Alexa Salomão
Há uma razão matemática que explica por que a fixação da idade mínima para se aposentar se tornou a principal bandeira do governo dentro da reforma da Previdência: sozinha, essa única mudança em particular altera rapidamente a tendência de alta do gasto previdenciário. O economista Paulo Tafner, especialista em Previdência, fatiou a reforma e projetou os efeitos de cada alteração de regra sobre os custos do INSS no longo prazo – entre 2016 e 2060.
Avaliou isoladamente o impacto com a extinção da aposentadoria especial para professores e a desindexação do salário mínimo, bem como o fim da acumulação de benefícios – como receber, ao mesmo tempo, a própria aposentadoria e também a pensão do companheiro falecido (veja quadro ao lado).
De longe, a adoção da idade mínima de aposentadoria, para todas as categorias, teria o efeito mais contundente. Com um detalhe: apesar de defender a fixação de uma idade mínima única para homens e mulheres, Tafner preferiu ser conservador. Pressupôs que os homens se aposentariam com 65 anos e as mulheres com 62.
“O efeito da idade mínima sobre a redução do gasto seria imediato”, diz Tafner. Em 10 anos, começaria a reverter a trajetória da despesa. Em 20 anos, ainda que lentamente, reduziria a despesa total. Até 2060, renderia uma economia de 27, 4% – se comparado ao cenário mais pessimista, que é não fazer nada e deixar a conta explodir. Essa opção, na definição de Tafner, seria “trágica” porque o teto de gastos, sozinho, não vai deter o avanço dos custos. Suas simulações comprovam que o INSS passaria a consumir um crescente volume de recursos em outras áreas.
“A despesa com Previdência seria multiplicada por cinco até 2060”, diz ele. O gasto com o INSS deve fechar o ano perto de R$ 470 bilhões, o equivalente a 7,7% do Produto Interno Bruto (PIB). Sem nenhuma norma for alterada, vai a 19% do PIB, R$ 2,7 trilhões em valores de hoje.
No extremo oposto está a reforma completa, considerada ideal, mas mais complicada. O seu efeito seria impressionante. A despesa continuaria a subir, mas muito lentamente. Em 2035, praticamente se estabilizaria no patamar de 13% do PIB e começaria a cair. Em 2060, o gasto estaria em 11,7% – praticamente o mesmo nível de gasto que a simulação registra para o ano de 2030. Grosso modo, seria como fazer a despesa voltar 15 anos no tempo.
Poupança. Na avaliação de Tafner, uma reforma completa não serviria apenas para aliviar os gastos públicos e estabilizar as contas do governo. Também teria efeito sobre a toda a economia, à medida que, no longo prazo, poderia influenciar as famílias a poupar para terem mais segurança na velhice. “Mais poupança significaria mais recursos disponíveis para investimentos de longo prazo, especialmente em infraestrutura, setor que tem forte impacto sobre o crescimento”, diz Tafner.
O economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), concorda que as regras previdenciárias em vigor, mais generosas, estimulam as pessoas a gastar porque esperam proteção do Estado. Mas, para alterar essa cultura, Appy diz que a reforma teria de avançar em dois itens sensíveis: a redução do teto do benefício e da chamada taxa de reposição – o valor do benefício em relação ao último salário. “Aí sim, as famílias poupariam mais”, diz.
Poupança
“Mais poupança, significaria mais recursos disponível para investimentos de longo prazo.”
Paulo Tafner
ESPECIALISTA EM PREVIDÊNCIA
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Hoje praticamente todo o sistema previdenciário opera no vermelho. No ano passado, o INSS, que cobre o setor privado, teve um rombo equivalente a 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Na Previdência dos servidores da União, o déficit foi de 1,3%. Nos Estados e municípios, foi de 0,9%. No somatório, o rombo total foi a 3,7% do PIB. Para se ter uma ideia da dimensão do buraco, se não houvesse esse déficit, 2015 fecharia com um superávit primário mais de 2,0% do PIB. Para lembrar: superávit primário é a economia para pagar juros da dívida. Em 2014, o primário entrou no vermelho e, de lá para cá, o déficit se aprofundou.
Para este ano, está previsto um déficit primário de 2,7% do PIB – R$ 170,5 bilhões. Todo o ajuste fiscal em curso foi organizado justamente para colocar o primário no azul.
PARA ENTENDER
Dados de mais de 200 arquivos
Para fazer as suas projeções, o economista Paulo Tafner precisou cruzar dados de mais de 200 arquivos, projetando itens como participação da mulher no mercado de trabalho, taxas de longevidade e de mortalidade e regras de indexação de benefícios ao salário mínimo. Também precisou fixar alguns princípios básicos, como crescimento. Adotou que o Produto Interno Bruto (PIB) cresceria em média 2% ao ano, dado que cenário nos próximos anos ainda é pessimista. Como o governo ainda não bateu o martelo sobre como será a regra de transição para trabalhadores na ativa perto se aposentar, considerou que ficariam de fora da reforma todos o que estão a um ano de se aposentar.
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‘Vamos para o vinagre sem a reforma da Previdência’
Segundo o economista Paulo Tafner, é “insustentável” ignorar o crescente gasto da Previdência. O envelhecimento da população, somado ao fato de o brasileiro se aposentar na faixa dos 50 anos, vai implodir rapidamente as contas da União, mesmo com a adoção de um teto para os gastos. “O problema fiscal no Brasil tem nome: Previdência”, diz. Mas isso não quer dizer que está tudo certo no setor público. “O INSS é pior, mas a bomba relógio dos Estados explode antes”, diz. A seguir os principais trechos da entrevista que deu ao Estado.
Todos os economistas, até técnicos do governo, têm dito o limite de basta, sem reformas. O que o sr. identificou?
Que é isso mesmo. Calculei a despesa previdenciária, já prevendo o limite, e é dramático. Hoje o INSS já consome pouco mais de 41% da receita corrente líquida. Em 2020, já vai para 51,7%. Lá em 2025, sobe para 63,3%. Olha o que acontece em 2035: ela vai a consumir a 87% da receita. Estou imaginando que vão manter os gastos com saúde e educação. Pois bem: quando você fixa os demais gastos, a conta fica no negativo. A receita corrente líquida não é suficiente para sustentar o INSS, a folha de pessoal, saúde e educação.
Mas aí não sobraria nada para as demais áreas?
Isso mesmo. Sem reforma, no final de vigência do teto, a gente estaria indo para o vinagre. Ou seja, o problema fiscal no Brasil tem nome: Previdência. Claro que existem ineficiências, que o governo passado fez bobagem e gastou demais, mas fundamentalmente o que temos é pressão do gasto previdenciário. Os governos anteriores se recusaram a encará-lo. Agora é insustentável ignorar. Chegamos neste ponto gravíssimo: não adianta só a PEC. Precisa ser a PEC mais a reforma da Previdência.
Por que o sr. focou o trabalho no gasto do INSS, que é privado, quando há problemas também na previdência pública, em particular nos Estados?
No caso dos governos subnacionais, a trajetória do déficit não está associada à demografia. Depende do volume de contratação de cada governo, da evolução salarial de diferentes carreiras, da idade média de entrada de cada concurso e da distribuição por gênero. Fica muito difícil fazer projeções porque cada Estado e cada município têm a sua dinâmica. Mas não há a menor dúvida que precisam fazer reformas nos Estados o quanto antes. Veja o Rio.
Há uma discussão sobre a questão dos Estados: que a bomba relógio previdenciária deles seria até pior que a do INSS.
É uma bomba relógio grande, mas não é pior. O problema é que ela estoura antes. Já está estourando. Já estourou no Rio Grande do Sul e em Sergipe. Estamos vendo estourar no Rio de Janeiro. Vai começar em São Paulo. Em seis anos, vai chegar a outros Estados.
Por que o INSS é pior?
Porque é afetado pela demografia, pelo envelhecimento da população, e conta com um, digamos, um detonar que potencializa os efeitos da demografia: a ausência de uma idade mínima para se aposentar. Hoje, por exemplo, as pessoas se aposentam na faixa de 50 e poucos anos. Se conseguirem postergar a aposentaria por seis anos, é possível retardar a entrada de milhões de pessoas no sistema – uma média de 1,5 milhão de por ano. São 1,5 milhão, no primeiro ano, mais de 3 milhões no segundo e assim por diante. É por isso que a maioria dos países tem idade mínima. O Brasil criou o sistema previdenciário entre 1923 e 1924, com idade mínima. Foi só depois que o País passou a ter dois tipos de aposentadorias: a aposentadoria por idade, com tempo mínimo de contribuição, mas também a aposentadoria por tempo de contribuição. Pelo que eu saiba, só cinco ou seis países no mundo inteiro têm essa alternativa.
Qual a sua expectativa em relação à reforma que o governo vai apresentar e ao que pode ser aprovado?
Tenho dúvidas sobre a questão da desindexação do salário mínimo, mas estou convencido que todo o resto passa.
O que é todo o resto?
Acredito que vai passar a idade mínima. Que, progressivamente, vão acabar com as aposentadorias especiais. Que haverá uma redução, também progressiva, para reduzir a diferença de idade para aposentadorias de homens e de mulheres. Eu acredito que a sociedade está pronta para essas mudanças. Mas também pressuponho que o legislador vai estabelecer prazos e regras de transição para todas as mudanças, e vai fazer isso caso a caso. Haverá uma regra de transição para militares, outra para a transição das mulheres. Mas todos vão caminhar para uma meta única.
No caso da PEC do Teto, algumas categorias pressionaram para ficar de fora e ficaram. E se isso acontecer na Previdência?
Não pode acontecer e, pelo que conheço de quem participa da formulação do projeto, não vai acontecer. Não existe uma única justificativa para que alguma categoria fique de fora. A reforma da Previdência precisa ser para todos.