atual contexto, acatar o pedido geraria instabilidade na capacidade da Presidência da República aprovar reformas e intensificaria o conflito entre os Poderes Legislativo e Judiciário. Porém, negar o pedido poderia transmitir à população a impressão de negociata.

A saída encontrada por parte dos ministros foi manter a votação do caso, para acatar o pedido da ação, mas propor uma leve modificação: réus em ação penal não poderiam substituir o presidente da República, mas poderiam manter a presidência da respectiva Casa Legislativa.

Com isso, dar-se-ia a impressão de um endurecimento contra a corrupção, sem causar maiores problemas para a vida política do País. Esse parece que seria o resultado, mas a votação foi interrompida por um pedido de vista.

Ao final, a postura do Supremo não surpreende, mas preocupa. O Tribunal se concede um imenso poder de interferência política, mas o usa com moderação.

Porém, quando houver abuso e casuísmo, quem poderá controlar o Supremo?

 

É PROFESSOR E COORDENADOR DO SUPREMO EM PAUTA DA FGV DIREITO SP