O globo, n. 30421, 20/11/2016. País, p. 4
Por: CHICO OTAVIO
Em depoimento considerado pelos investigadores praticamente uma confissão, o empresário Carlos Emanuel de Carvalho Miranda, o Carlinhos, apontado como principal operador do exgovernador Sérgio Cabral, não conseguiu explicar como a sua empresa, a LRG Agropecuária, recebeu R$ 13 milhões em contratos entre 2007 e 2014, justamente o mesmo período das duas gestões de Cabral. Carlinhos alegou que prestou “consultorias informais” aos clientes — empresas que tinham negócios ou interesses junto ao governo fluminense. Não há comprovante da prestação dessas “consultorias”.
Carlinhos, que foi preso e depôs na quinta-feira, na sede da PF no Rio, também admitiu conhecer executivos e funcionários das empreiteiras Andrade Gutierrez e Carioca Engenharia, e frequentar as sedes das duas empresas no Rio. Também não negou que recebera alguns deles na sede da sua empresa, quando ela ainda se chamava Gralc, no Jardim Botânico, Zona Sul do Rio. Em delação premiada e adesão a acordos de leniência, estes executivos e funcionários contaram à Lava-Jato que entregaram a Carlinhos, em dinheiro vivo, a propina cobrada por Cabral de 5% de todas as grandes obras das quais participavam no estado. Em seu depoimento à PF, o operador alegou que os encontros com essas pessoas tiveram motivação “pessoal”.
No depoimento obtido pelo GLOBO, Carlinhos admitiu conhecer os executivos Alberto Quintaes e Rogério Nora, da Andrade Gutierrez; Ricardo Backeuser, Eduardo Backeuser, Tânia Fontenele e Rodolfo Mantuano, da Carioca Engenharia. Disse que esteve com eles nas sedes das duas empresas “para tratar basicamente de assuntos pessoais”. No entanto, nas delações, os representantes das empreiteiras garantiram que as reuniões eram destinadas ao pagamento da propina.
Carlinhos admitiu ser o responsável pela confecção da declaração de Imposto de Renda de Cabral, dos filhos e de outros parentes do ex-governador. O depoente, que aparentava nervosismo na PF, admitiu ainda conhecer Reginaldo Assunção, representante da construtora OAS no Rio. Assunção frequentava a Assembleia Legislativa na época em que Carlinhos era assessor parlamentar de Cabral.
As investigações demonstraram que a LRG Agropecuária, antiga Gralc, foi constituída poucas semanas após Cabral tomar posse no governo do estado, em 2007. Até 2013, faturou R$ 13 milhões em contratos com empresas. Porém, no ano seguinte, quando Cabral já não era governador, seu faturamento desabou para apenas R$ 7 mil no ano. Carlinhos alegou que a queda estaria relacionada à vinculação de seu nome à irregularidades administrativas — na época, o nome de Carlos Miranda apareceu pela primeira vez na contabilidade paralela na Camargo Corrêa, durante a operação Castelo de Areia.
Os investigadores estão convencidos de que a LRG foi usada para “esquentar”, via contratos fictícios, a propina paga por empresas que se relacionavam com o governo Cabral. Com o nome fantasia Fazenda Três Irmãos, a sofisticada propriedade rural voltada para a criação de “bovinos de leite e caprinos” fica na Estrada Francisco Corval Alonso, em Paraíba do Sul, e foi visitada pelo GLOBO.
Somente com as concessionárias de veículos dos grupos Eurobarra e Dirija, pertencentes a uma mesma família, os contratos somam R$ 10 milhões. As empresas, além de prestar serviços ao estado, têm ligação com o PMDB. Em 2014, um galpão da Eurobarra, na Barra da Tijuca, serviu como comitê central da campanha do governador Luiz Fernando Pezão. O coordenador da campanha, Hudson Braga, tinha uma sala no local. As concessionárias, em 2006, doaram cerca de R$ 200 mil para a campanha de Cabral ao governo fluminense. A LRG também foi contratada pelo grupo Facility, do empresário Arthur Soares, conhecido como o Rei Arthur; pela Plarcon Cyrela Empreendimentos; e pelo Portobello Resort, em Mangaratiba, onde Cabral tem uma casa.
Outra contratante da LRG foi a Reginaves (Frangos Rica), beneficiada com um total de R$ 60,8 milhões em renúncias fiscais do estado, de 2008 a 2010. A mesma empresa contratou também o escritório da ex-primeira-dama Adriana Ancelmo. Juntos, os dois contratos (LRG e Ancelmo Advogados) custaram à Reginaves, pertencente ao empresário Luiz Alexandre Igayara, R$ 2,7 milhões. Igayara recebeu a medalha Tiradentes, comenda oferecida pela Assembleia Legistiva, por proposta por Cabral, que na época, em 2012, era deputado estadual.
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Um pedaço de papel recheado de nomes de empreiteiras, datas e cifras, encontrado pela Operação Calicute em poder de Wagner Jordão Garcia, um dos presos na última quinta-feira, aparenta ser a contabilidade do “oxigênio”, como o ex-secretário estadual de Obras Hudson Braga (também preso) se referia à propina que cobrava. De acordo com os delatores das empreiteiras Andrade Gutierrez e Carioca Engenharia, Wagner era o operador encarregado por Hudson de recolher a taxa de “oxigênio”, que no caso do ex-secretário correspondia a 1% do valor da obras — já o ex-governador Sérgio Cabral cobrava 5%, segundo a Lava-Jato.
O pedaço de papel faz referência a quase todas as empreiteiras que tiveram contratos com o estado, o que indica que o esquema pode ser bem maior do que o inicialmente investigado e abre caminho para que a operação amplie o alcance além da Andrade Gutierrez e da Carioca. Em uma das linhas, aparecem os nomes de duas outras empreiteiras com obras no estado, ao lado do número 43.185, com uma seta apontando para as datas “17/03 + 08/04 + 12/05”.
Um dos delatores, Alberto Quintaes (Andrade Gutierrez), contou que as entregas de propina a Wagner eram feitas da seguinte forma: Quintaes ligava, marcava o encontro e Wagner entrava em seu carro. O delator dava a volta no quarteirão, deixava Wagner nas imediações da Secretaria de Obras e ia embora.
O órgão funcionava na antiga sede do Banerj (Banerjão), na Avenida Nilo Peçanha, entre as ruas da Ajuda e México, no Centro.
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Por: JULIANA CASTRO
Citado por pelo menos cinco delatores da Operação Lava-Jato como responsável pela organização da cobrança de propina paga ao ex-governador Sérgio Cabral (PMDB), o ex-secretário Wilson Carlos tinha uma movimentação financeira que pouco condizia com o que ele declarava ganhar. As informações que vieram com as quebras de sigilo impressionaram os procuradores. Só no cartão de crédito, Wilson Carlos e a mulher, Mônica Araújo, chegavam a gastar mais do que a renda que declaravam no Imposto de Renda.
Entre 2007 e 2015, o casal teve despesas de R$ 2,1 milhões em compras no cartão de crédito, o que dá uma média de R$ 19,4 mil por mês. Somente em 2010, a fatura de Wilson Carlos alcançou a R$ 314 mil.
O Ministério Público Federal (MPF) diz que há fortes indícios de que o ex-secretário tem bens que não declara. Seria a situação de uma casa no Condomínio Portobello, em Mangaratiba, no valor aproximado de R$ 6 milhões. No local, o ex-governador e amigo de longa data também tem imóvel.
Outro bem não declarado de Wilson Carlos seria um apartamento no Condomínio La Villete, em Petrópolis, avaliado em cerca de R$ 550 mil. O MPF desconfia que os imóveis pertencem, na verdade, ao ex-secretário porque notas fiscais eletrônicas emitidas em nome dele e da mulher têm, repetidas vezes, as duas residências como destino de entrega.
O MPF também lançou suspeitas sobre depósitos recebidos por Wilson Carlos oriundos da empresa Cara de Cão, no valor de R$ 339,7 mil, nos meses de setembro e outubro de 2014. O ex-secretário declarou o valor pago como sendo renda decorrente de trabalho sem vínculo empregatício. A empresa é uma produtora de material audiovisual e foi contratada pelo PMDB do Rio para fazer produção de programas de rádio, televisão ou vídeo em 2014. No pleito de 2010, quando Cabral concorreu à reeleição e Wilson Carlos foi assessor financeiro da campanha, a produtora recebeu R$ 6,2 milhões.
“Tal estranheza fica ainda mais evidente quando se constata que não há qualquer evidência da formação ou atuação pretérita de Wilson Carlos na área de produção audiovisual”, afirma o MPF.
JUNTOS DESDE 1997
Presos no mesmo dia, Wilson Carlos acompanha o peemedebista desde os tempos da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Em 1997, ele assumiu a chefia de gabinete do então deputado estadual Sérgio Cabral. Desde então, ocupa os cargos de mais confiança do chefe. Coordenou as campanhas do peemedebista em 1998, 2002, 2006, 2010 e 2014.
Quando venceu a eleição para o governo do estado, Cabral anunciou o nome de Wilson Carlos para a Secretaria de Governo. Era dele o papel de fazer a interlocução com a Assembleia Legislativa, as prefeituras e as demais secretarias
Em delações premiadas, exexecutivos de empreiteiras afirmam que Cabral indicou Wilson Carlos como a pessoa responsável por falar em seu nome, sendo o responsável pela operacionalização dos “compromissos”, como o então governador tratava a propina.
Wilson Carlos teve mandato de prisão expedido no Rio pelo juiz Marcelo Bretas e, em Curitiba, por Sérgio Moro. Foi levado para a capital paranaense porque lá a prisão é temporária (de cinco dias). Se Moro não renovar a prisão temporária do ex-secretário em Curitiba, ele virá para o Rio e deverá se juntar a Cabral e a outros presos, como o ex-secretário de Obras Hudson Braga, em Bangu 8. A defesa de Wilson Carlos não foi encontrada para comentar as acusações.