O Estado de São Paulo, n. 44945, 06/11/2016. Política, p. A8

Propina foi institucionalizada, diz PF

 
Beatriz Bulla
Fabio Serapião
Ricardo Brandt

 

Em 6 de novembro de 2014, o diretor regional da Odebrecht Realizações Imobiliárias, Rodrigo Costa Melo, responsável pelo contrato da obra do Porto Maravilha, no Rio, enviou e-mail a seu superior, Antonio Pessoa de Souza Couto, diretor-superintendente da unidade do Grupo Odebrecht, em que pedia R$ 1 milhão para “Turquesa”. O dinheiro seria propina na obra de revitalização da região portuária do Rio, uma das maiores Parcerias Público-Privadas executadas pela Concessionária Porto Novo, formada por Odebrecht, OAS e Carioca Engenharia.

Cinco dias após o pedido, Couto responde ao subordinado: “Ok”. Ato-contínuo, o diretor ligado à obra de Porto Maravilha escreve para Paul Altit, líder empresarial da Odebrecht Realizações: “PA, seguindo o processo, solicito sua aprovação para a operação”. Altit responde e copia Ubiraci Santos, um dos responsáveis pelo controle na holding do Setor de Operações Estruturadas, apontado como “departamento da propina”: “Ok Bira”. Com a aprovação de suas chefias, Melo envia em e-mail para a secretária Maria Lúcia Tavares, do Setor de Operações Estruturadas, e solicita a entrega do dinheiro em duas parcelas.

A troca de mensagens dos executivos da Odebrecht, em quatro níveis hierárquicos, as planilhas de registro de pedido e registro de pagamentos fazem parte do rol de provas descobertas pela Operação Lava Jato de que a distribuição de propina foi institucionalizada no grupo e envolvia desde diretores responsáveis pelas obras até seu presidente, Marcelo Odebrecht – afastado do cargo desde que foi preso. “Trata-se de um sistema institucionalizado e profissionalizado, com observância à hierarquia empresarial, e que admitidamente assume contornos sub-reptícios ao se valer de codinomes para preservar a identidade dos destinatários”, afirmou a Polícia Federal.

Para investigadores, foi a institucionalização operacional dos pagamentos que arrastou mais de 50 executivos do grupo a buscar a delação premiada e fez com que o acordo com a força-tarefa do Ministério Público Federal fosse a única saída para tirar Marcelo Odebrecht da cadeia e afastar o risco de falência do Grupo Odebrecht. Além de políticos do PT, PMDB e PP – legendas já alvo da investigação –, partidos como PSDB também podem ser implicados pelas delações.

Desvantagem. Os procuradores da Lava Jato consideram, no entanto, que as provas encontradas contra a Odebrecht colocam a empreiteira em desvantagem nas negociações de uma delação premiada. “Na mesa de negociação de uma delação, é como numa negociação comercial ou entre um casal: quem mais quer menos pode”, afirmou um dos investigadores, em reservado.

O caso da propina nas obras do Porto Maravilha – já conhecido desde março, quando foi presa a ex-secretária do Setor de Operações Estruturas Maria Lúcia Tavares – é emblemático para mostrar, segundo os investigadores da força-tarefa, que o grupo continuava a praticar crimes mesmo depois de iniciada a Lava Jato, em março de 2014.

As descobertas da operação e uma provável delação de executivos do grupo também podem levar a Polícia Federal e o Ministério Público Federal a irregularidades além da Petrobrás. Além de guardar registros de propina para agentes públicos e políticos nos contratos de refinarias e plataformas, os arquivos do Setor de Operações Estruturas têm dados sobre pagamentos em obras de estádios da Copa de 2014, como o Itaquerão, em São Paulo, em negócios de transporte (concessões de aeroportos e rodovias), no setor de saneamento e outros.

Codinomes. As ordens de pagamentos têm identificação de executivos responsáveis pelos pedidos, os contratos relacionados, unidades envolvidas nas despesas, nomes dos superiores que autorizavam pagamentos, beneficiários, contas usadas e valores envolvidos. Tudo cifrado, com uso de codinomes, siglas e senhas, com objetivo de ocultar a sistemática financeira montada no grupo.

Para a força-tarefa, a descoberta do Setor de Operações Estruturadas é a prova mais contundente da corrupção “profissionalizada” das empreiteiras do cartel que atuou na Petrobrás entre 2004 e 2014.

 

‘Hierarquia empresarial’

“Trata-se de um sistema institucionalizado e profissionalizado, com observância à hierarquia empresarial, e que admitidamente assume contornos sub-reptícios ao se valer de codinomes para preservar a identidade dos destinatários.”

RELATÓRIO DA POLÍCIA FEDERAL

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Para ministro do TSE, desvios são ‘espantosos’

 

Rafael Moraes Moura

 

Relator do processo que pode levar à cassação do presidente Michel Temer e à convocação de uma nova eleição, o ministro Herman Benjamin, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), disse estar impressionado com depoimentos de testemunhas de acusação na ação que apura, entre outras coisas, se a chapa Dilma Rousseff-Temer em 2014 recebeu dinheiro desviado dos cofres da Petrobrás. “Os valores (desviados) são espantosos, são estratosféricos.

Nós, seres humanos normais, não temos condição de avaliar o que se pode comprar com aquilo”, afirmou Benjamin no VI Encontro Nacional de Juízes Estaduais (Enaje), em Porto Seguro (BA). “Vocês conhecem a expressão de Hannah Arendt a ‘banalidade do mal’ (expressão usada pela filósofa alemã para analisar o comportamento de agentes nazistas no extermínio de judeus). Aqui era a ‘normalidade da corrupção.’” Entre as 25 testemunhas de acusação já ouvidas pelo TSE estão ex-diretores da Petrobrás, executivos de empreiteiras e lobistas, muitos deles delatores da Lava Jato. “Este é o maior processo da história do TSE, que nunca julgou uma cassação de uma chapa presidencial eleita”, disse o ministro. “Eu imprimo a este processo o ritmo que eu acho que o caso merece.” A previsão é de que o julgamento ocorra em 2017, o que levaria, em caso de decisão pela cassação, à realização de eleições indiretas no Congresso. “Será um julgamento técnico. Sei que muita gente gostaria que o TSE se transformasse num tribunal político”, disse Benjamin.