O Estado de São Paulo, n. 44941, 02/11/2016. Política, p.A4

 

Proposta na Câmara cria brecha para anistiar caixa 2

Igor Gadelha e Daiene Cardoso

 

 

Comissão. Medida relatada por Onyx Lorenzoni prevê criminalizar a prática com base no Código Penal; texto pode livrar quem cometeu crime antes da aprovação da lei.

O relatório do pacote das 10 medidas anticorrupção, que deverá ser entregue na próxima semana pelo deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), reacendeu o debate sobre uma possível anistia para políticos e empresários que já praticaram caixa 2 em campanha eleitoral. Na avaliação de deputados e senadores, o texto da forma como está sendo costurado, em vez de endurecer as regras, abre uma brecha jurídica para perdoar quem já cometeu o crime antes da aprovação da lei.

Lorenzoni apresentou ontem relatório que prevê pena de 2 a 5 anos de prisão para crime de caixa 2 com recursos de origem lícita. Ele negou a intenção de anistiar políticos e empresários.

Parlamentares contrário à criminalização, porém, afirmam que será possível a interpretação de que antes da vigência da regra o caixa 2 não era punível, uma vez que o artigo 5.º da Constituição estabelece que uma lei penal não pode retroagir contra o réu, mas apenas para beneficiá-lo.

Não é a primeira vez que o Congresso Nacional busca anistiar políticos que praticaram caixa 2. Em setembro, líderes de diversos partidos, como PSDB, PP, PT e PCdoB, tentaram votar na Câmara projeto que previa a criminalização do caixa 2 e também a anistia para quem já tivesse adotado a prática antes. Após protestos do PSOL e da Rede, a matéria foi retirada da pauta. Nenhum parlamentar assumiu sua autoria.

Agora, o relatório de Lorenzoni considera caixa 2 o ato de “receber, manter, movimentar ou utilizar o candidato, o dirigente e o integrante de órgão de direção de partido político ou coligação, recursos, valores, bens ou serviços estimáveis em dinheiro, de origem lícita, paralelamente à contabilidade exigida pela legislação”.

Se os recursos usados forem de origem ilícita – ou seja, ilegal –, Lorenzoni explicou que políticos e empresários deverão ser enquadrados na Lei de Lavagem de Dinheiro – nela, a prática do crime terá pena prevista de 3 a 10 anos de detenção. O projeto que será votado na Câmara já vai determinar a mudança nessa lei para aplicá-la para fins “eleitorais e partidários”. 

Emenda. Embora a possibilidade de anistia para quem já cometeu o crime não esteja explícita no relatório, os deputados ainda poderão apresentar emendas em plenário com esse conteúdo.

Mesmo que não seja aprovada o acréscimo para anistiar quem já praticou o crime, o deputado Miro Teixeira (Rede- RJ) disse que a nova lei vai abrir espaço para uma “autoanistia por via transversal”.

Segundo o parlamentar, quem for flagrado pela prática de caixa 2 após a aprovação da nova lei usará o argumento de que se o crime foi tipificado é porque não era ato criminoso anteriormente. Na avaliação de Miro, não há necessidade de tipificar a prática, pois ela já está prevista em outras legislações, embora não com esse termo.

Ele cita como exemplo o artigo 350 do Código Eleitoral, que impõe pena de até 5 anos para quem omitir ou inserir declaração falsa para fins eleitorais.

“Caixa 2 é um apelido de um mundo de infrações financeiras”, afirmou.

“Esse artigo existe há mais de uma década. Quantas condenações tiveram com base nele? Muito poucas”, afirmou Lorenzoni.

Hoje, o caixa 2 não está descrito na legislação penal e, em razão disso, o Ministério Público Federal (MPF) já havia apresentado a proposta de criminalização no pacote anticorrupção, em análise na comissão da qual o deputado do DEM é relator.

Votação. Lorenzoni disse que tentará ler seu parecer na próxima semana, para que o projeto seja votado na semana seguinte no colegiado. Ele afirmou também que alterou alguns itens das medidas propostas pelo MPF como o que trata do chamado teste de integridade, ou seja, uma simulação de situações sem o conhecimento dos agentes públicos, com objetivo de testar sua conduta moral.

Ele também vai retirar do texto a possibilidade de uso de provas obtidas de forma ilícita.

PARA ENTENDER

Prática já é criminalizada

Atualmente, a prática de caixa 2 é considerada crime com base no artigo 350 do Código Eleitoral (Lei 4.737/65) – o delito fica caracterizado com informações inverídicas ou omitidas da Justiça Eleitoral. O Ministério Público, no entanto, propõe a responsabilização de partidos em relação à contabilidade paralela e à prática de ocultar ou dissimular a origem de valores provenientes de infração penal e de fontes de recursos vedadas pela legislação eleitoral ou que não tenham sido contabilizados. Sugere, ainda, a criminalização do caixa 2 para as pessoas físicas diretamente envolvidas na movimentação e uso desses recursos. 

MUDANÇAS

Previsão em lei

Como é

A prática de caixa 2 já é prevista em algumas legislações, embora não seja usado esse termo.

A proposta

A prática de caixa 2 seria tipificada como crime, especificando o termo na legislação. 

Penas de prisão

Como é

O Código Eleitoral prevê pena de até 5 anos de prisão e multa para quem omitir ou inserir declaração falsa para fins eleitorais.

A proposta

De 2 a 5 anos em caso de contabilidade paralela e de 3 a 10 anos em caso de recurso de origem ilícita.