O globo, n. 30421, 20/11/2016. País, p. 6

Operação Operação

Por: Antonio Tabet

 

O secretário de segurança reúne a cúpula da polícia no gabinete do governador para detalhes sobre a importante operação a ser deflagrada no dia seguinte.

— Senhores, as pastas na frente de vocês contêm o briefing de amanhã. Peço que leiam atentamente porque essa é uma operação sigilosa. Acabou de sair do forno.

— Secretário, tem um erro aqui na frente da pasta já. — Qual erro, governador? — Veio escrito “Operação” duas vezes. Tá “Operação Operação”.

— Está certo, governador. É “Operação Operação” mesmo. — O nome da operação é “Operação Operação”? — Positivo. “Operação Operação”. — Curioso, né? E por que esse nome? Vamos pegar o Gaguinho da Rocinha?

— Não, senhor. A gente vai pegar a gente mesmo, governador. — Oi? — É isso aí. Tá já na página 2 aí. Um dos investigados na Lava- Jato delatou a gente e teremos que nos pegar amanhã. É o mínimo que a sociedade civil espera de nós.

— Desculpe, secretário, mas eu ainda não entendi. Principalmente a parte da sociedade civil esperar alguma coisa da gente.

— É que a Polícia Federal tá conosco na “Operação Operação” e eles estão fazendo um bom trabalho, né, governador? Aí já cria uma expectativa diferente. — Sei... mas vem cá... quem delatou a gente? — Eu. — Você?!? — Sim senhor. — Mas você não tá nos meus esquemas! — O senhor que não sabe. E mesmo que não tivesse, como eu delatei, nada mais normal que a Polícia Federal investigue isso, né? — Então não é prisão? — Nããão... é só uma condução coercitiva. Por enquanto.

— Como assim “por enquanto”? Tem mais alguém aqui nessa sala que possa estar envolvido no meu esquema?

— Não sei, senhor. Mas vai que a gente investiga e descobre que o Guedes espalhou foto daquela ex dele na casa de swing de Barretos. Ou que o Delacir tem carteira falsa da PUC pra pagar meia. Ou que você xingou aquele goleiro colombiano de “crioulo filho da puta”? Eu mesmo baixei Breaking Bad pirata. — Mas isso tudo é merdinha, secretário! — Governador, essas “merdinhas” são crimes federais. É coisa séria! Mais séria pra vocês do que pra mim porque eu já adiantei meu lado dedurando a gente. — Que merda! E o que a gente faz agora? — Agora a gente senta aqui e espera. — Espera o quê? — A gente. — Não sei se entendi, secretário. — Pô, governador! Nem parece que o senhor conhece a Federal. Eles sempre dão a incerta de madrugada pra pegar vagabundo desavisado, esqueceu? Então como a “Operação Operação” é uma operação conjunta, a gente espera e amanhã bem cedinho a gente se prende de surpresa.

— Mas é que... no caso... não vai ser surpresa porque a gente já sabe, né?

— É. Cá entre nós, na teoria, a gente teria que se matar porque essa operação é sigilosa. Mas aí já seria outro crime e achei melhor a gente não se complicar porque não incluí nenhum homicídio na delação. — Então a gente espera e pronto? — Espera e pronto. —(...) — Bom... eu vou ligar pra casa e dizer que não volto pro jantar hoje. — Secretário... — Sim. — Esse telefone na mão do senhor é um iPhone 7?

— É. Trouxe da Disney semana passada. Acredita que é bem mais em conta lá que aqui? —E o senhor declarou o aparelho na Alfândega? — Ih! Não. (...)

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Juiz diz que Garotinho ofereceu R$ 5 milhões para não ser preso

Em áudio, ex-governador tenta reunião com corregedor da PF

Por: Madalena Romeo e Marco Grillo

 

O juiz da 100ª Zona Eleitoral de Campos dos Goytacazes, Glaucenir de Oliveira, disse à Procuradoria Regional Eleitoral (PRERJ) que o ex-governador Anthony Garotinho tentou suborná-lo para abafar as investigações e evitar que fosse preso. De acordo com o procurador regional eleitoral, Sidney Madruga, Garotinho e um dos filhos, Wladimir Matheus, ofereceram, por meio de intermediários, R$ 5 milhões para o magistrado.

A Procuradoria solicitou à Polícia Federal (PF) que apure o caso. Segundo Madruga, a propina foi oferecida há um mês, e o juiz resolveu fazer a denúncia agora para preservar a operação que prendeu o ex-governador.

— Foram duas propostas: uma de R$ 1,5 milhão e outra de R$ 5 milhões — afirmou o procurador.

Madruga disse que a Procuradoria apura também uma possível ameaça a um procurador eleitoral de Campos que participa das investigações. O caso está sob sigilo e, segundo o procurador, não pode, por ora, ser atribuído a Garotinho.

O advogado do ex-governador, Fernando Fernandes, negou as acusações e disse que vai representar contra o juiz por denunciação caluniosa.

Em outra frente do caso, investigadores acreditam que Garotinho tentou interferir na apuração por meio da corregedoria da PF no Rio. Uma gravação telefônica interceptada pela Justiça mostra o ex-governador pedindo a um interlocutor, apontado como agente da corporação, que marque uma reunião com o “novo corregedor” da PF. “Eu quero despachar ele para Campos para trabalhar lá”, diz Garotinho. Investigadores acreditam que o ex-governador pretendia mobilizar uma ofensiva contra as apurações em Campos. O interlocutor prometeu a reunião para o dia seguinte, mas não há informações se ela ocorreu.

A sequência de acontecimentos, no entanto, intrigou os responsáveis pela investigação. A Superintendência da PF expediu um ofício determinando que o inquérito, que estava na delegacia de Campos, fosse removido para o Rio para uma “correição extraordinária”, procedimento de fiscalização.

O juiz Glaucenir de Oliveira, no entanto, determinou, em mandado de busca e apreensão, que os autos fossem levados para o cartório da 100ª Zona Eleitoral. O magistrado alegou que era um pedido da própria defesa, que queria acesso aos documentos. “Estranhamente e de forma surpreendente, a autoridade policial recebeu ordem administrativa do Departamento de Polícia Federal, não se esclarecendo por intermédio de que autoridade superior e por quais motivos, para remeter os áudios do inquérito para o Rio de Janeiro... É realmente muito estranho e surpreendente tal comando administrativo, posto que não é comum este tipo de expediente”, escreveu o juiz em despacho.

Delegado responsável pelas investigações em Campos, Paulo Cassiano disse que este tipo de movimentação não é normal.

— Em um contexto da PF, isso é incomum, é estranho. Pedi por escrito que dissessem a mim os motivos, mas não responderam — afirmou o delegado, em referência à Superintendência.

O advogado de Garotinho disse que o ex-governador fez uma representação à corregedoria alegando supostos abusos de Cassiano. Segundo o defensor, o objetivo da reunião, que ele diz não ter ocorrido, era denunciar a conduta do delegado. “Todos os poderes são fiscalizados.. O canal foi oficial e anterior a qualquer tentativa de encontro”, disse.

O delegado disse que se colocou à disposição para que sua conduta fosse apurada. O procurador regional eleitoral pediu à PF que apure a transferência do inquérito. A Superintendência da PF não se manifestou.

Garotinho permanece internado no Hospital Quinta D’Or, na Zona Norte. De acordo com o boletim, assinado pelo médico Marcial Navarrete Uribe, o estado dele é estável.