O globo, n. 30421, 20/11/2016. País, p. 8

Comissão da Presidência avalia caso Geddel

A Comissão de Ética Pública da Presidência da República vai examinar amanhã denúncia do ex-ministro da Cultura Marcelo Calero de que o ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, o pressionou para obter licença do Iphan para empreendimento na Bahia, no qual comprou um apartamento. Fontes do Planalto consideram que a permanência de Geddel está ameaçada.

Por: CATARINA ALENCASTRO,JÚNIA GAMA,GERALDA DOCA e FABIANO RISTOW


RIO E BRASÍLIA- A situação do ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, complicou-se depois que o ex-ministro da Cultura Marcelo Calero o acusou de tê-lo pressionado para obter uma licença do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para obra de um empreendimento de seu interesse na Bahia. A denúncia contra Geddel, principal articular político do governo, causou incômodo no Palácio do Planalto. Auxiliares presidenciais consideraram a questão “gravíssima” e que a permanência de Geddel no governo está ameaçada. O assunto será o primeiro item da pauta da Comissão de Ética Pública da Presidência da República, que se reunirá amanhã.

A oposição quer uma acareação entre Geddel e Calero e defende que o ministro deixe o cargo. Este admitiu ter conversado com o então colega sobre o assunto, mas negou tê-lo pressionado para obter a licença do Iphan. O ministro disse não ver conflito de interesses em sua ação. Geddel afirma que permanece no cargo pois, em conversa com o presidente Michel Temer na manhã de ontem, ouviu de seu chefe que o episódio é “página virada”.

Geddel afirmou não ter pressionado Calero, a quem acusou de mentir em entrevista que deu ao jornal “Folha de S.Paulo”, ao dizer que o ministro teria ameaçado “pedir a cabeça” da presidente do Iphan, Kátia Bogéa. A servidora informou por meio da assessoria que continua no cargo.

— A fala do Calero tem um fato real: eu tratei com ele desse tema (o empreendimento na Bahia). E tem mais uma série de inverdades, aspas que nunca foram ditas por mim. É uma memória fantástica dele para citar tantas falas minhas. Conversei com ele sobre um tema com clareza, nitidez. Eu não disse que ia pedir a cabeça de ninguém, é mentira dele. Ele está faltando com a verdade também quando diz que eu levaria o tema para o presidente da República — afirmou o ministro.

Calero reiterou ontem ao GLOBO que recebeu ameaças de Geddel:

— Eu considero uma ameaça ele dizer que pediria a cabeça da presidente do Iphan e que, se fosse preciso, falaria com o presidente da República. O que acontece é que a pressão que ele exerce é assertiva e truculenta, uma pressão que se exerce por si só.

Sobre a negativa de Geddel de que o tivesse pressionado, Calero disse que recebeu telefonemas dele e de outros integrantes do governo. Houve, segundo o ex-ministro, uma tentativa de tirar a decisão de sua alçada:

— Nesse meio tempo, a procuradoria e a área técnica do Iphan atuavam em sentido de dar uma solução técnica, como eu havia pedido. O meu grande medo foi quando, no dia 28 de outubro, ele fala que é dono do imóvel. Eu me vi diante de um crime, o que até então não existia. Eu achei, talvez de maneira ingênua, que a solução técnica provocasse uma acomodação. Mas o fato é que a partir dessa decisão a coisa só piorou, porque ele se viu com o seu interesse absolutamente confrontado.

Geddel disse que telefonou para Temer ontem de manhã, logo que leu a entrevista de Calero. Segundo o ministro, Temer estaria “sereno e tranquilo” e compreendeu o caso. O aconselhamento do presidente, de acordo com ele, foi para “esquecer” o assunto.

Assessores de Temer, no entanto, avaliam que o assunto não será resolvido facilmente. Um interlocutor do presidente afirmou que a situação do ministro é “gravíssima”. Segundo ele, a pressão que Geddel teria feito sobre Calero para a liberação do empreendimento configura abuso de autoridade. Para esse interlocutor, Geddel perde as condições de falar em nome do governo, como articulador político, sobre pautas tão caras a Temer, como a PEC do teto de gastos e a reforma da Previdência.

— Esse embaraço para Geddel ainda vai render muito. Fazer uso de sua posição para interesse pessoal é gravíssimo. Ele usou o nome do presidente, isso não é adequado. A menos que o presidente tivesse pedido. E não pediu. É abuso de autoridade — avaliou o assessor.

Outro auxiliar próximo e cacique do PMDB disse que Temer ficou muito irritado com o episódio. Calero esteve com o presidente no Planalto na noite de quinta-feira para informá-lo sobre sua decisão de deixar o governo. Temer teria pedido um tempo para verificar os fatos relatados, mas Calero disse que a decisão já estava tomada. O presidente estava ontem em São Paulo e volta hoje a Brasília. Ele deve reunir assessores mais próximos para discutir o futuro de Geddel.

— Uma coisa totalmente desnecessária. O presidente está muito irritado — disse outro auxiliar próximo a Temer.

Em entrevista à “Folha de S.Paulo”, Calero disse que Geddel o procurou cinco vezes pedindo que o Iphan desse um parecer favorável à obra do edifício La Vue, próximo a uma área tombada de Salvador. Geddel diz que comprou um imóvel no local. O empreendimento já contava com um parecer técnico do Iphan baiano a favor da construção, mas o Iphan nacional reverteu o parecer este ano, ainda na gestão de Dilma Rousseff, alegando que o projeto compromete a visibilidade de bens tombados.

Ao GLOBO, Geddel disse não se sentir responsável pela saída de Calero. E que se trata da palavra de um contra a do outro.

Para o presidente da Comissão de Ética Pública, Mauro Menezes, o episódio envolve questões éticas e deve ser examinado pelo colegiado. Ele não quis adiantar sua avaliação sobre o tema. Amanhã, a comissão decidirá se abre investigação sobre a conduta de Geddel. Uma vez aberto o processo, caso a Comissão conclua que houve infração ética, o ministro poderá ser advertido. Nos casos mais graves, a advertência se soma a uma sugestão de demissão.

REAÇÃO NO CONGRESSO

O líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), defendeu a demissão imediata do ministro e disse que pedirá sua convocação para dar explicações no Congresso. A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), líder da Minoria na Câmara, defendeu que seja realizada uma acareação entre Calero e Geddel. O deputado Jorge Solla (PT-BA) quer a convocação do ex-ministro da Cultura para que ele reafirme as acusações. Solla apresentará requerimento para que Calero preste depoimento na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara.

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Empreendimento já era motivo de polêmica em Salvador

IAB e associação de moradores denunciaram danos à paisagem e aos imóveis tombados na região

 

Antes de ser apontado como pivô da demissão de Marcelo Calero do Ministério da Cultura, o empreendimento imobiliário La Vue (A Vista, em francês) já era motivo de polêmica em Salvador. Com 24 apartamentos de 259m², um por andar, avaliados, em 2014, em R$ 2,5 milhões cada, o projeto previsto para ter 30 andares e 107 metros de altura, com vista privilegiada para a Baía de Todos os Santos, foi criticado por entidades locais.

Em agosto do ano passado, a Associação de Amigos e Moradores da Barra dizia temer “danos à paisagem urbanística do local e possíveis agressões aos imóveis tombados na região”. O terreno fica próximo a locais como o Cemitério dos Ingleses, a Igreja de Santo Antônio da Barra e o Forte de São Diogo, e mesmo os prédios residenciais do seu entorno não ultrapassam dez andares. “Um prédio tão alto como esse vai atrair outros empreendimentos muito altos para a região. Assim, vai se perdendo a cara do bairro”, reclamou, na ocasião, a presidente da Amabarra, Regina Serra, ao jornal “A Tarde”.

Presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, departamento Bahia, Solange Araújo também se disse contra o imóvel e estranhou que a área de proteção ambiental da região não contemplasse justamente o terreno onde a construtora Cosbat pretende erguer o La Vue.

Convocadas, duas técnicas do Escritório Técnico de Licenças e Fiscalização (Etelf ), composto por especialistas do Iphan e do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac), atestaram que “a construção impacta, agride e tira a visibilidade de monumentos e áreas tombadas”. A pedido do IAB-BA, a obra acabou sendo embargada em dezembro do ano passado, e suas vendas impedidas.

Em entrevista à “Folha de S.Paulo”, Calero acusou o ministro de Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, de pressioná-lo para conseguir, junto ao Iphan nacional, a permissão para a construção do prédio, que já havia sido liberada pelo órgão em âmbito estadual. Segundo Calero, Geddel disse ser dono de um apartamento no prédio e que estaria sendo prejudicado pelo embargo da obra.

Ao GLOBO, Calero disse que Geddel iniciou uma campanha difamatória contra ele:

— Ele ensaiou essa campanha. Alguns jornalistas chegaram a entrar em contato comigo. Não dizendo que era diretamente dele, mas eu consegui fazer essa conexão de maneira simples. A gente conhece os métodos do ministro Geddel.