Título: Novo Código Florestal: Dilma cumprirá compromisso de veto?
Autor: Lima, André
Fonte: Correio Braziliense, 30/11/2011, Opinião, p. 15

Advogado, mestre em gestão e política ambiental pela UnB, membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB-DF e do Conselho Nacional de Meio Ambiente

O projeto aprovado na Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado é bom, para quem desmatou. Concretamente, a proposta cria facilidades para quem descumpriu a velha lei. Mais: o novo Código Florestal apresenta dispositivos que contrariam compromissos assumidos ao longo das eleições de 2010 pela presidente Dilma Rousseff de vetar retrocessos na Lei Florestal. Vejamos...

A Emenda 196, aprovada pela CMA, estabelece a anistia mais evidente. Reduz em até 80% a recomposição de áreas de preservação permanente (APP) nas margens de rios em todo Brasil, inclusive (mas não apenas) de rios com até 10m de largura. Das duas uma: ou as margens de rios e nascentes são de preservação permanente e a consolidação de ocupação ilegal nessas áreas constitui anistia, ou tais áreas deixaram de ser consideradas de preservação permanente em sua integridade e, portanto, estaremos diante da redução de proteção desses espaços (margens de rios, nascentes e outros). Qualquer que seja a opção, estamos diante de fatores que ensejariam veto nos termos expressos do compromisso da presidente.

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) afirmou em várias oportunidades que a redução em até 50% da recomposição de margens de rios com até 10m de largura vai impactar mais de 50% de toda a malha hídrica do país. Não há rio grande que nasça grande. Essa medida afetará todos os tributários de grandes rios brasileiros de forma difusa. Nas bacias hidrográficas mais críticas (situadas no centro sul) do país serão comprometidos no médio prazo o abastecimento humano, de indústrias, a produção de energia e a própria agropecuária (que consome cerca de 70% de toda a água disponível no país).

A manutenção da data de julho de 2008 como teto para consolidação de atividades agropecuárias ilegais em APP contraria frontalmente a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98), que as trata como crime nos artigos 38, 39 e 48. Sendo a lei de 1998, são pelo menos 10 anos de anistia explícita. E a Constituição Federal de 1988, no artigo 225, diz que "independentemente da obrigação de reparar o dano", o infrator será punido administrativa e penalmente pelos prejuízos ambientais.

No entanto, a data (julho de 2008) não foi adotada como teto para a possível redução da reserva legal nas propriedades rurais na Amazônia pelo zoneamento ecológico-econômico (ZEE). Essa lacuna significará a regularização de desmatamentos ilegais futuros com benefício da redução da reserva legal de 80% para 50% na região. Em Mato Grosso, por exemplo, que teve seu ZEE aprovado por lei estadual neste ano, houve aumento súbito e vertiginoso de desmatamento (em mais de 70%) em 2011, depois de três anos consecutivos de queda, só com a expectativa de aplicação desse benefício. O Projeto de Lei nº 30 de 2011 estende automaticamente o benefício de redução da reserva legal para 50% aos estados da Amazônia que possuírem mais de 65% do território com unidades de conservação e terras indígenas. Porém, o texto não limita a medida aos desmatamentos anteriores a julho de 2008. Isso significará mais estímulos a novos desmatamentos na Amazônia.

Outro elemento que causará mais desmatamentos é que a aquicultura (criatórios de camarão) será considerada pela nova lei como atividade de utilidade pública. Com isso, ocupações ilegais em manguezal serão consolidadas e a lei autorizará novos desmatamentos em manguezais e nas beiras de rios em todo o Brasil, para tanques privados de criação de peixe e de camarão. Por fim, o texto altera significativamente a metodologia de mensuração de topos de morro, outra categoria de APP, reduzindo-a em até 90% em comparação com o que hoje é protegido.

Com tudo o que foi exposto até aqui, o PL 30 de 2011, apesar de ser melhor do que o oriundo da Câmara dos Deputados, fere frontalmente os limites estabelecidos pela presidente Dilma em seu compromisso de vetos aos eventuais (e agora concretos) retrocessos. Isso porque o referido projeto de lei estimulará mais desmatamentos, reduzirá área de preservação permanente e anistiará crimes ambientais.

Se o governo não atuar para alterar o quadro no plenário do Senado, restará à presidente Dilma o ônus de repor o equilíbrio. Há quem diga que o vice-presidente Michel Temer é quem sancionará o novo Código Florestal. Eu ainda quero crer que a presidente cumprirá seu compromisso.