Título: Produtividade não é o forte deles
Autor: Correia, Karla
Fonte: Correio Braziliense, 06/11/2011, Política, p. 2

No primeiro ano da gestão de Dilma Rousseff, ritmo de trabalho dos deputados é 33% menor se comparado ao início do governo Lula. Redução das emendas parlamentares é apontada como um dos principais fatores para o baixo desempenho

A clássica fotografia do plenário vazio na Câmara dos Deputados ilustra apenas em parte a queda do rendimento da Casa verificado neste primeiro ano de mandato da presidente Dilma Rousseff. São as estatísticas registradas pela própria Câmara que possibilitam ter uma noção do grau de sonolência que se observa na pauta dos deputados, quando comparadas às de 2003, o ano inaugural do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Naquele período, 205 proposições passaram pelo crivo dos deputados em plenário, das quais 53 foram medidas provisórias (MPs), 71 projetos de lei e seis propostas de emenda à Constituição (PECs), que precisam enfrentam dois turnos de votações e obter maioria qualificada de três quintos dos membros da Casa para serem aprovadas.

Na atual legislatura, até 27 de outubro, a Câmara analisou 137 proposições — uma redução de 33,1% em comparação com oito anos atrás. Foram 37 MPs, 35 projetos de lei (menos que a metade de 2003) e nenhuma PEC até o momento — o presidente da Casa, Marco Maia (PT-RS), tem esperança de colocar em votação, esta semana, a proposta de emenda constitucional que prorroga a validade da Desvinculação de Receitas da União (DRU), provavelmente a única PEC que será analisada na Câmara este ano.

Caiu também o volume de projetos de própria lavra na Casa. Em 2003, foram 40 as proposições analisadas em plenário de autoria dos deputados. Este ano, foram 17. "Infelizmente, a edição de medidas provisórias se tornou um vício do governo, mas também do parlamentar, que prefere emendar uma MP a submeter um projeto de sua autoria à análise de seus pares", observa o cientista político da Universidade de Brasília (UnB) David Fleischer.

O ano não terminou, mas os números mostram, na prática, que, se a partir de hoje o plenário da Câmara passasse a aprovar uma proposição por dia até 31 de dezembro, incluindo sessões deliberativas nos sábados, domingos e feriados, ainda assim não conseguiria equiparar o ritmo de trabalho com o de 2003. "A produção da Câmara despencou, não se vê mais reuniões em comissões nas quintas-feiras à tarde, está tudo esvaziado. Se tem um feriado no meio da semana, pouca coisa funciona, o plenário não anda", critica o senador Walter Pinheiro (PT-BA), ele próprio um egresso da Casa.

A avaliação encontra eco entre os ocupantes de assentos na Câmara. "O que se vê é um clima de apatia entre os deputados. O governo só quer votar o que já obteve consenso, não há debates de peso no plenário e isso empobrece as discussões na Casa", diz um integrante do baixo clero da base aliada que não quis se identificar. "Também tem a história das emendas. Antes, havia um cronograma para a liberação. Hoje, não há nada, as emendas pingam. Tem deputado que, por conta disso, bate ponto aqui e fica escondido no gabinete, não desce para votar", admite o parlamentar, revelando um dos motivos para a redução da produção na Câmara.

"Há uma minoria (de deputados) que se pauta pela qualidade das matérias no plenário. Na maior parte das vezes, o ritmo da Casa é dado mais pela liberação de emendas e cargos", censura o líder do DEM na Câmara, ACM Neto (BA), que aponta o engessamento da pauta da Câmara pelo volume de medidas provisórias enviadas pelo Executivo entre os motivos do aparente desânimo dos deputados. "Às vezes, o que acontece é que a Casa não tem capacidade de resistir à enxurrada de MPs e fica a reboque do governo", pondera o líder.

Obstáculos O próprio governo, que detém uma extensa maioria na Câmara, enfrenta dificuldades para emplacar determinadas pautas na Casa. A lua de mel entre o Palácio do Planalto e sua base de sustentação rendeu vitórias importantes, como a aprovação, em fevereiro, do aumento do salário mínimo de R$ 540 para R$ 545 em 2011, que incluiu uma política de reajustes que permitirá ao Planalto prescindir do aval do Congresso para definir novos valores do piso salarial nos próximos anos. Trouxe, também, a aprovação da segunda etapa do Minha Casa, Minha Vida e da MP do Cadastro Positivo, duas proposições citadas entre as realizações de peso da Casa no primeiro semestre do ano. O bom relacionamento, contudo, esbarrou em uma crise gerada pelo escândalo que derrubou, à época, o ministro dos Transportes, senador Alfredo Nascimento (PR-AM). E degringolou na derrota do governo na aprovação de uma versão indigesta do Código Florestal.

"O diálogo da base com o governo melhorou muito, mas ainda enfrentamos problemas sérios em decorrência dos percalços no primeiro semestre", diz o líder do PR na Câmara, Lincoln Portela (MG), que "declarou a independência" da legenda em relação à base aliada depois da crise no Ministério dos Transportes. "Temos repetidas obstruções de pauta nas quintas-feiras. Estamos em meio a uma complicação do clima na Casa por conta da discussão dos royalties de petróleo. É o tipo de coisa que contamina as votações e compromete o andar da pauta", avalia o líder. O presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), não respondeu os contatos da reportagem para comentar a baixa produtividade da Casa.

Os números do plenário Veja a comparação da produtividade da Câmara nos primeiros anos de mandato de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff

Atividade - 2003 - 2011*

Sessões em plenário - 331 - 303 Proposições avaliadas em plenário - 205 - 137 Medidas provisórias - 53 - 37 Projetos de lei - 71 - 35 Projetos de decreto legislativo - 54 - 54 Projetos de resolução - 16 - 8 Projetos de lei complementar - 5 - 2 PECs - 6 - Zero